Em 2013, uma equipe de cientistas abalou os fãs da geologia quando relatou que o Mauna Loa, um vulcão em escudo de aproximadamente 5,1 mil quilômetros quadrados no Havaí, na verdade não era o maior vulcão do mundo. O título, sugeriu a equipe, pertencia ao Maciço de Tamu, uma montanha vulcânica extinta localizada no leito oceânico, a leste do Japão, que parecia ser um vulcão em escudo, cobrindo uma incrível área de cerca de 259 mil quilômetros quadrados, praticamente o tamanho do estado do Arizona.
Mas, agora, estudo publicado na revista científica Nature Geoscience analisou novamente o Maciço de Tamu e chegou a uma conclusão bem diferente: ele não é um vulcão em escudo, o que significa que o título volta a pertencer ao Mauna Loa. E, para completar, o autor principal de ambos os estudos é a mesma pessoa: William Sager, geofísico marinho da Universidade de Houston.
“Isso é incrível, porque é assim que a ciência deveria ser”, diz Bill Chadwick, geólogo do leito oceânico do Laboratório Ambiental Marinho do Pacífico da NOAA, em Oregon, que não participou do estudo. “Você acredita naquilo que as evidências lhe mostram, independentemente se isso vai contra algo que você acreditava antes”.
Sager concorda, observando que a nova análise feita pela sua equipe da enorme estrutura submarina revela que ela possa ser uma pilha colossal de crosta oceânica, que atualmente não pode ser explicada de forma adequada. Talvez, algo até mesmo mais estranho do que um vulcão gigante e singular.
Essencialmente, afirma ele, o Maciço de Tamu “ainda é extraordinário, mesmo tendo perdido o superlativo”.
Assuma sua posição ou desista
Sager começou a estudar o Maciço de Tamu há mais de 25 anos, muito antes de batizá-lo com esse nome. A estrutura está localizada nas profundezas do noroeste do Oceano Pacífico, no Shatsky Rise, conhecido como um planalto oceânico.
Uma das teorias afirma que esses leitos vulcânicos elevados e espessos são o equivalente oceânico das enchentes de basalto no continente — o produto de enormes e prolongados derramamentos de lava. Acredita-se que a parte superior de uma pluma mantélica superaquecida se eleve, sofra descompactação e acione uma intensa formação de magma na crosta, seja em terra ou no leito oceânico.
Diversos trabalhos realizados na década de 1990, incluindo um de autoria de Sager, abordaram e fundamentaram a ideia de que o Maciço de Tamu e o Shatsky Rise foram criados pelo modelo de pluma mantélica. Em 2009, Sager e o Programa Internacional de Descoberta Oceânica perfuraram diversos pontos diferentes e encontraram fluxos de lava solidificada de até 22,8 metros de espessura, sugerindo que esse maciço tenha realmente sido formado por erupções gigantescas.
Cortes sísmicos realizados posteriormente pareciam demonstrar que todos aqueles rios de lava se originavam de uma única fonte. Para a equipe, realmente parecia que o Maciço de Tamu era um enorme vulcão em escudo — um tipo de vulcão normalmente formado por erupções de lava líquida que se acumulam em camadas, criando uma estrutura em abóbada que lembra um imenso escudo rochoso. Nesse caso, o Maciço de Tamu seria o maior vulcão em escudo do mundo, uma ideia que realmente fez a revista científica Nature Geoscience acreditar no estudo na época, afirma Sager.
Melhorias no maciço
Quando o estudo foi publicado, o reboliço na mídia deu a entender que muitas pessoas haviam lido a pesquisa deles realizada em 2013, algo certamente bem-vindo, conta Sager.
“Algumas coisas sempre me incomodaram nessa histórica”, afirma ele. Em especial, algo estranho parecia acontecer com as assinaturas magnéticas do maciço.
O Maciço de Tamu está localizado em um ponto de encontro entre três cristas oceânicas. Nesse local, o magma borbulha, se solidifica em uma nova crosta e se movimenta saindo da crista. Crucialmente, conforme uma nova crosta se forma nessas cristas, um panorama do campo magnético global da Terra é registrado.
De vez em quando, o campo magnético da Terra muda, e essas inversões, como são chamadas, são registradas na forma de código de barras no leito oceânico. Supondo que a maneira e o ritmo de formação da crosta sejam de certa forma estáveis ao longo do tempo, os segmentos de código de barras serão bem ordenados, uma característica ausente no crescimento caótico de um vulcão submarino formado por pluma mantélica.
Outra montanha comparativamente menor, o Maciço de Ori, está localizada próxima do Maciço de Tamu. Ela possui o padrão de código de barras bem ao longo de sua estrutura, um forte sinal de que foi formada pelo magma que saía das cristas oceânicas.
Por outro lado, as bases de dados referentes à assinatura magnética do Maciço de Tamu não eram grandes, mas devido à atenção da imprensa gerada pelo estudo de 2013, Sager recebeu patrocínio do setor privado para continuar o seu trabalho, mapeando as listras magnéticas do Maciço de Tamu com um nível de detalhes jamais visto. E apesar de as listras no centro terem provavelmente sido contorcidas por um segmento da crista que se movimentou ao longo do tempo, os mapas claramente revelaram listras magnéticas enormes atravessando o maciço.
Isso significa que, na verdade, o Maciço de Tamu não é um vulcão em escudo. Atualmente, ele parece ser um enorme conjunto de crosta oceânica com cerca de 30,5 quilômetros de espessura, que é quatro vezes mais espessa que a média global. Não se sabe ao certo como isso é possível, mas a estrutura sugere que o ritmo de formação de crosta seja o maior já visto, novamente por razões que atualmente não podem ser explicadas.
Essas listras magnéticas reveladoras também cobrem todo o Shatsky Rise, o que implica que os próprios planaltos oceânicos não são versões submarinas de enchentes de basalto continentais, e não são formados por plumas mantélicas. Em vez disso, eles são aquilo a que Sager se refere como um tipo mais intenso de propagação do leito oceânico.
Retrospectivamente, Sager afirma que o estudo de 2013, realizado com base em apenas alguns perfis e amostras sísmicos, foi quase “como tentar reconstruir o esqueleto de um novo dinossauro a partir de um dente e um fêmur”.
O rei volta ao trono
Chadwick da NOAA, que não se convenceu com o estudo de 2013, acredita que os autores estejam no caminho certo com o novo estudo, citando os convincentes dados magnéticos que eles possuem.
Mas Ken Rubin, geoquímico e vulcanólogo da Universidade do Havaí em Manoa, ainda não está convencido. Ele afirma que os dados concretos para testar o modelo de vulcão em escudo, o modelo aprimorado de vulcanismo em crista ou qualquer outro modelo naquele ritmo “são extremamente escassos, ainda nos dias de hoje”.
Contudo obter dados melhores não é tão fácil quanto parece. Comparado aos seus primos terrestres, estudar vulcões submarinos é incrivelmente difícil e repleto de obstáculos logísticos. Não é possível simplesmente andar sobre a estrutura e coletar amostras de onde desejar, além do fato de que normalmente contamos com observações indiretas. É muito difícil até mesmo identificar vulcões submarinos, sendo que a maioria ainda não foi descoberta.
“É mais fácil estudar vulcões em outros planetas do que nas profundezas de nossos próprios oceanos”, afirma Janine Krippner do Programa Global de Vulcanismo do Instituto Smithsoniano.
Até obtermos mais informações sobre as dimensões, distribuições e origens dos fluxos de lava, e até mais imagens geofísicas serem obtidas para resolução das estruturas subjacentes, Rubin suspeita que as ideias sobre a origem do Maciço de Tamu e do Shatsky Rise continuem sendo, em sua maioria, de natureza especulativa e hipotética.
Enquanto isso, Mauna Loa reinará supremo, como o maior vulcão do nosso planeta.
Fonte: Robin George Andrews – National Geographic