Uma área do tamanho dos Estados Unidos poderia ser dedicada ao reflorestamento com potencial para eliminar quase 100 anos de emissões de carbono, de acordo com um estudo inédito que determinou a quantidade de árvores que o planeta poderia comportar.
Publicado na revista científica Science, o relatório sobre “o potencial global de restauração de árvores” demonstrou que existe área adequada suficiente para aumentar a cobertura florestal mundial em um terço sem afetar as cidades existentes ou a agricultura. Entretanto a quantidade de área terrestre adequada reduz à medida em que aumenta o aquecimento global. Mesmo se o aquecimento global ficar limitado a 1,5 grau Celsius, a área disponível para restauração florestal pode ser reduzida para um quinto até 2050, pois o clima ficaria muito quente para algumas florestas tropicais.
“O nosso estudo mostra com clareza que a restauração florestal é a melhor solução disponível atualmente contra as mudanças climáticas”, conta Tom Crowther, pesquisador do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, principal autor do estudo.
Isso não muda em nada a fundamental importância de proteger as florestas existentes e eliminar os combustíveis fósseis, já que levaria décadas para o desenvolvimento de novas florestas, disse Crowther em uma declaração.
“Se agirmos agora, o dióxido de carbono emitido na atmosfera poderia ser eliminado em 25%, para níveis equivalentes aos de um século atrás”, ele diz.
Mais de cem anos seriam necessários para o desenvolvimento de florestas maduras a fim de se obter níveis aceitáveis de redução de carbono. No entanto, 40 bilhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) provenientes da queima de combustíveis fósseis são liberadas na atmosfera todos os anos, afirma Glen Peters, diretor de pesquisa do Centro de Pesquisas Climáticas Internacionais da Noruega.
“A única forma de manter a temperatura abaixo de 1,5oC ou 2oC é cessar a emissão de combustíveis fósseis”, afirmou Peters por e-mail.
Isso significa que nenhuma infraestrutura que utilize combustíveis fósseis poderá ser construída e que algumas usinas elétricas precisarão ter as atividades interrompidas o quanto antes, com base em um importante estudo publicado na revista Nature em 1o de julho.
Com isso, a remoção de CO2 em grande escala por meio do reflorestamento ajudará a compensar as emissões de setores como a aviação, para os quais ainda não há alternativas disponíveis, e talvez ajudar na redução das temperaturas, segundo ele.
As árvores consomem carbono
As árvores — todas as plantas, na verdade — utilizam a energia da luz solar e, por meio do processo de fotossíntese, absorvem o dióxido de carbono (CO2) proveniente do ar e a água que provém da terra. Durante o processo de conversão para madeira, elas liberam oxigênio no ar. Além do CO2 capturado pelas árvores, elas também ajudam o solo a capturar quantias significativas de carbono.
Pesquisadores estudaram cerca de 80 mil fotografias em alta resolução tiradas por satélite de áreas protegidas em diversos ecossistemas para determinar o nível natural de cobertura florestal em cada uma. Essas imagens foram combinadas com o software de mapeamento Google Earth Engine para gerar um modelo preditivo e mapear a capacidade de cobertura florestal em todo o mundo.
O resultado mostrou que mais de metade do potencial de restauração de árvoresexiste em apenas seis países: Rússia (151 milhões de hectares); Estados Unidos (103 milhões); Canadá (78 milhões); Austrália (58 milhões); Brasil (50 milhões); e China (40 milhões). O alto potencial desses países se deve ao fato de eles já terem removido grande parte de suas florestas existentes, afirma o principal autor do estudo, Jean-Francois Bastin, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
“Todos podem plantar uma árvore e já podemos começar a fazer isso amanhã. O reflorestamento pode nos permitir ganhar tempo para que eliminemos as nossas emissões de carbono”, diz Bastin.
As plantações de árvores também podem armazenar carbono, contudo, elas não abrigam muitos animais selvagens, como os polinizadores, cujo declínio é preocupante, segundo ele.
“Na minha opinião, o nosso estudo demonstra que precisamos tratar as florestas como as melhores aliadas da humanidade para proteger o clima e nosso sistema de apoio à vida,” diz ele.
O potencial da África para plantação de árvores
Ter uma área terrestre adequada para a ampliação de florestas é apenas um dos fatores. A importância das florestas vai além da sua capacidade de absorver carbono. As florestas tropicais, por exemplo, estão localizadas onde vivem 90% de todas as espécies terrestres, afirma Robin Chazdon, ecologista da Universidade de Connecticut.
As mudanças climáticas não são o único desafio ambiental do planeta. No início deste ano, uma histórica avaliação global da ONU alertou que um milhão de espécies estão em risco de extinção, ameaçando os alicerces das nossas economias, meios de subsistência, segurança alimentar, saúde e qualidade de vida.
Leva-se muito tempo para o desenvolvimento de uma nova floresta, portanto, é preciso oferecer um amplo leque de benefícios para os moradores locais e para a sociedade em geral, e não apenas a captura de carbono, comenta Chazdon. Em colaboração com 11 especialistas, ela utilizou as imagens em alta resolução capturadas por satélite e as mais recentes pesquisas revisadas por pares para classificar as regiões que oferecem os melhores benefícios em termos de captura de carbono, água, vida selvagem e outros benefícios, e que geram menos custos e apresentam menos riscos para o reflorestamento.
No total, eles identificaram mais de 100 milhões de hectares de florestas tropicais espalhadas pela América Central e do Sul, África e Sudeste da Ásia. Seus achados foram publicados em 03 de julho na revista científica Science Advances.
Os principais locais indicados para restauração florestal estão na África: Ruanda, Uganda, Burundi, Togo, Sudão Sul e Madagascar. O reflorestamento de algumas terras de cultivo marginais e áreas de pastagem identificadas gera grandes oportunidades de proteção a uma ampla diversidade de espécies a baixo custo e risco, ao mesmo tempo em que proporciona vários benefícios aos moradores locais com retorno financeiro satisfatório, explica Chazdon.
Diferentes caminhos, mesmo objetivo
A restauração florestal pode ocorrer de diversas formas — incluindo o plantio de árvores em pastos, a plantação de café ou cacau sob o dossel florestal e a inserção de vegetação ribeirinha em parques nacionais e áreas protegidas para desenvolvimento do turismo.
“Muitos moradores locais querem que esse tipo de coisa aconteça, mas eles precisam se envolver e se dedicar, ou não dará certo”, diz Chazdon.
Os povos indígenas e as comunidades locais possuem pelo menos metade do território mundial, incluindo grande parte das florestas tropicais. Os índices de desmatamento são bem menores em florestas onde as terras indígenas são reconhecidas.
“Nós atuamos como guardiões dessas terras há gerações… . Também sabemos como restabelecer a saúde delas,” diz Joan Carling, membro da tribo kankanaey nas Filipinas e um dos mediadores do Grupo Principal de Povos Indígenas para o Desenvolvimento Sustentável.
“Com a proteção das nossas terras e recursos, podemos evitar em nossos territórios o desmatamento, a mineração, o agronegócio, que são destrutivos, e outros projetos desse tipo”, afirma Carling por e-mail.
Essa proteção está ameaçada em diversas regiões, sendo a mais recente no Brasil. De acordo com relatórios recentes, o desmatamento da floresta Amazônica está aumentando sob o novo governo brasileiro. As imagens de satélite revelam que a área florestal desmatada consiste em perdas equivalentes ao tamanho de um campo de futebol a cada minuto. Em junho, a perda florestal foi 88% maior do que no último ano.
Diversos projetos internacionais foram promovidos para proteger as florestas existentes e plantar muitas outras, incluindo o Desafio de Bonn, no qual 59 países concordaram em restaurar 150 milhões de hectares de floresta até 2020 e 350 milhões de hectares até 2030.
Segundo a Declaração de Nova York sobre Florestas, os países se comprometeram em reduzir pela metade o índice de desmatamento até 2020 e cessar o desmatamento até 2030, além de restaurar milhares de hectares de terra degradada. Há também a Campanha de Um Trilhão de Árvores, que está mobilizando crianças em idade escolar e comunidades em todo o mundo e já plantou 13,6 bilhões de árvores desde 2007, ano em que o alemão de nove anos de idade, Felix Finkbeiner, lançou a ideia.
“Se não realizarmos mudanças essenciais, as condições humanas somente irão piorar”, disse Chazdon. “O reflorestamento pode solucionar diversos problemas”.
Fonte: Stephen Leahy – National Geographic