Ofertas do Canadá, Reino Unido e G7 não chegam a valor perdido com Fundo Amazônia

Amazônia

Chuva de ofertas de apoio internacional fica bem aquém das perdas do Brasil após debandada do Fundo Amazônia

A crise aberta pelo aumento do desmatamento e a eclosão de milhares de focos de incêndio na região amazônica deixou o Brasil no prejuízo, apesar da série de ofertas de auxílio financeiro internacional que surgiu na última semana.

Somadas, as verbas oferecidas pelo G7 (grupo que reúne as sete maiores economias do mundo) e a ajuda anunciada separadamente pelos governos do Canadá e do Reino Unido para controle dos incêndios e projetos de reflorestamento são menores em quase R$ 87 milhões que o valor perdido pelo Brasil com o congelamento de verbas do Fundo Amazônia.

O governo britânico ofereceu 10 milhões de libras (R$ 50,83 milhões) para o Brasil. Já o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, colocou US$ 15 milhões (ou quase R$ 69 milhões) à disposição dos países afetados por fogos na região da Amazônia, entre eles o Brasil. O G7, por sua vez, ofereceu US$ 20 milhões (ou R$ 92 milhões) para os países da chamada Pan-Amazônia.

Nem Canadá nem G7 informaram, até o momento, que fatia dessas verbas seria destinada especificamente ao Brasil. Mas ainda que a totalidade desses recursos fosse direcionada ao país, a suspensão das verbas da Alemanha e da Noruega para o Fundo Amazônia é bem maior do que o Brasil deve receber do exterior para controlar a crise nas florestas.

No total, Alemanha e Noruega deixaram de repassar R$ 299 milhões para o fundo neste ano.

Além disso, a oferta do G7 ainda é alvo de incerteza, devido à escalada na tensão entre os presidentes Jair Bolsonaro e o francês Emmanuel Macron. O mesmo vale para as verbas oferecidas pelo governo do Canadá (veja abaixo).

O líder brasileiro disse que o país só aceitará a ajuda do G7 se o chefe de Estado francês pedir desculpas por tê-lo chamado de mentiroso. As desculpas de Macron, no entanto, são improváveis, já que Bolsonaro ganhou manchetes em todo o mundo depois de endossar um comentário machista contra Brigitte Macron, primeira-dama francesa.

Reino Unido

Boris Johnson
Boris Johnson (foto) ofereceu £10 milhões ao chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, em conversa por telefone

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ofereceu 10 milhões de libras ao Brasil em ajuda para combater os incêndios na Amazônia.

Os detalhes sobre como o dinheiro será transferido e investido ainda estão sendo acertados.

Segundo fontes dos governos brasileiro e britânico, a conversa ocorreu ontem e o Brasil aceitou o dinheiro. Os recursos não têm relação com os US$ 20 milhões oferecidos pelo G7.

A aceitação da ajuda vinda do Reino Unido indica que o Brasil tende a optar por auxílios oferecidos individualmente pelos países-membros do G7 e outras nações.

Seria uma maneira de minimizar a importância dos recursos anunciados por Macron.

Juntas, as verbas oferecidas pelos britânicos e pelo governo canadense já superam o total do favor oferecido pelo G7.

O presidente Bolsonaro se ofendeu com o fato de Macron levar o tema dos incêndios na Amazônia para debate na cúpula do G7, sem participação do governo brasileiro. Desde então, Bolsonaro e Macron trocaram ofensas que provocaram uma crise diplomática entre França e Brasil.

O francês acusou Bolsonaro de mentir para ele na reunião do G20, no Japão, em junho, quanto aos seus compromissos com a proteção ambiental. Já o presidente brasileiro acusou Macron de utilizar a situação na Amazônia para proveito político próprio e endossou uma piada machista feita no Facebook sobre a primeira-dama francesa.

Macron reagiu dizendo que os brasileiros devem ter vergonha de Bolsonaro, especialmente as mulheres, e que ele espera que o Brasil tenha, num futuro próximo, um presidente “à altura do cargo”.

Irritado, Bolsonaro disse que só aceitaria os recursos do G7 se Macron se desculpasse pelo que chamou de “insultos”.

Canadá

Justin Trudeau
Combate a mudanças climáticas e apoio a LGBTs de Justin Trudeau podem explicar hesitação de Bolsonaro em aceitar oferta milionária canadense

Na terça-feira (27), o Ministério das Relações Exteriores do Canadá disse à BBC News Brasil que o país ofereceu US$ 15 milhões aos países amazônicos, além de aviões-cisterna (aeronaves capazes de despejar grandes quantidades de água para o controle de incêndios) fabricados no país.

“Estamos em contato com vários países afetados nos últimos dias e oferecemos US$ 15 milhões e o uso de aviões-cisterna canadenses para ajudá-los a combater os incêndios na Amazônia. A ministra (dos negócios estrangeiros do Canadá, Chrystia) Freeland conversou por telefone com seus colegas do Brasil e da Bolívia nos últimos dias. Os países estão atualmente avaliando suas necessidades e o Canadá está pronto para ajudar”, informou um porta-voz à reportagem.

O futuro destes recursos, no entanto, é um mistério.

Procurado, o Itamaraty diz que não há confirmação sobre a posição do governo brasileiro em relação à oferta canadense. Nesta quinta-feira, a ministra do Meio Ambiente do Canadá, Catherine McKenna, chegou a dizer a jornalistas que “infelizmente, o Brasil não aceitou as verbas”.

Mas nem o governo brasileiro, nem o governo canadense confirmam que as conversas tenham sido interrompidas.

Justin Trudeau, primeiro-ministro canadense, foi o primeiro líder a endossar o chamado do presidente francês para uma discussão de emergência durante o G7 sobre os incêndios na Amazônia.

“Eu não poderia concordar mais, Emmanuel Macron. Nós trabalhamos muito para proteger o meio ambiente no G7 do ano passado e precisamos continuar neste fim de semana. Precisamos agir pela Amazônia e pelo nosso planeta – nossos filhos e netos contam conosco”, escreveu o líder canadense no Twitter, no dia 23.

Nos corredores do Itamaraty, especula-se que o alinhamento imediato entre o Canadá e a França tenha irritado Bolsonaro – o que pode explicar a hesitação em receber a ajuda canadense.

Além deste episódio, Trudeau é conhecido por defender ações globais de combate a mudanças climáticas, algo que o próprio chanceler brasileiro questiona.

Ernesto Araújo já chegou a dizer que o aquecimento global é parte de uma “trama marxista” e, em entrevista à BBC News Brasil no mês passado, citou uma onda de frio na Itália, em maio, para questionar o tema.

“Visitei a Itália no começo de maio. Cheguei lá e estava muito frio na Itália para maio. Me disseram que havia sido o abril mais frio em Roma dos últimos 60 ou 70 anos. Isso não aparece tanto. Se tivesse sido o abril mais quente dos últimos 70 anos, claro, estaria em todas as manchetes”, disse então Araújo.

Cientistas afirmam que, na verdade, ondas de frio extremo, junto às de calor, são indícios que reforçam a existência de mudanças climáticas.

As diferenças entre os líderes do Brasil e do Canadá vão além. Enquanto Bolsonaro corta verbas e menções a LGBTs em programas do governo federal, Trudeau foi, em 2016, o primeiro líder canadense a participar da Parada do Orgulho LGBT de Toronto, junto a esposa Sophie Grégoire e dois filhos.

Trudeau também pediu desculpas a gays, lésbicas, bissexuais e transexuais. “Apresentamos um pedido de desculpas – com muito tempo de atraso – a todos aqueles que nós, o governo do Canadá, injustiçamos. Lamentamos. Esperamos que, reconhecendo nossas falhas, possamos fazer as pessoas LGBT progredirem como merecem no Canadá”, disse.

Macron e Bolsonaro
Macron e Bolsonaro foram fotografados lado a lado na reunião do G20 em Osaka em junho

Fundo Amazônia

Há duas semanas, os governos da Alemanha e da Noruega anunciaram que congelariam repasses de R$ 299 milhões para o Fundo da Amazônia em 2019.

O programa foi lançado 2008 como o maior projeto da história de cooperação internacional para a preservação da Floresta Amazônica. Em 11 anos, os noruegueses doaram cerca de US$ 1,2 bilhão (ou R$ 4,6 bilhões) para o fundo. Em seguida estão os alemães, que doaram cerca de US$ 100 milhões (ou R$ 380 milhões).

Até agosto deste ano, os recursos eram aplicados em 103 projetos ligados à proteção ambiental nos Estados amazônicos, como ações envolvendo tribos indígenas e programas contra queimadas.

Com recursos geridos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as doações do Fundo Amazônia são condicionadas, entre outros fatores, ao controle das taxas de desmatamento na floresta.

Na prática, quanto menor for o desmatamento, mais verbas são doadas pelos países-membros.

O fundo se tornou pivô de uma saia justa diplomática desde que o presidente Bolsonaro, por meio de decreto, extinguiu em 28 de julho dois comitês ligados ao Fundo Amazônia sem avisar aos noruegueses e alemães.

Os dois comitês extintos pelo governo brasileiro são conhecidos como Cofa (Comitê Orientador) e o CTFA (Comitê Técnico).

Mais suscetível à pressão dos doadores estrangeiros, o Cofa reunia membros dos governos federal e dos Estados amazônicos, além de ONGs e membros da sociedade civil.

Cada membro tinha mandato de dois anos e direito a voto em temas ambientais que envolvessem recursos do fundo.

‘Discricionariedade’

Noruega e Alemanha também discordaram da proposta do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de usar parte do Fundo da Amazônia para pagar compensações aos produtores rurais que cumprem a legislação ambiental, além de um adicional àqueles que vão além das exigências da lei. Ou seja, produtores que optam por desmatar menos que o autorizado em suas propriedades.

Em entrevista à BBC News Brasil no dia 15 de agosto, Salles afirmou que o governo quer ter “discricionariedade” no uso do dinheiro doado por Alemanha e Noruega e inclusive mencionou a intenção de usar os recursos para desenvolver uma “cadeia produtiva” na região da Amazônia.

A ideia integraria a estratégia do governo de expandir atividades econômicas dentro e no entorno das áreas de floresta.

“Como o dinheiro foi doado ao Brasil e a um banco público brasileiro (o BNDES), queremos ter discricionariedade que envolva efetivamente soluções capitalistas, de desenvolvimento de uma cadeia produtiva que gere resultado em caráter permanente”, disse.

Na visão se Salles, é preciso dar alternativas de emprego e produtividade para quem vive na Floresta Amazônica. Mas Noruega e Alemanha querem que os recursos continuem a ser usados para projetos de reflorestamento, prevenção de desmatamento e compra de equipamentos de combate a incêndios.

Por exemplo, o avião usado este mês em Rondônia para levar brigadas de emergência aos focos de incêndio e mapear as queimadas foi comprado com recursos do Fundo Amazônia.

A aeronave, um Cessna Grand Caravan EX 208, custou R$ 12 milhões e foi entregue em dezembro do ano passado à 2° Base Aérea Integrada de Combate a Incêndios Florestais da Amazônia Legal em Porto Velho.

* Este texto foi corrigido às 16h50 de 28 de agosto de 2019. O valor oferecido pelo Canadá chegava a US$ 15 milhões, e não 20 milhões de euros. Assim, a diferença entre o valor bloqueado no Fundo Amazônia e o total de verbas oferecidas passou a quase R$ 87 milhões.

Fonte: BBC