Ao separar as pedras preciosas recém-escavadas em Yakutia, na Rússia, especialistas que trabalham com a mineradora ALROSA se depararam com algo que nunca tinham visto antes: um minúsculo diamante sepultado no interior de outro diamante maior. O chamado diamante ‘Matrioska’, batizado em homenagem às bonecas russas, pesa apenas 0,124 grama e a pedra preciosa externa possui largura aproximada igual ao comprimento de um grão de arroz, segundo o anúncio da ALROSA sobre a descoberta na semana passada.
Normalmente, os diamantes funcionam como minúsculas cápsulas do tempo, capturando minerais exóticos ou traços do líquido denso que os originou. Mas a descoberta de um pequeno diamante solto dentro da estrutura natural de outro diamante surpreendeu os pesquisadores.
“Fiquei impressionado, nunca vi algo assim”, afirma Thomas Stachel, mineralogista da Universidade de Alberta, sobre sua reação após ver o vídeo com o tinido de um diamante dentro do outro. “Já lidamos com diamantes há muito tempo e esse é o primeiro do tipo.”
Não está claro como os diamantes adquiriram essa curiosa configuração, mas logo poderemos ter pistas: estão em curso planos para enviá-los ao Instituto Gemológico da América (GIA, na sigla em inglês) para mais estudos, o que poderia ajudar a obter novas informações sobre os fenômenos que ocorrem a quilômetros de profundidade.
“Essa é uma criação única da natureza”, afirmou Oleg Kovalchuk, diretor-adjunto de inovações para os Empreendimentos Geológicos de Pesquisa e Desenvolvimento da ALROSA, em um comunicado à imprensa.
Raízes dos diamantes
Diamantes geralmente se cristalizam a centenas de quilômetros de profundidade. Eles assumem a forma do que é conhecido como raízes cratônicas de continentes, que são zonas do manto antigo e rígido que dão suporte às massas de terra sobrepostas.
Essas regiões de produção de diamantes ficam completamente fora do alcance da exploração do homem; a maior profundidade já perfurada pelo homem foi de pouco mais de 12 quilômetros. Então, para estudar as curiosas condições de sua formação, os cientistas precisam analisar, por conta própria, os diamantes, que são trazidos à superfície durante as raras erupções vulcânicas que desenterram rochas fundidas conhecidas como magma kimberlítico.
Foi provavelmente assim que esse novo diamante chegou ao alcance do ambicioso olhar do homem — mas permanece um mistério como exatamente se formou. Ao que parece, a cristalização de muitos diamantes está ligada à subducção do leito do mar, que ocorre quando uma densa placa tectônica oceânica afunda sob uma placa continental menos densa. Conforme o leito do mar desce, as temperaturas sobem, forçando os fluidos a sair das rochas e sedimentos. Os diamantes se cristalizam a partir do caldo resultante, salgado e rico em carbono, que se infiltra a partir da subsuperfície.
Contudo, ao que parece, conforme o diamante recém-encontrado cristalizava, algo deu errado. Em vez de a pedra formar um bloco único de mineral, o diminuto diamante ficou envolto em um diamante maior. A cavidade atualmente vazia na qual o diamante minúsculo está abrigado não suportaria as pressões esmagadoras que a dupla teria que enfrentar nas profundezas do subsolo, então alguma outra substância pode ter preenchido o vão inicialmente.
“Não é possível ter um espaço aberto no manto. É absoluta e completamente impossível”, afirma Stachel. “Qualquer espaço vazio sujeito a essas pressões desapareceria em um milissegundo.”
Recheio misterioso
Talvez o diamante duplo possa ter abrigado uma gota de um fluido salgado em que o mineral se moldou, afirma Michael Förster, pesquisador de pós-doutorado em petrologia experimental da Universidade Macquarie da Austrália. Esse fluido poderia ter vazado facilmente por um orifício ou fissura no exterior do diamante maior. Outros especialistas sugerem que o espaço teria sido preenchido com minerais do manto, como olivina verde-amarronzada ou granada vermelho-escura.
“É interessante imaginar qual mineral poderia ter atuado como espaçador entre o diamante de dentro e o de fora”, escreve Förster em um e-mail.
Não se sabe como e quando esses minerais teriam desaparecido, mas poderiam ter escapado quando os diamantes estavam a caminho da superfície, afirma Wuyi Wang, vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento do Instituto Gemológico da América. Rochas derretidas ou fluidos cáusticos poderiam ter entrado em contato com o conteúdo e liquefeito os minerais do manto.
Alternativamente, Stachel acredita que a transformação poderia ter ocorrido na superfície da Terra. Lá, a água poderia ter agido incessantemente no recheio mineral, primeiramente transformando-o em minerais mais fracos e maleáveis e, depois, talvez dissolvendo alguns deles.
Ainda assim, é improvável que quaisquer dos processos tenham limpado toda a cavidade. É aí que o processamento humano entra em cena, ressalta Stachel. Embora não esteja claro como o diamante duplo foi limpo após sua mineração, muitos métodos de processamento incluem uma lavagem com substâncias altamente corrosivas, como ácido fluorídrico.
“Isso dissolve quase qualquer mineral que conhecemos”, conta Stachel. Um dos poucos que sobrevive é o diamante. Solicitações à ALROSA em busca de mais informações sobre o diamante e seu processamento ainda aguardam resposta.
Futuro brilhante
Já foram encontradas anteriormente outras formações curiosas com diamantes que se assemelham a partes da nova configuração de “diamante dentro de diamante”. Por exemplo, Wang possui há muito tempo o que parece ser um diamante dentro de outro diamante, mas a pedra interna ainda permanece aderida firmemente à parede do diamante externo. Além disso, muitos outros diamantes possuem orifícios em sua superfície brilhante, acrescenta Stachel.
Ao estudar essas excentricidades do mundo mineral, os pesquisadores podem descobrir mais sobre o processo de desenvolvimento dos diamantes e talvez sobre os ambientes e composições químicas que as pedras encontram nas profundezas de nosso planeta.
Wang, que liderará a análise da pedra preciosa no GIA, está especialmente interessado em examinar o diamante duplo por tomografia computadorizada de alta resolução para visualizar a estrutura em três dimensões. Ele espera examinar o formato da cavidade interna, além de buscar uma possível rota de fuga para o provável recheio mineral. Ele ainda espera estudar a composição química dos diamantes de forma não destrutiva para obter indícios do que pode ter existido no espaço vazio.
Ainda assim, para resolver o enigma de fato, afirma Stachel, é possível que seja necessário apenas encontrar mais exemplos: “O objetivo final agora seria encontrar um diamante cujo vão ainda esteja preenchido. Aí todos nós ficaríamos satisfeitos.”
Fonte: Maya Wei-Haas – National Geographic