O que as galáxias, as nuvens, o sistema nervoso, as montanhas e o litoral têm em comum?
Todos contêm padrões intermináveis conhecidos como fractais.
Os fractais são ferramentas importantes em diversas áreas — desde estudos sobre as mudanças climáticas e a trajetória de meteoritos até pesquisas sobre o câncer (ajudando a identificar o crescimento de células mutantes) e a criação de filmes de animação.
Estes são apenas alguns exemplos e há quem acredite que, devido à sua natureza altamente complexa e misteriosa, ainda não foi descoberto todo seu potencial.
Infelizmente, não existe uma definição simples e precisa dos fractais.
Como tantas outras questões na ciência e na matemática moderna, discussões sobre a “geometria fractal” podem gerar confusão para quem não está imerso nesse universo.
O que é uma pena, porque há um poder e uma beleza profunda no conceito dos fractais.
O pai da geometria fractal
O termo foi cunhado por um cientista pouco convencional chamado Benoit Mandelbrot, um matemático polonês nacionalizado francês e, depois, americano.
Mandelbrot não cursou os dois primeiros anos de escola e, como judeu na Europa devastada pela guerra, sua educação sofreu interrupções graves.
Em grande parte, ele foi autodidata ou ensinado por familiares. Nunca aprendeu formalmente o alfabeto, tampouco foi além da tabuada de multiplicação por 5.
Mas tinha um dom para enxergar os padrões ocultos da natureza.
Era capaz de ver regras onde todo mundo vê anarquia. Era capaz de ver forma e estrutura onde todo mundo vê apenas uma bagunça disforme.
E, acima de tudo, era capaz de ver que um novo e estranho tipo de matemática sustentava toda a natureza.
Celebrando o caos
Mandelbrot passou a vida inteira procurando uma base matemática simples para as formas irregulares do mundo real.
Parecia cruel para ele que os matemáticos tivessem passado séculos contemplando formas idealizadas, como linhas retas ou círculos perfeitos.
“As nuvens não são esferas, as montanhas não são cones, os litorais não são círculos e as cascas das árvores não são lisas, tampouco os raios se deslocam em linha reta”, escreveu Mandelbrot.
O caos e a irregularidade do mundo — que chamava de “aspereza” — era algo a ser celebrado. Para ele, seria uma pena se as nuvens fossem realmente esferas e as montanhas, cones.
No entanto, ele não tinha uma maneira adequada ou sistemática de descrever as formas ásperas e imperfeitas que dominam o mundo real.
Ele se perguntou, então, se haveria algo único que poderia definir todas as formas variadas da natureza.
Será que as superfícies esponjosas das nuvens, os galhos das árvores e os rios compartilhavam alguma característica matemática comum?
Pois parece que sim.
Autossimilaridade
Imagine nuvens, montanhas, brócolis e samambaias… suas formas têm algo em comum, algo intuitivo, acessível e estético.
Se você observar com atenção, vai descobrir que a complexidade deles ainda está presente em uma escala menor.
Subjacente a quase todas as formas no mundo natural, existe um princípio matemático conhecido como autossimilaridade, que descreve qualquer coisa em que a mesma forma se repete sucessivamente em escalas cada vez menores.
Um bom exemplo disso são os galhos de árvores.
Eles se bifurcam várias vezes, repetindo esse simples processo sucessivamente em escalas cada vez menores.
O mesmo princípio de ramificação se aplica à estrutura dos nossos pulmões e à maneira como os vasos sanguíneos são distribuídos pelo nosso corpo.
E a natureza pode repetir todos os tipos de formas dessa maneira.
Veja este brócolis romanesco. Sua estrutura geral é composta por uma série de cones repetidos em escalas cada vez menores.
Mandelbrot percebeu que a autossimilaridade era a base de um tipo completamente novo de geometria, a que deu o nome de fractal, mas que também costuma ser chamada de “a impressão digital de Deus”.
O fim é o começo
O que aconteceria se essa propriedade da natureza pudesse ser representada na matemática? O que aconteceria se você pudesse capturar sua essência para fazer um desenho? Como seria esse desenho?
A resposta viria do próprio Mandelbrot, que aceitou um emprego na IBM no final da década de 1950 para obter acesso ao incrível poder de processamento da companhia e deixar fluir sua obsessão pela matemática da natureza.
Munido de um supercomputador de última geração, ele começou a estudar uma equação muito curiosa e estranhamente simples que poderia ser usada para desenhar uma forma bastante incomum.
A ilustração a seguir é uma das imagens matemáticas mais notáveis já descobertas.
É o Conjunto Mandelbrot.
Quanto mais de perto você examinar esta imagem, mais detalhes verá.
Cada forma dentro do conjunto contém um número de formas menores, que contêm um número de outras formas ainda menores… e, assim por diante, sem fim.
Uma das coisas mais surpreendentes sobre o conjunto de Mandelbrot é que, em teoria, ele continuaria criando infinitamente novos padrões a partir da estrutura original, o que demonstra que algo poderia ser ampliado para sempre.
No entanto, toda essa complexidade vem de uma equação incrivelmente simples.
E isso nos obriga a repensar a relação entre simplicidade e complexidade.
Há algo em nossas mentes que diz que a complexidade não surge da simplicidade, que deve surgir de algo complicado. Mas o que a matemática nos diz em toda essa área é que regras muito simples dão origem naturalmente a objetos muito complexos.
Essa é a grande revelação. É um conceito surpreendente. E isso parece se aplicar ao nosso mundo como um todo.
Algo para ter em mente
Pense nas revoadas de pássaros. Cada pássaro obedece a regras muito simples. Mas o grupo como um todo faz coisas incrivelmente complicadas, como evitar obstáculos e viajar pelo planeta sem um líder específico ou um plano consciente.
É impossível prever como a revoada vai se comportar. Ela nunca repete exatamente o que faz, mesmo em circunstâncias aparentemente idênticas.
Cada vez que partem em revoada, os padrões são ligeiramente diferentes: semelhantes, mas nunca idênticos.
O mesmo vale para as árvores.
Sabemos que elas vão produzir um certo tipo de padrão, mas isso não significa que somos capazes de prever as formas exatas, pois algumas variações naturais, causadas pelas diferentes estações do ano, pelo vento ou por um acidente ocasional, as tornam únicas.
Isso quer dizer que a matemática fractal não pode ser usada para prever grandes eventos em sistemas caóticos, mas pode nos dizer que tais eventos acontecerão.
A matemática fractal, juntamente com o campo relacionado da teoria do caos, revelou a beleza oculta do mundo e inspirou cientistas de muitas áreas, incluindo cosmologia, medicina, engenharia e genética, além de artistas e músicos.
Mostrou que o universo é fractal e intrinsecamente imprevisível.
Fonte: BBC