As mais longas negociações climáticas da história das Nações Unidas finalmente chegaram ao fim em Madri e deixam como primeiro resultado um acordo de compromissos – ao mesmo tempo em que postergam decisões importantes para o encontro do ano que vem.
Quase 200 países participaram da Cop-25 (conferência do clima da ONU). Exaustas após madrugadas seguidas de negociações, as delegações presentes no encontro conseguiram chegar a um acordo sobre a questão crucial de aumentar a mobilização global por cortes nas emissões de carbono e endurecer metas.
Segundo o pacto, todos os países precisarão apresentar novas promessas climáticas na próxima grande conferência prevista para o ano que vem em Glasgow.
Mas soluções para outras questões controversas, incluindo os chamados mercados de carbono (a possibilidade de países que emitem menos carbono ‘venderem’ créditos de CO2 às nações mais poluentes) foram adiadas até a próxima reunião.
Chegando até a bloquear o acordo temporariamente, o Brasil foi um dos principais obstáculos à assinatura do documento – cuja assinatura foi atrasada em 2 dias.
O que ficou combinado?
Após dois dias e duas noites extras de negociações, delegados presentes na conferência definiram um acordo que prevê a apresentação de metas novas e mais ambiciosas de cortes nas emissões de carbono para o encontro que acontecerá em Glasgow.
Todos os países presentes deverão dar respostas efetivas ao vácuo entre o que os cientistas dizem ser necessário para evitar mudanças climáticas perigosas e as medidas tomadas atualmente – que no ritmo em que estão levariam o mundo a ultrapassar o limite para mudanças irreversíveis já nos anos 2030.
Apoiado pela União Europeia, o estímulo a metas mais ambiciosas teve a oposição de países como Brasil, Estados Unidos, Índia e China.
No entanto, o acordo conseguiu ser assinado prevendo que as nações mais ricas tenham que provar que cumpriram suas promessas sobre mudanças climáticas nos anos anteriores a 2020.
Brasil
Na avaliação dos opositores, os países europeus pressionam os mais pobres, enquanto não fazem o trabalho “dentro de casa”.
O Brasil tentou retirar dois parágrafos do documento final da conferência que prevêm estímulo a estudos sobre a relação entre os oceanos e o solo com as mudanças climáticas.
Pressionado por países como Chile, Rússia, Argentina, Austrália, Tuvalu e Belize, além da União Europeia, o Brasil acabou recuando e permitiu que os temas estivessem na redação final. A relação entre oceanos e solos com a urgência climática é respaldada por diversos artigos científicos publicados recentemente.
“O resultado desta Cop25 traz sentimentos mistos e está bem longe do que a ciência nos diz ser necessário”, disse Laurence Tubiana, da Fundação Europeia do Clima e um dos responsáveis por arquitetar o Acordo de Paris.
“Países importantes que precisavam ser ativos em Madrid não atingiram as expectativas, mas graças a uma aliança progressista de pequenos países insulares, europeus, africanos e latino-americanos, nós conseguimos o melhor resultado possível, contra a vontade dos grandes poluidores”, afirmou.
O acordo foi aplaudido por alguns ativistas. “As regras frágeis pautadas pelo mercado que foram defendidas por Brasil e Austrália e poderiam sabotar os esforços pela redução de emissões foram para a gaveta e a luta vai continuar na Cop-26 em Glasgow”, disse Mohamed Adow, do grupo Power Shift Africa.
Muitos dos presentes ficaram insatisfeitos com o pacote final.
Para eles, o resultado não reflete a urgência sobre o tema. Ao mesmo tempo, os negociadores mostram satisfação por, ao menos, terem conseguido manter o processo de luta contra as mudanças climáticas vivo após as longas e complexas discussões de Madrid.
Quais são as evidências do aquecimento global?
Registros de temperaturas desde o século 19 mostram que a temperatura média da superfície da Terra cresceu 0,8ºC nos últimos cem anos. Quase 0,6ºC desse total ocorreu nas últimas três décadas.
Os 20 anos mais quentes já registrados ocorreram nos últimos 22 anos, liderados pelo período entre 2015 e 2018.
Ao redor do planeta, o nível médio do mar cresceu 3,6 mm por ano entre 2005 e 2015. A maior parte dessa mudança ocorre em razão da expansão térmica da água do mar. Com o aumento da temperatura dela, as moléculas se tornam menos densas, levando ao aumento do volume do oceano.
Mas a redução da massa de gelo nos polos tem sido considerada o principal fator nessa tendência. A maioria das geleiras em regiões temperadas do mundo e ao longo da península da Antártida está diminuindo.
Desde 1979, imagens de satélite mostram um declínio dramático na extensão de gelo no Ártico, a uma velocidade de 4% por década. Em 2012, essa faixa atingiu seu patamar mais baixo, que é 50% menor que a média entre 1979 e 2000.
A camada de gelo na Groenlândia tem passado por um derretimento recorde nos últimos anos. Se todo esse gelo derreter, elevaria os níveis do mar em 6 metros.
Dados de satélite mostram que a camada de gelo oeste da Antártida também está perdendo massa, e um estudo recente indicou que o lado leste da região, que não tem apresentado qualquer tendência de aquecimento ou resfriamento, pode ter começado a perder massa nos últimos anos.
Mas cientistas não esperam mudanças drásticas. Em alguns lugares, a massa pode inclusive crescer, já que o aumento da temperatura pode levar à produção de mais neve.
Os efeitos das mudanças climáticas também podem ser vistos na vegetação e nos pastos. Eles incluem mudanças nos ciclos de vida das plantas, como uma floração antecipada, e alterações nos territórios ocupados por animais.
Como a mudança do clima vai nos afetar?
Há vários graus de incerteza sobre o tamanho do impacto do aquecimento global. Mas as mudanças decorrentes dele podem levar à escassez de água doce, a uma transformação radical da capacidade global de produzir alimentos, além do aumento de mortes por inundações, tempestades, ondas de calor e seca.
Isso ocorreria porque estima-se que as mudanças climáticas devem aumentar a frequência de eventos climáticos extremos, ainda que seja muito difícil associar qualquer evento isolado ao aquecimento do planeta como um todo.
Cientistas preveem mais chuvas em geral, mas apontam um risco maior de seca em regiões afastadas do litoral. Tempestades e aumento do nível do mar devem levar também a mais inundações. Haveria, no entanto, alta variação desses fenômenos ao longo das regiões.
Países mais pobres, que são menos preparados e equipados para lidar com mudanças bruscas, podem sofrer mais com as transformações.
Há previsões também de extinção de animais e plantas incapazes de se adaptar à mudança rápida do habitat, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a saúde de milhões de pessoas pode ser ameaçada pelo avanço da malária, de doenças transmitidas pela água e da desnutrição.
Com o aumento do CO₂ emitido na atmosfera, há um avanço da captura desse gás pelos oceanos, o que torna a água mais ácida. Esse processo contínuo pode representar grandes problemas para os recifes de coral do mundo, pois as mudanças na química impedem que os corais formem um esqueleto calcificado, essencial para sua sobrevivência.
Modelos gerados por computador são usados nos estudos das dinâmicas do clima terrestre e levam a projeções sobre mudanças de temperatura.
Esses cenários variam em torno da “sensibilidade climática”, a exemplo do peso de cada elemento (como o CO₂) no aquecimento ou no resfriamento. E mostram diferenças no modo com que esses “feedbacks climáticos” podem ocorrer.
O aquecimento global causará algumas mudanças que provavelmente levarão a mais aquecimento, como a liberação de grandes quantidades de metano dos gases de efeito estufa à medida que derrete o permafrost (solo permanentemente congelado encontrado principalmente no Ártico). Isso é conhecido como feedback positivo sobre o clima.
Mas feedbacks negativos podem compensar o aquecimento. Vários “reservatórios” na Terra absorvem CO₂ como parte do ciclo do carbono – o processo pelo qual o carbono é trocado entre, por exemplo, os oceanos e a terra.
A questão é: como eles vão se equilibrar?
Com reportagem de Matt McGrath, correspondente de Meio Ambiente da BBC
Fonte: BBC