SISAL, YUCATÁN, MÉXICO Em um laboratório úmido e escuro perto do vilarejo de Sisal, em Yucatán, México, Carlos Rosas Vázquez ergue uma das dezenas de pequenas conchas em um tanque de plástico preto. Ele força o cauteloso ocupante a sair e subir em sua mão. Um polvo do tamanho de um camundongo, com tentáculos que se parecem fios entrelaçados, fantasmagoricamente pálido, exceto pelos grandes olhos negros, se contorce sobre a palma de sua mão e se enrosca em seus dedos. Até mesmo Rosas, biólogo da Universidade Nacional Autônoma do México, que trabalha há anos transformando criaturas como essa em mercadorias rentáveis, se deleita com a elegante capacidade de seus tentáculos. “Maravilloso!”, ele diz em voz baixa.
Em todo o mundo, os polvos são objetos de desejo e admiração. Agora, eles estão se tornando alvos de uma questão ética à medida que pesquisadores como Rosas descobrem maneiras de viabilizar a criação comercial de polvos e, alegam, aliviar a crescente pressão sobre as populações silvestres. Isso não é bom, afirma um novo contingente de críticos: a criação de polvos em cativeiro vai esgotar ainda mais os ecossistemas marinhos e atormentar desnecessariamente esses invertebrados que são extremamente sensíveis e inteligentes.
Há tempos um alimento básico da culinária mediterrânea e do leste asiático, o polvo (pulpo em espanhol, tako em japonês) agora é uma iguaria global, impulsionada pela popularidade dos sushis, tapas e pokes, e pelo desejo por proteínas de alta qualidade. A demanda e os preços subiram nos últimos anos, mesmo com uma menor quantidade de polvos sendo capturados em locais que tradicionalmente capturam grandes quantidades do pescado, como a Espanha e o Japão, e com os oceanos mais quentes e mais ácidos ameaçando ainda mais a população desses animais.
À primeira vista, portanto, esses donos de tentáculos saborosos parecem prontos para a aquicultura. Para muitas pessoas, porém, os polvos significam muito mais do que pratos saborosos. “As pessoas têm esse estranho caso amoroso com os polvos”, conta o biólogo Rich Ross, da Academia de Ciências da Califórnia, em São Francisco, EUA. “Conheço pessoas que nunca os comeriam, mas não têm problema nenhum em comer porcos, e diversas evidências indicam que os porcos são muito inteligentes.”
Os porcos, no entanto, não são tão graciosos, misteriosos e carismáticos quanto os polvos. Grandes cérebros, comportamento complexo e curiosidade precoce transformaram esses improváveis moluscos em criaturas de propaganda pelos direitos e bem-estar animal — e estão envolvidos em uma recente batalha sobre a ética e os possíveis impactos ambientais de criá-los em cativeiro para a produção de alimento.
A discussão esquentou no ano passado, quando Jennifer Jacquet, professora de estudos ambientais da Universidade de Nova York, e vários coautores publicaram um artigo, “The Case Against Octopus Farming” (Um caso contra a criação de polvos, em tradução livre), que viralizou rapidamente. O texto argumenta que as sombrias “consequências éticas e ambientais” da produção industrial de carne “devem nos fazer questionar se queremos repetir, com os animais aquáticos, especialmente os polvos, os erros já cometidos com os animais terrestres”.
A maior parte da pesca de polvo silvestre ainda é mais artesanal do que industrial, e são utilizadas pequenas embarcações e técnicas tradicionais. Milhares de pescadores nos estados mexicanos de Yucatán e Campeche atraem suas presas balançando caranguejos em longas varas de bambu. Mas a captura global — 420 mil toneladas métricas por ano, de acordo com relatórios da FAO — vai em grande parte para consumidores abastados na Coréia do Sul, Japão, Espanha, Itália, Portugal e, ultimamente, nos Estados Unidos. Pulpo a la gallega pode ser o prato nacional da região da Galiza na Espanha, mas a Galiza importa 20 vezes mais polvo do que captura.
“Hoje, vou para o mar e consigo 10 ou 20 quilos de polvo”, disse um pescador de Portugal a um jornal, “mas em outros anos conseguia mais de cem quilos”. Ele e seus companheiros pediram que a pesca fosse temporariamente proibida para ajudar na recuperação da população.
“Quase não saio para pescar”, contou Antonio Cob Reyes, pescador de Yucatán. “O mar está ficando lotado — mais pescadores, menos polvos.” Marrocos e Mauritânia, dois dos principais produtores, estabeleceram limites de captura para proteger os estoques.
Os defensores da aquicultura dizem que criar polvos em cativeiro é a única forma de garantir a sustentabilidade e atender a demanda. Alguns aspectos do ciclo de vida do polvo os tornam bons candidatos à aquicultura. Como o salmão, eles têm vida curta e crescem rapidamente. As espécies mais comuns vivem de um a dois anos, algumas variedades maiores, de três a cinco. Eles podem ganhar 5% do peso corporal em um dia. Mas esse ciclo de vida apresenta um grande obstáculo: sustentar o animal em seu estágio inicial, ou seja, quando é um delicado organismo planctônico chamado de paralarva, até que consiga iniciar seu crescimento vertiginoso.
O enigma do bebê polvo
Em 2015, uma empresa australiana relatou grande sucesso na criação em baterias do polvo-comum de Sydney. Mas não conseguiu criar paralarvas e passou a focar nos animais adultos, criando polvos silvestres capturados até atingirem o tamanho de mercado, utilizando um sistema de tanques na água, o mesmo empregado na Espanha.
A única empresa do ramo nos EUA, a Kanaloa Octopus Farms, na Ilha Grande do Havaí, também enfrentou o mesmo “gargalo” de produção, de acordo com o fundador Jake Conroy. Kanaloa está agora trabalhando no cultivo de zooplâncton para produzir alimento que sustentará as paralarvas. O negócio sobrevive porque cobra uma entrada para visitação, interação e alimentação dos animais adultos. Conroy, um biólogo que se voltou para a aquicultura para escapar da feroz competição por financiamento para pesquisa, admite que interações assim próximas não incentivam mais consumo. “Nove em cada dez vezes acabamos convencendo as pessoas a não comerem polvo”, diz ele. “Estamos tranquilos em relação a isso.”
Em 2017, a gigante japonesa Nissui anunciou que havia “concluído o ciclo de vida” — produzindo sucessivas gerações criadas em cativeiro, o que permite que a aquicultura não dependa de capturas silvestres — e antecipou a produção comercial em 2020. Contatada em janeiro, a Nissui apenas afirmou: “Infelizmente ainda estamos em fase de pesquisa e desenvolvimento”.
Hoje, o grupo Nueva Pescanova, multinacional de pesca e frutos do mar da Galiza, com base no trabalho do Instituto Oceanográfico Espanhol, realiza uma das mais avançadas pesquisas em octocultura, embora não preveja a produção comercial até 2023. Ricardo Tur Estrada, chefe de pesquisa da Pescanova e veterano do instituto, diz que não apenas produziu gerações sucessivas de Octopus vulgaris, o polvo-comum do Atlântico, como também prolongou a expectativa de vida do polvo.
Na natureza, os polvos se reproduzem uma vez, param de caçar e morrem. As fêmeas passam as últimas semanas de vida cuidando dos ovos. (Os nautilus são os únicos membros da família dos cefalópodes, que também inclui lulas e chocos, que se reproduzem repetidamente.) Agora, com alimentação cuidadosa e “condições ideais”, diz Tur, “salvamos a vida da fêmea, e isso nunca foi documentado antes”. Neste verão, eles planejam tentar fazer com que uma fêmea ressuscitada se reproduza novamente, sendo que essa própria fêmea nasceu em cativeiro. Ela terá dois anos, aproximadamente o dobro da vida útil média do O. vulgaris.
Além disso, Tur explica: “eliminamos a concorrência e o canibalismo”, que são características comuns do polvo, e identificamos um quarto estágio anteriormente não relatado no ciclo de vida do polvo-comum — o alevino transparente, um estágio de transição entre paralarvas e animais jovens completamente formados. Ele acredita que esse estágio, quando os animais aprendem a usar os braços e desenvolvem sua notável pigmentação mutante, fornecerá informações biológicas importantes. “Também pode ser o estágio perfeito para isolar células-tronco”, a fim de entender e talvez imitar a capacidade dos polvos de regenerar membros perdidos.
Do outro lado do Atlântico, Carlos Rosas tem mais facilidade com o ciclo de vida do polvo. O Octopus maya, a espécie com a qual ele trabalha, é uma das várias que pulam o estágio paralarval e eclodem como minipolvos totalmente formados.
Mas ele enfrenta outro desafio: baixo orçamento, algo típico na área de pesquisa no México. Sua solução foi recrutar moradoras locais — as esposas dos pescadores de polvo — para limpar e cuidar das dezenas de tanques de seu laboratório em troca da possibilidade de usarem os polvos produzidos para fins comerciais. Essas cuidadosas assistentes de laboratório, que formaram uma pequena cooperativa, removem os ovos recém-postos, matam e limpam as mães e criam as novas gerações para estudo e captura. “Nós utilizamos os dados e vocês os polvos!”, diz Rosas, brincando com duas mulheres da cooperativa. Impressionados com os resultados, seus maridos e filhos também quiseram fazer parte da cooperativa.
A operação é artesanal. Para alimentar os polvos, os tratadores colocam pasta de camarão e restos de peixe em centenas de pequenas conchas de moluscos, que imitam presas selvagens e reduzem o desperdício de alimentos. O produto permite que seja cobrado um alto preço, cerca de US$ 24 o quilo. Eles podem vender os polvos menores e mais macios que os chefs preferem, mas as regras de pesca protegem e fornecem polvos durante os seis meses em que a pesca é proibida. Rosas e o governo de Yucatán esperam que esse experimento dê origem a mais locais de criação de polvos, gerando emprego para comunidades necessitadas e atenuando os impactos do aquecimento global que reduz o número de animais capturados da natureza.
“Particularmente inadequado”
No artigo “The Case Against Octopus Farming”, Jennifer Jacquet e seus coautores — Becca Franks, da Universidade de Nova York, o ativista de proteção animal Walter Sanchez-Suarez e o filósofo australiano Peter Godfrey-Smith — citam os impactos gerais da criação industrial e da aquicultura. Eles apontam o estresse e a monotonia do confinamento; as “altas taxas de mortalidade e o aumento da agressão, infecções parasitárias e problemas do trato digestivo” associados à produção intensiva; além do desperdício de “alimentar peixes com peixes” que os humanos poderiam consumir, esgotando os mares.
Os polvos, argumentam eles, são “particularmente inadequados para viver em cativeiro e para a produção em massa, por razões éticas e ecológicas”. O confinamento é especialmente cruel para animais com um “sistema nervoso tão sofisticado e cérebro grande”, capazes de imitar, brincar e empregar estratégias avançadas de navegação e caça, além de serem “vidas importantes”, de acordo com Jacquet. Aqueles a favor da aquicultura “não levam em conta quão rica é a zona entremarés”, referindo-se ao habitat intensamente variado onde as espécies de polvo-comum se alimentam. “É impossível reproduzir essa região.”
Rosas admite a importância de garantir condições favoráveis e melhorias (como conchas para se esconderem) e diz que seu laboratório tenta fornecer isso. “Estamos trabalhando para reduzir a sensibilidade dos polvos à dor quando os sacrificamos”, acrescenta, entorpecendo-os com água fria e rapidamente cortando o cérebro. “Participaremos de um projeto com o Laboratório de Cefalópodes em Nápoles para determinar a melhor forma de abatê-los sem crueldade.”
Rosas e Tur (ambos amantes declarados dos polvos, cujos escritórios estão repletos de brinquedos com alusão ao animal) usam restos e descartes de processadores de peixes locais para alimentar os polvos. Jake Conroy, da Kanaloa Octopus, teve menos sucesso em obter restos de peixes, mas considera usar peixes invasores como alimento, como as garoupas.
Esse fornecimento sustentável pode ser mais viável para projetos experimentais e artesanais como os deles do que para as empresas produtoras contra as quais Jacquet adverte. No entanto, Tur contesta veementemente sua afirmação de que são necessários pelo menos 1,3 quilo de comida para criar meio quilo de polvo. Ele reivindica uma taxa de conversão mais baixa.
“Não é sustentável, mas é menos insustentável”, responde Jacquet, acrescentando que, mesmo que os pesquisadores “reduzam outros impactos ecológicos, a criação de polvos ainda assim seria antiética”. Afinal, é um produto de luxo, desnecessário para a segurança alimentar. Proibir a octocultura “significaria apenas que consumidores abastados pagariam mais por polvos silvestres cada vez mais escassos”.
Conroy diz que é por isso que o polvo deve ser cultivado: para aliviar os estoques da população selvagem. “A aquicultura é uma espécie de plano B”, diz ele. “Em um mundo perfeito, todos chegariam a um consenso, mas é muito difícil convencer as pessoas a se tornarem vegetarianas. Se adotarmos uma visão purista e a população selvagem for ameaçada ou totalmente destruída, como ficamos?”
Rosas e Tur fornecem outras justificativas para a criação de polvos: desenvolvimento comunitário e pesquisa básica. Tur, que assim como Conroy se voltou para a aquicultura porque o financiamento para pesquisas era escasso, acredita que o estudo dos polvos trará grandes dividendos na forma de antibióticos (de sua mucosa protetora), regeneração de neurônios e de tecidos, e robótica. Projetistas de robôs já copiaram sua pele elástica que muda de cor e imitaram seus tentáculos sensíveis com ventosa para agarrar objetos e para navegação cirúrgica. Um laboratório italiano até inventou um octobot capaz de explorar locais de difícil acesso no fundo do mar.
Aqueles que defendem e os que se opõem à octocultura concordam em uma coisa: as notáveis habilidades desses maravilhosos moluscos. Até agora, eles não conversaram diretamente uns com os outros. “Não é que eu me oponha a dialogar”, diz Jacquet, “mas não quero ser convencida pelas opiniões das pessoas que atuam no setor”. Assim, o debate deles prossegue de forma indireta, mesmo com restaurantes que seguem recebendo pedidos de sashimi de takoe pulpo a la gallega.
Fonte: Eric Scigliano – National Geographic