Presidente de conselho que reúne grandes empresas pressiona por combate ao desflorestamento ilegal no país. Em reunião com Mourão, promessa de meta semestral contra desmate agradou empresários, mas não é suficiente.
Enquanto o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciava na sexta-feira (10/07) que o Brasil desmatou em junho 1.034 km² de suas florestas, recorde em cinco anos e o 14º mês consecutivo de alta, CEOs de algumas das maiores empresas do país se reuniam com o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, para pressionar o governo a proteger a floresta.
O encontro foi precedido de um manifesto assinado por mais de 50 CEOs de grandes companhias que pede, entre outros pontos, o “combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia”, em uma articulação costurada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e pela Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Além de vice-presidente da República, Mourão é presidente do Conselho da Amazônia, instalado em janeiro pelo presidente Jair Bolsonaro para articular ações do governo na região.
Marina Grossi, presidente do CEBDS, afirma à DW Brasil que a maior conquista da audiência foi um compromisso de Mourão em estabelecer metas para a redução do desmatamento com acompanhamento semestral. No dia anterior, o vice-presidente também havia sido pressionado por investidores estrangeiros que ameaçam retirar dinheiro do país se as taxas continuarem altas.
Segundo Grossi, o desmatamento fora de controle está prejudicando investimentos, gera ruídos no exterior e afeta a segurança jurídica necessária ao ambiente de negócios. Ela cita que 98% do desmatamento registrado no país é ilegal, realizado por uma “rede criminal”. “O desmatamento de um hectare na Amazônia custa de 800 a 2 mil reais. Se pegarmos os 920 mil hectares desmatados em 2019, o ‘investimento’ no desmatamento ilegal variou de 740 milhões a 1,8 bilhão de reais. (…) Não vem de gente pequena e não é algo das empresas que assinaram o manifesto”, diz.
Ela relata ter encontrado um vice-presidente “receptivo” à demanda ambiental dos CEOs e chamando para si a responsabilidade de reduzir o desmatamento. Questionada sobre como a articulação agirá caso a promessa de metas semestrais não se realize e a destruição da floresta siga em alta, ela fala em mobilizar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) em defesa da causa.
Grossi também afirma que, antes de pedir mais dinheiro ao exterior para proteger a Amazônia ou reclamar de interesses geopolíticos que estariam ocultos na pressão pela preservação da floresta, o Brasil precisa fazer sua “lição de casa”. Além dela e do presidente da Abag, Marcello Brito, participaram da reunião com Mourão líderes da Natura, Suzano, Shell, Cargill, Marfrig, Itaú e Vale.
DW Brasil: Como surgiu a articulação de CEOs pela queda do desmatamento?
Marina Grossi: O CEBDS tem um conselho de líderes com CEOs de 60 grandes empresas. Quando há campanha presidencial, apresentamos aos presidenciáveis a pauta de que a sustentabilidade trará mais competitividade. E também aos que foram eleitos. Há uma interlocução da alta liderança empresarial com a alta liderança governamental. Estávamos vendo um ambiente muito polarizado, em que se falava para as mesmas pessoas, 30% de um lado e 30% do outro, um ativismo com o qual os CEOs não se sentem confortáveis. Desde as queimadas do ano passado, vimos que os CEOs queriam ter mais voz, mas de uma forma construtiva, colocar o que consideramos ser uma agenda de Estado, não de governo. E construímos a redação do manifesto nas últimas três semanas.
98% do desmatamento é ilegal, isso atrapalha, não atrai investimentos, envia ruídos equivocados, e segurança jurídica é importante para que os negócios prosperem. O desmatamento de um hectare na Amazônia custa de 800 a 2 mil reais, dependendo da densidade da mata. Se pegarmos os 920 mil hectares desmatados em 2019, o “investimento” no desmatamento ilegal variou de 740 milhões a 1,8 bilhão de reais. É uma rede criminal, não vem de gente pequena e não é algo das empresas que assinaram o manifesto.
O grupo de CEOs teve algum ganho na reunião de sexta com Mourão?
O ganho foi o Mourão dizer “ouvi o que vocês falaram e tomo 100% disso para o Estado. O Conselho da Amazônia surgiu para responder a algumas questões, e eu entendi o recado. Entendi que é preciso a gente combater de forma enérgica”. E continuou: “Não posso ser leviano e prometer uma meta agora. Mas pretendo fazer estudos e ter metas, e que a gente possa ter uma verificação semestral.”
Considero que incluir uma verificação semestral é algo de alguém que está querendo atrair recursos e quer mostrar rapidamente [os resultados de] uma política, em um período de tempo menor do que o anual.
O manifesto assinado pelos CEOs diz que “o grupo coloca-se à disposição do Conselho da Amazônia para contribuir com soluções”. É um tom diferente da iniciativa dos investidores estrangeiros, que sinalizam a possibilidade de retirar seu dinheiro do país. Se o desmatamento continuar aumentando, o que os empresários brasileiros poderiam fazer para pressionar o governo, além de se colocar à disposição para contribuir?
A gente já pediu audiência e estamos aguardando a resposta do [presidente do Supremo Dias] Toffoli, do [procurador-geral da República Augusto] Aras, do [presidente do Senado Davi] Alcolumbre e do [presidente da Câmara Rodrigo] Maia. Acreditamos que o governo brasileiro tem que estar todo mobilizado, não apenas o Executivo. Não vamos ficar aguardando. Essa articulação vai continuar, vamos sensibilizar outros poderes, mostrar estudos. O setor privado não é ativista, não é assim: “Mourão, você fez ou não fez?”. A gente continuará com a mesma seriedade e de forma construtiva. O vice-presidente foi receptivo, e à medida em que assumiu isso para ele, não vai não se comprometer. Ele falou com os CEOs, é uma conversa séria.
O grupo tem alguma posição em relação ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que em abril sugeriu aproveitar a pandemia para “passar a boiada” da flexibilização das normas ambientais?
A audiência foi com o vice-presidente Mourão. Salles falou muito rapidamente sobre alguns projetos do Ministério do Meio Ambiente, ele não foi o foco. O Mourão tomou para ele essa agenda, não passou para o Salles. E como presidente do Conselho da Amazônia, foi a ele que nos dirigimos. Salles foi a parte residual [da reunião], não estava com ele a bola. E a decisão não foi nossa. A decisão foi do presidente da República, que colocou a parte da Amazônia no Conselho da Amazônia.
E em relação à permanência de Salles no ministério, o grupo não tem uma posição?
Não. Não se preocupou com isso, não fazia parte do que estava colocado lá.
Em uma reunião anterior, na quinta-feira, Mourão falou sobre pedir apoio financeiro ao exterior para preservar a Amazônia, mas no ano passado o Brasil perdeu recursos do Fundo Amazônia após mudar sua governança em desacordo com os financiadores, a Noruega e a Alemanha. Agora é um bom momento para o país pedir apoio financeiro ao exterior para preservar a Amazônia?
Ele [Mourão] foi muito claro que primeiro era preciso baixar o índice de desmatamento. Que assim que se fizesse isso, haveria atração de investimentos. Antes de qualquer coisa, precisa combater o desmatamento.
O vice-presidente também falou que haveria uma disputa geopolítica por trás da preocupação dos estrangeiros com a Amazônia, pois o Brasil estaria se tornando a maior potência agrícola do mundo. Essa preocupação geopolítica se justifica?
Somos naturalmente uma potência ambiental, e é claro que interesses comerciais sempre existem, mas a gente não pode terceirizar algo que é o dever de casa. Não podermos dizer “olha, na verdade o que você está querendo é bloquear produtos”. Não, a gente tem que combater o desmatamento. Se não fizer o dever de casa, não existe um segundo passo. Isso faria sentido se a gente falasse: “Olha, fazemos tudo o que é certo, estamos combatendo o desmatamento, e isso é desleal, tem algo escuso por trás disso.” Quando você tem o desmatamento subindo, sendo 98% ilegal, não está em condições de dizer isso.
Mourão também está engajado na aprovação de novas regras que facilitariam a regularização fundiária de terras na Amazônia. Qual a sua opinião a respeito?
Um ponto interessante debatido na sexta-feira foram as terras públicas não destinadas. Hoje na Amazônia existem 50 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, dos quais 55% são áreas federais e o restante estaduais, com predominância do Amazonas. Em 20 anos, cerca de 12 milhões de hectares já foram grilados. No ano passado, cerca de 40% do desmatamento total da Amazônia aconteceu nessas florestas públicas, que representam menos de 10% da área total do bioma. Além da regularização fundiária, isso é uma questão importante. O Brasil ainda tem terras que não têm destinação, que não foram para ninguém. O Estado tem que se apropriar disso, qualquer esforço para combater o desmatamento precisa englobar a destinação dessas florestas, acabar com esse estoque de áreas livres para os grileiros e estrangular a ilegalidade.
O grupo de CEOs tem alguma posição sobre o projeto da regularização fundiária?
A gente não discutiu. Essas questões serão mais discutidas ao longo do tempo, nas próximas audiências que a gente vai ter. Essa foi uma primeira audiência, com quem preside o Conselho da Amazônia.
O governo promete anunciar nesta semana uma moratória de 120 dias nas queimadas legais na Amazônia e Pantanal. É um instrumento eficaz?
É uma medida importante, que mostra um movimento no sentido certo, mas não é suficiente.
O governo também prorrogou a presença das Forças Armadas nos esforços de combate ao desmatamento, por meio da Operação Verde Brasil, até novembro. Como a senhora avalia o uso do Exército com esse propósito?
Algo que é sempre falado é que o quadro [de servidores] estadual e federal não é suficiente, e que é preciso uma força-tarefa. Nesse primeiro momento, me parece que faz sentido. A questão é a eficiência disso, medir se teve resultado. E claro que não pode ser ad eternum, mas primeiro tem que baixar drasticamente o índice [de desmatamento].
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, deu uma entrevista na sexta-feira (10/07) para defender as iniciativas do governo na área ambiental, na qual afirmou diversas vezes que a Amazônia era composta por Mata Atlântica. Essa gafe indica algo?
Indica um desconhecimento. Ele é o ministro da Comunicação, menos mal sendo ministro da Comunicação, mas indica um grande desconhecimento, uma pena. No Brasil, a gente deveria ter mais conhecimento da Amazônia e de todos os biomas.
Fonte: Deutsche Welle