As águas quentes do oceano provocam furacões na costa leste dos Estados Unidos, mas é provável que a Amazônia também sinta os efeitos.
A temporada de incêndios de 2020 na floresta amazônica pode ser muito mais rigorosa do que em 2019 e um dos motivos dessa piora são as mesmas condições climáticas que intensificam a temporada de furacões no hemisfério norte, segundo pesquisadores.
Em agosto passado, uma série de grandes incêndios provocados pelo homem na Amazônia lançou nuvens de fumaça sobre a cidade de São Paulo, transformando o dia em noite, e gerou protestos internacionais. Mas embora esses incêndios tenham sido incomuns e alarmantes, a situação poderia ter sido ainda pior se a Amazônia estivesse em época de estiagem.
Mas, neste ano, infelizmente, condições mais secas do que a média são exatamente o que está previsto para o sul da Amazônia e um dos motivos é o aumento extraordinário de calor no Atlântico Tropical Norte, a milhares de quilômetros de distância.
Esse calor oceânico também fez com que a temporada de furacões no Atlântico batesse recordes logo de início: um prenúncio das previsões para uma temporada extraordinariamente tumultuada. Algumas pesquisas sugerem existir uma relação causal entre os próprios furacões e os piores anos de incêndios na Amazônia — embora isso seja assunto de maior debate.
“Acredito que o oceano esteja acentuando ambos os fenômenos”, afirma Chris Landsea, pesquisador meteorologista do Centro Nacional de Furacões da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos. “Está provocando anos de furacões no Atlântico e, ao mesmo tempo, aumentando a vulnerabilidade a incêndios na Amazônia”.
Uma tempestade de fogo perfeita
Doug Morton, cientista de Geociências da Nasa que foi um dos desenvolvedores da previsão de incêndios sazonais na Amazônia, afirma que a floresta equatorial enfrentará neste ano uma “tempestade perfeita” em termos de suscetibilidade a incêndios provocada por fatores como o aumento no desmatamento — um importante elemento causador de incêndios na Amazônia — e padrões oceânicos e atmosféricos mais abrangentes nos oceanos e na atmosfera que podem causar estiagens.
No primeiro semestre de 2020, estima-se que mais de três mil quilômetros quadrados de floresta tenha sido desmatada — um aumento de 25% em comparação com o primeiro semestre de 2019. Jos Barlow, cientista de conservação da Universidade de Lancaster, afirma que, se persistir o ritmo acelerado do desmatamento, mais de 15 mil quilômetros quadrados de floresta poderão ser derrubados até o fim do ano, já que a estação mais intensa de exploração de madeira está apenas começando. Seria a maior taxa de desmatamento desde 2005.
Geralmente, queimadas são um recurso utilizado por produtores rurais na Amazônia para limpar a terra para uso na agropecuária, embora muitos incêndios também sejam ateados por invasores em florestas públicas em uma tentativa de se apossar de novas terras. “Infelizmente tudo indica que este será mais um péssimo ano para o desmatamento”, escreveu por e-mail Barlow. “E, ao contrário de 2019, essas queimadas para limpeza de terra provavelmente serão agravadas por um clima mais árido do que o habitual”, o que significa que podem se espalhar mais rápido, tornar-se incontroláveis e até mesmo se alastrar para a mata virgem.
Aliás, essas previsões de sazonalidade indicam que grandes extensões da Amazônia podem ser tornar áridas com o avanço da estação seca, compreendida entre junho e novembro. Um dos motivos disso são as temperaturas oceânicas distantes ao norte, componentes essenciais que fundamentam a previsão de incêndios desenvolvida por Morton.
Segundo Yang Chen, cientista de Geociências da Universidade da Califórnia em Irvine, que desenvolveu a previsão juntamente com Morton, as temperaturas no Atlântico Tropical Norte estão atualmente “muito acima da média”. Quando essa região do oceano está especialmente quente, é deslocada para o norte na Zona de Convergência Intertropical, uma massa de ar de baixa pressão que gera tempestades intensas e muita precipitação nos trópicos. Se essa massa de chuva se afastar mais em direção ao norte antes da chegada da estação seca no sul da Amazônia, ela antecipará a estação seca e provocará uma estiagem acima da média.
“Em anos anteriores, quando o Oceano Atlântico Tropical Norte estava quente — em 2005 e 2010 — foram registrados recordes de estiagem na Amazônia”, explica Morton. “E com essas estiagens, vieram os incêndios.”
Uma relação direta com furacões?
As águas quentes do Atlântico Tropical Norte também alimentam furacões, que transferem umidade para o oeste e depois para o norte nos ventos predominantes, em vez do sul. Aliás, uma pesquisa publicada por Morton e Chen em 2015 revela que temporadas ativas de furacões no Atlântico e temporadas intensas de incêndios na Amazônia andam lado a lado. Embora haja uma correlação de ambos os fenômenos com o calor no Atlântico Tropical Norte, eles possuem uma correlação mais nítida entre si.
Morton acredita que isso indica uma relação causal entre os dois fenômenos. Quando tempestades tropicais e furacões são formados, “captam a umidade que de outra forma circularia em direção ao continente sul-americano… e desviam essa umidade à Costa do Golfo e costa leste dos Estados Unidos. Em outras palavras, retiram a umidade da Amazônia.”
Chen está menos convencido de que os furacões do Atlântico desencadeiem diretamente uma estiagem na Amazônia, embora concorde que ambos os fenômenos “compartilham a mesma causa”, ou seja, o excesso de calor no Atlântico Tropical Norte e seu impacto nos padrões climáticos.
Landsea, do Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos, também não está convencido de uma relação causal direta entre uma maior quantidade de furacões no Atlântico e a seca amazônica. Ele ressalta que furacões são “fenômenos muito transitórios. Duram apenas alguns dias, e respondem apenas por um pequeno porcentual de precipitação no Caribe”. Entretanto ele concorda que há “certamente uma associação” entre os dois fenômenos.
De qualquer modo, a temporada de furacões de 2020 deve servir como alerta para a Amazônia: já ocorreram seis tempestades tropicais dignas de receber nomes no Atlântico, a essa altura, um recorde para a temporada, iniciada apenas em 1o de junho. E é esperada uma intensificação na atividade de furacões à medida que o verão avança e o calor aumenta em todo Atlântico Tropical.
“Nossa expectativa é que será uma temporada bastante agitada”, afirma Landsea.
Fonte: National Geographic Brasil