O fotógrafo Daniel Silva voltava para casa depois de um dia de cliques na paróquia onde frequenta, em São Carlos (SP), quando parou no semáforo e viu uma cena inusitada: um gavião-carijó muito próximo do chão e com as asas abertas. A ave de rapina, conhecida como terror dos galinheiros, não costuma ficar dessa forma, exceto quando pretende fazer alguma intimidação.
A curiosidade fez o observador de natureza mudar a rota. Distante da cena para ver com clareza o que ocorria, ele avançou quase cinco quarteirões até poder fazer o retorno e chegar mais próximo da ave. O que já parecia um flagrante diferente se provou ainda mais incomum com a aproximação. Separados pelo portão de uma casa, o gavião-carijó e um gato se encaravam de forma intensa.
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“Comecei a fazer registros ainda dentro do carro. Com o tempo, fui me aproximando. Cheguei a uns 5 metros da ave e ela não se afastou, o objetivo era realmente o gato”, conta Daniel. Se nem mesmo o contato tão próximo com o “bicho-homem” afastava os olhos da ave do gato, alguns elementos da cena poderiam justificar essa composição tão inusitada para a foto.
Segundo o ornitólogo Willian Menq, em situações normais, esse gavião voaria diante da chegada das pessoas ou mesmo ao avistar o outro animal e, se não voou, é porque não conseguiu. “Nas imagens percebe-se que ele está com a plumagem visivelmente encharcada, molhada. Talvez tenha se atirado em uma poça d’água para se refrescar ou para capturar alguma presa. Ele teria voado na aproximação de qualquer potencial predador só não voou pela impossibilidade mesmo, que, acredito eu, seja por conta da plumagem encharcada”, define o especialista.
Ainda de acordo com ele, o gato aparentemente está pretendendo atacar a presa e apenas não consegue concretizar o bote pela impossibilidade de alcançá-la. Uma observação confirmada pela experiência de Daniel: “em um momento, fiquei bem próximo do gavião e, com isso, a ave se virou para mim e abriu as asas, em posição para me enfrentar. Nesse momento, o gato tentou se aproximar ainda mais dela para atacar, mas não conseguiu”, relembra.
Daniel, conhecedor das aves e da vida selvagem, logo detectou que a espécie estava bem, não estava em perigo e, por isso, depois de tentar chamar o dono da residência para ver a situação curiosa, deixou a cena. Willian Menq, porém, faz um alerta: “sempre que alguém vir uma situação assim é importante tentar verificar se a ave está ferida ou não. Se estiver ferida, como se trata de um predador, é aconselhável que seja encaminhada para algum órgão ambiental da cidade”.
Apesar da ave ser muito adaptada ao meio urbano, flagrar cenas como essas é algo extremamente incomum. E, curiosamente, motivo de bastante euforia para o observador. “Eu fiz esse registro no domingo e, no sábado, fiquei durante a tarde toda numa área de natureza, próxima à cachoeiras da região e consegui apenas duas fotos de aves. Foi algo inusitado ver essa cena no domingo de manhã, em pleno centro da cidade”, reforça.
“Já fiquei meses tentando fotografar um mocho-dos-banhados e, num final de tarde, consegui fazer o registro em um poste do lado da minha casa. Você até pode ir em lugares distantes, mas mesmo na cidade, no quintal, há coisas maravilhosas”, conta ele.
Diante de uma situação que mistura sorte com o olhar atento do observador, Daniel destaca a forma com que esse instinto de admirador que o guia, já se perpetua. “Eu tento levar, todo final de tarde, minha filha para ver o pôr-do-sol. Faço isso para motivar nela a importância de ver a natureza e, com isso, começar a cativar as crianças a desenvolverem esse olhar”, conclui.
Fonte: G1