Uma equipe de alpinistas sobe por uma encosta verdejante de frente para o majestoso maciço Marmolada, no coração das montanhas Dolomitas, patrimônio mundial da Unesco nos Alpes Italianos.
As mochilas que carregam são pesadas, mas sem equipamento de montanhismo. Em vez disso, trazem câmeras de grande porte, projetadas para reproduzir as características das usadas por fotógrafos pioneiros, mais de um século atrás.
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O grupo procura o local exato onde o fotógrafo Franz Dantone fez uma panorâmica da geleira do Marmolada no ano de 1880. Na época, essa antiga massa de gelo parecia tão imutável quanto qualquer outro aspecto da geografia daquela paisagem. Hoje, porém, está listada entre as primeiras das icônicas geleiras dos Alpes destinadas a desaparecer, provavelmente dentro dos próximos 30 anos.
A equipe é liderada pelo fotógrafo e explorador Fabiano Ventura. Ao longo da última década, ele visitou as geleiras montanhosas mais importantes do planeta, do Alasca à Patagônia, do Cáucaso ao Himalaia.
O objetivo é gerar um arquivo comparando algumas das mais antigas fotografias de geleiras e imagens recentes, que mostram a atual aparência dessas massas de gelo após décadas de mudanças climáticas. As expedições nos Alpes em 2020 e 2021 devem concluir o projeto de Ventura.
Belas imagens e uma mensagem forte
Ventura tem nas mãos uma cópia da foto de Dantone, que ele usa o tempo todo para comparar com os arredores, verificar os ângulos e a luz natural, para que as sombras da paisagem possam ser perfeitamente justapostos – ou quase. “Às vezes, passamos horas num pico, aguardando a luz ideal”, conta Ventura. “Se o tempo não está bom, temos de voltar”.
Até mesmo um leigo logo percebe imediatamente os contrastes dramáticos entre a imagem de 140 anos atrás e a atual, a começar pelos teleféricos, pistas de esqui e a fiação elétrica que marcam a paisagem atual, outrora sem quaisquer vestígios de ocupação.
Mas há um indício muito mais significativo da atividade humana no local: onde antes rochedos despontavam em meio a um mar de brancura sólida, agora só se veem pedaços de gelo espalhados por uma extensão de rocha cinzenta. As imagens de Ventura são uma representação visual dramática e convincente da realidade das mudanças climáticas – uma prova cabal da rapidez com que o planeta está se aquecendo.
Arte como corpo de dados científicos
Ao mesmo tempo, o trabalho de Fabiano Ventura funciona como uma informação valiosa para ajudar climatólogos que tentam medir a perda de gelo.
“Isso permite uma melhor análise quantitativa […] e é muito mais preciso do que as comparações normais que muitos fazem”, observa Christoph Mayer, que atua na Academia de Ciências e Humanidades da Baviera como glaciologista, ou seja, um estudioso de geleiras.
Ao contrário de imagens captadas via satélite, que datam do fim dos anos 1970, o projeto de Ventura permite comparações com formações glaciais registradas desde a metade do século 19, e as fotos de alta resolução que ele produz revelam ainda mais detalhes. “Cada vez mais cientistas pedem para usar as minhas fotos, junto com os dados científicos deles, como prova incontestável dos efeitos das mudanças climáticas“, explica Ventura.
Mayer tem um interesse especial pelas fotos de Ventura da geleira Baltoro, no Paquistão. O cientista espera que essas imagens permitam estimar quanto gelo se perdeu desde que Vittorio Sella a fotografou, em 1909.
Fazendo história
O próprio processo de Ventura é uma forma de investigação científica. Só para se dedicar aos Alpes, ele e sua equipe examinaram milhares de fotos de 70 acervos espalhados pela Europa, selecionando as de melhor iluminação, resolução e perspectiva, as quais foram, então, cuidadosamente restauradas para exposição.
Em seguida, vem o processo meticuloso de procurar o ponto exato a partir de onde cada foto foi feita. Esses locais são georreferenciados, para que futuras gerações de fotógrafos e pesquisadores possam voltar lá e monitorar as próximas mudanças. Pois em breve o projeto de Ventura também será parte da história.
Estima-se que o volume atual das geleiras dos Alpes corresponda somente a um terço do total existente em 1850. Porém a maior parte da perda ocorreu desde que o derretimento começou a realmente acelerar, na década de 1980. No escaldante verão de 2019, os Alpes perderam 800 milhões de toneladas de gelo em apenas duas semanas, de acordo com Matthias Huss, glaciologista do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
Até o fim do século 21, é possível que o único local para se contemplar o espetáculo de uma geleira alpina seja a parede de uma galeria de fotografias.
Fonte: Deutsche Welle