ENTRE AS DIVERSAS ações que o Presidente Joe Biden está tomando em resposta às mudanças climáticas — reingressar no Acordo de Paris, cancelar o projeto do gasoduto Keystone XL, interromper arrendamentos de petróleo e gás, direcionar o governo a comprar apenas veículos com zero emissão de gases de efeito de estufa — uma ação chamou menos atenção, mas pode ser fundamental para o futuro da vida na Terra. Diz respeito a um número que a maioria das pessoas nunca ouviu falar.
Em 20 de janeiro, primeiro dia de seu governo, Biden requisitou uma análise e revisão imediata do “custo social do carbono”, uma métrica econômica variável que representa quanto cada tonelada adicional de dióxido de carbono liberada na atmosfera custa à sociedade. Calculado pela primeira vez durante o governo Obama, o número sofreu reduções sob o governo do ex-presidente Donald Trump. Esse feito facilitou a justificativa da Agência de Proteção Ambiental para reverter regulamentos climáticos fundamentais, incluindo normas de economia de combustível e o Plano de Energia Limpa do governo Obama.
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Especialistas dizem que analisar o valor atribuído ao custo social do carbono para realinhar com a ciência permitirá que o governo Biden crie regulamentos de gases de efeito estufa mais rigorosos em diversos setores da economia e ainda ajudará a cumprir os objetivos de política climática.
“O decreto é um passo importante na direção certa”, afirma Tamma Carleton, economista ambiental da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara. “É empolgante saber que o custo social do carbono será estabelecido e atualizado para refletir o que há de melhor na ciência.”
Não fazer nada custa caro
Combater as mudanças climáticas acarretará custos, mas não fazer nada também. As emissões de gases de efeito estufa pela humanidade estão aumentando as temperaturas e os níveis dos oceanos e impulsionando um clima mais extremo, causando destruição de propriedades, diminuição do rendimento de safras, redução da produtividade de trabalho e matando pessoas. Os danos monetizados associados a cada tonelada de dióxido de carbono (ou qualquer outro gás de efeito estufa) representam seu “custo social”.
Determinar esse número permite que legisladores determinem o benefício monetário de evitar que gases sejam liberados na atmosfera, etapa fundamental ao elaborar regulamentos. Se o Congresso dos Estados Unidos aprovasse um imposto sobre as emissões de carbono — uma medida apoiada por muitos economistas — o custo social do carbono também poderia determinar decisões sobre o nível apropriado do imposto.
O custo social do carbono é “o número mais importante do qual ninguém nunca ouviu falar”, conta Gernot Wagner, economista climático da Universidade de Nova York. “É uma das questões mais importantes na política pública que definirá a vida neste planeta.”
Após uma decisão histórica da Suprema Corte dos Estados Unidos em 2007 que permitiu à Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) regular os gases de efeito estufa em conformidade com a Lei do Ar Limpo, o ex-presidente Barack Obama convocou um grupo de trabalho do governo para calcular o custo social do carbono. Utilizando “modelos de avaliação integrados” que vinculam as simulações climáticas às econômicas, o grupo de trabalho apresentou uma série inicial de estimativas em 2010, que foram atualizadas e revisadas ao longo do tempo. Ao final do governo Obama, o valor central do custo social do carbono era de US$52 por tonelada quando medido em dólares no ano de 2020.
Logo depois que Trump assumiu o cargo, seu governo dissolveu o grupo de trabalho e começou a fazer mudanças no cálculo do custo social do carbono que, segundo especialistas, eram inconsistentes com a ciência e economia climáticas.
Primeiro, o governo Trump revisou o custo social do carbono para considerar apenas os danos dos Estados Unidos decorrentes das emissões de carbono no país, em vez de danos globais. Carleton explica que essa é uma abordagem falha, porque as mudanças climáticas são intrinsecamente um problema global, e tanto as emissões dos Estados Unidos quanto as ações para reduzi-las afetam o mundo — o que por sua vez afeta o país norte-americano. Depois que os Estados Unidos anunciaram suas metas de redução de emissão de carbono sob o Acordo de Paris, por exemplo, muitos outros países seguiram o exemplo. Pesquisadores calcularam que cada tonelada de dióxido de carbono que os Estados Unidos se comprometeram a não emitir resultou em um compromisso de quase sete toneladas por outros países.
“Se usarmos apenas estimativas nacionais, perdemos todas as reduções de emissões de outros países”, esclarece Carleton, o que resulta em mais danos climáticos globalmente, inclusive nos Estados Unidos.
O governo Trump também fez modificações controversas na “taxa de desconto” utilizada para calcular o custo social do carbono. A taxa de desconto representa o fato de que danos futuros têm menos valor para a sociedade do que os danos atuais. Uma taxa de desconto mais alta significa que a sociedade valoriza menos os danos futuros.
O grupo de trabalho de Obama aplicou uma taxa de desconto de 3%; o governo Trump aplicou 3% e 7% no recálculo. Muitos economistas consideram a taxa de desconto mais alta inadequada para problemas como as mudanças climáticas que têm grandes impactos intergeracionais.
Como consequência dessas mudanças, o governo Trump conseguiu reduzir o custo social do carbono para apenas US$1 a US$7 por tonelada. De repente, reversões regulatórias que não podiam ter sido justificadas antes de uma perspectiva de custo-benefício fizeram sentido no papel.
“Basicamente, eles eliminaram o custo social do carbono”, explica Wagner.
Recálculo fundamental
Agora Biden planeja restaurar um valor mais alto para o custo social do carbono. O recente decreto do presidente pede o estabelecimento de um novo grupo de trabalho que publicará um valor provisório em 30 dias e um valor definitivo em janeiro de 2022.
O decreto indica que o governo Biden pretende reconsiderar danos globais para calcular o custo social do carbono e utilizar um valor que “reflita os interesses das futuras gerações”, sinalizando sua intenção de retomar a uma taxa de desconto menor. Carleton esclarece que ambas as alterações são “atualizações cientificamente justificáveis e válidas que podem acontecer imediatamente”. Em um artigo técnico publicado recentemente, ela recomendou reduzir a taxa de desconto para 2% com base nas mudanças nos mercados de capitais globais. Isso, juntamente com a mudança de avaliação apenas dos danos nacionais para os globais, aumentaria o custo social do carbono para US$125 por tonelada.
Nos próximos meses, o grupo de trabalho de Biden pode optar por atualizar os modelos do governo Obama para refletir novas informações científicas sobre o ritmo do aquecimento global e as perdas financeiras que ele causa. Existe uma “variedade de pesquisas baseadas em dados que medem os impactos das mudanças climáticas em diferentes setores”, afirma Carleton.
Para Wagner, o mais importante que o governo Biden pode fazer será “colocar a ciência de volta nesse processo… fazendo com que seja sólido, científico e econômico”.
Uma dentre as várias estratégias
No entanto o valor apropriado para o custo social do carbono não é uma questão puramente científica e não é uma solução mágica para resolver a crise climática.
Alguns dos impactos mais significativos das mudanças climáticas, como perdas de biodiversidade e acidificação dos oceanos, são extremamente difíceis de monetizar, e os números usados nos cálculos de custo-benefício são praticamente um “palpite de especialista”, diz Carleton. Outras questões embutidas no custo social do carbono — por exemplo, como atribuir um valor em dólar à vida humana e que nível de risco a sociedade deve estar disposta a assumir quando se trata de impactos climáticos — permanecem altamente controversas e mais filosóficas e políticas do que científicas e econômicas.
É por essas razões que Karl Hausker, pesquisador climático sênior do World Resources Institute, se refere ao custo social do carbono como “uma avaliação inadequada para a política climática”.
“É algo bom de ser mantido para fazer algum tipo de análise de custo-benefício na criação de normas”, declara Hausker. Mas quando se trata de definir nosso nível geral de ambição no cenário de política climática, Hausker e muitos outros alegam que devemos usar uma abordagem de “gerenciamento de risco”.
“Se isso for enquadrado como um problema de gerenciamento de risco em termos de ‘não exceder uma determinada temperatura’, então deve-se calcular quantas toneladas de carbono já foram emitidas e manter o foco nas metas de emissões”, explica ele. “É uma estrutura muito diferente de tentar encontrar o ‘nível ideal’ de danos climáticos” com base em uma análise de custo-benefício.
Paul Kelleher, professor da Universidade de Wisconsin-Madison que estuda questões filosóficas na política climática, afirma que o custo social do carbono é “uma dentre as várias estratégias de política climática”. Mas é o “ponto de partida central para as discussões sobre políticas climáticas”, esclarece ele, deve ser como se evitar cenários climáticos improváveis, porém catastróficos, que não foram enfatizados nos cálculos de custo social do carbono.
Apesar de suas limitações, um custo social do carbono atualizado será uma ferramenta essencial para o governo Biden, enquanto busca estabelecer regulamentos e políticas que conduzam os Estados Unidos em direção a uma economia livre de emissões de carbono até 2050. E, assim como retornar ao Acordo de Paris, o efeito da revisão do aumento do custo social do carbono pode ultrapassar as fronteiras dos Estados Unidos e ajudar a aumentar a ambição em questões climáticas em todo o mundo.
“O custo social do carbono nos Estados Unidos já influenciou outros países”, afirma Carleton, observando que o Canadá, a Alemanha e o México se referiram aos Estados Unidos como um modelo ao desenvolver seus próprios custos sociais do carbono. “Estou confiante de que se dispusermos de tempo e energia para atualizar esse número e deixá-lo mais próximo da fronteira da ciência e da economia, outros países farão o mesmo.”
Fonte: National Geographic Brasil