A Polônia quer diminuir sua dependência do carvão mineral e pretende, para isso, começar a produzir energia nuclear. O projeto Política Energética da Polônia até 2040 (PEP2040), aprovado no início deste mês pelo governo do país, prevê a construção de seis unidades atômicas em duas localidades. As obras estão previstas para começar em 2026, o primeiro reator deve entrar em operação em 2033. O último, dez anos depois.
Membro da União Europeia (UE), a Polônia tem de desenvolver novas fontes de energia para atingir os objetivos climáticos do bloco. Atualmente, 70% da energia consumida nacionalmente provêm de usinas de carvão, o que torna a Polônia um dos maiores poluidores europeus.
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Mas a transição energética polonesa não se deve apenas à pressão externa, ela é também uma necessidade interna urgente. As reservas de carvão do tipo linhito no centro da Polônia, que atualmente fornecem 20% da energia, estarão esgotadas em 2035.
Gás natural também vai se tornar mais escasso em breve, já que um acordo sobre o combustível com a Rússia expira no fim de 2022. O gás russo cobre atualmente 5% do consumo de energia da Polônia. Mas Varsóvia não quer prorrogar o contrato, por causa do preço alto e de tensões políticas com Moscou.
Solução aparentemente perfeita
Para a Polônia, as usinas nucleares parecem a solução perfeita para preencher as duas lacunas ao mesmo tempo. O início da produção de energia nuclear no país era planejado já na década de 1970. Após o desastre de Chernobyl, em 1986, a construção de dois reatores do tipo soviético em Zarnowiec, 80 quilômetros a noroeste de Gdansk, foi interrompida. Depois disso, houve repetidas tentativas de um recomeço. As usinas nucleares agora planejadas provavelmente ficarão em Zarnowiec e na vizinha Lubiatowo-Kopalino.
Mas a Polônia não pode financiar o projeto sozinha. Os reatores planejados, com uma produção total de 6 a 9 gigawatts, custariam até 30 bilhões de euros (R$ 197 bilhões), segundo estimativas. De acordo com o primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki, apenas parceiros certificados da Otan e do mundo ocidental seriam considerados para transferência de dinheiro e tecnologia.
O parceiro preferido de Varsóvia seria os EUA. O ex-presidente Donald Trump suscitou grandes esperanças ao prometer o apoio de empresas americanas quando o presidente polonês, Andrzej Duda, visitou Washington, em junho de 2020. O encontro colocava a “Polônia na direção certa”, nas palavras de Morawiecki. Menos de um mês antes da derrota eleitoral de Trump, os EUA e a Polônia assinaram um acordo preliminar para construir seis reatores.
Quando a Polônia perdeu Trump, seu maior aliado, a França entrou no jogo. Em 2 de fevereiro de 2021, o dia em que o governo de Varsóvia adotou a estratégia energética, o ministro francês do Comércio, Franck Riester, viajou a Varsóvia para oferecer cooperação nuclear à Polônia.
Reatores grandes ou pequenos?
Um representante da estatal Électricité de France falou na mídia polonesa sobre um financiamento de dois terços dos custos do projeto e promoveu o “European Pressurized Reactor” (EPR) francês, que também já está em operação em Taishan, na China. Os reatores gigantescos, com uma potência de mais de 1000 megawatts são exatamente o que os estrategistas de energia poloneses têm em mente.
Mas o especialista em energia Marcin Roszkowski, do think tank Klub Jagielloński, de Varsóvia, considera essa ideia ultrapassada. “Atualmente, também há reatores em formatos muito menores, com potências de 50 e 100 megawatts. São os chamados reatores modulares. Eles podem ser interligados, podem ser construídos espalhados por uma área maior e abastecer cidades e fábricas individuais com energia”, diz.
“Nesse caso, um grande desastre também seria descartado”, continua Roszkowski. Os reatores menores, usados atualmente em navios quebra-gelo, também poderão ser aprovados comercialmente dentro de alguns anos. Em 2019, o bilionário polonês Michal Solowow ofereceu-se para construir esses reatores e iniciou uma colaboração com a gigante nipo-americana GE Hitachi.
Os planos poloneses também vão contra a tendência europeia de mudar para fontes de gás e energias renováveis, segundo os especialistas. “Com as tecnologias atuais, não é uma dificuldade elevar a parcela das energias renováveis para 80% da matriz energética. Os 20% que faltam seriam por conta do inverno na Polônia, quando há pouco vento e pouco sol”, afirma o físico nuclear Marcin Popkiewicz, da Universidade de Varsóvia, ressaltando que a construção de usinas nucleares é também muito cara. “Para os clientes, o custo da energia nuclear pode exceder em cinco vezes o custo da energia renovável”, diz.
Entre carvão e átomo
O desenvolvimento de energias renováveis também faz parte da estratégia do governo polonês – mas está progredindo lentamente. Durante anos, sua participação na matriz energética polonesa estagnou em pouco menos de 14%, o que está abaixo da média europeia de 20% (segundo dados de 2020). Um avanço deve ocorrer em 2025, quando os primeiros parques eólicos da Polônia no Mar Báltico entrarem em operação. Espera-se que eles alcancem uma capacidade de 8 gigawatts até 2040.
Mas o maior problema com a transição energética é a eliminação do carvão, que ainda representa 50% do fornecimento de eletricidade. Em contraste com o carvão do tipo linhito, o carvão betuminoso será extraído ainda até pelo menos 2050. Mais de 100 mil empregos dependem da indústria, motivo pelo qual o governo está hesitante em fechar as minas de carvão.
Preocupações na Alemanha
Paradoxalmente, a energia nuclear, que é “limpa” em termos de emissão de gás de efeito estufa, poderia retardar ainda mais esse processo. Porque se as emissões de CO2 da Polônia caírem graças às novas usinas nucleares, a pressão da UE para reduzir a produção de carvão também poderá diminuir.
Essa não é a única razão pela qual os planos nucleares da Polônia já estão causando preocupação na vizinha Alemanha. De acordo com um relatório de especialistas encomendado pela bancada parlamentar do Partido Verde em janeiro de 2021, as usinas nucleares, que seriam localizadas a apenas algumas centenas de quilômetros da fronteira com a Alemanha, representariam um alto risco de segurança para a população alemã.
“Este relatório avaliou tudo com base nos dados meteorológicos dos últimos três anos. Com uma probabilidade de 20%, um acidente nesta usina nuclear planejada também afetaria a Alemanha”, explica Sylvia Kotting-Uhl, presidente da comissão de meio ambiente no Bundestag. “Na pior das hipóteses, 1,8 milhão de alemães estariam expostos à radiação de mais de 20 milisieverts. A partir desse valor, seria necessária uma evacuação. Berlim e Hamburgo, por exemplo, seriam afetadas, portanto, regiões muito densamente povoadas”, diz a parlamentar do Partido Verde.
O Ministério do Clima polonês enfatiza que foi realizada uma avaliação de impacto ambiental estratégico do programa de energia nuclear. A pasta afirma que a Alemanha também participou das consultas e apresentou 30 mil comentários, dos quais alguns foram considerados.
A Alemanha quer garantir que continue a ser consultada nos planos da usina nuclear polonesa. “Para o governo alemão, é crucial que, se a Polônia começar a produzir energia nuclear, seja garantido o mais alto padrão possível de segurança nuclear, proteção contra radiação e segurança também para Estados vizinhos que possam ser diretamente afetados”, afirmou o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha. O órgão também destaca ser regra internacional que, no caso de potenciais efeitos negativos sobre outros Estados, estes sejam envolvidos e consultados.
Fonte: Deutsche Welle