No momento mais crítico da pandemia de covid-19 no país, com hospitais superlotados e falta de leitos, profissionais da saúde alertam, também, para a falta de medicamentos utilizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) para, por exemplo, intubar pacientes em estado grave. Em alguns casos, o estoque é de apenas cinco dias. Além disso, o governo alerta que pode faltar oxigênio em cidades menores.
Nesta quinta-feira (18/03), a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) comunicou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a falta de medicamentos essenciais para o tratamento de pacientes graves infectados com o coronavírus. Segundo a entidade, alguns medicamentos têm estoque de apenas cinco dias, em média, como o propofol, usado para indução e manutenção de anestesia geral, e o cisatracurio e o atracúrio, que ajudam a relaxar a musculatura, facilitando a intubação de pacientes.
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A entidade revelou ainda um estoque de somente 10 dias para o rocuronio, usado para facilitar a intubação. Já para o midazolam, um sedativo, o estoque é de apenas 15 dias, e para o fentanil, indicado para dores extremas, de 20 dias. A associação também listou mais de 20 medicamentos que estão em falta no mercado.
De acordo com a entidade, a Anvisa se comprometeu em facilitar processos e revisar regras sobre importação para que essa demanda possa ser suprida com urgência.
Pacientes com outras doenças podem ser prejudicados
Também nesta quinta-feira, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) emitiu nota expressando “extrema preocupação” com a falta de medicamentos essenciais para pacientes graves com covid-19 e outras patologias, como doenças autoimunes, tratadas com fármacos escassos ou indisponíveis por conta da pandemia.
De acordo com o CFF, relatos de farmacêuticos de diversos pontos do país, de secretários estaduais e municipais da saúde e da própria indústria farmacêutica, “evidenciam o desabastecimento”. O uso em pacientes com covid-19 de drogas desenvolvidas originalmente para outras patologias também preocupa. É o caso da imunoglobulina, essencial para pacientes com doenças como a Síndrome de Guillain-Barré, e o tocilizumab, indicado para amenizar os sinais e sintomas da artrite reumatoide.
“Nestes dois últimos casos, particularmente, preocupa o uso desses medicamentos sem base científica de eficácia [para covid-19] até o momento”, alerta o CFF. Com a utilização desses medicamentos em pessoas com o coronavírus, mesmo sem comprovação científica, pode começar a faltar as drogas para pacientes portadores de outras doenças que fazem uso dos medicamentos.
Desta forma, o CFF “apela pelo uso racional dos medicamentos, para que a pandemia não faça vítimas também entre pessoas que sequer contraíram o coronavírus, mas têm outras doenças tão graves quanto a covid-19“.
Em relação aos hospitais públicos, segundo o jornal Folha de S.Paulo, o Ministério da Saúde requisitou os estoques da indústria de medicamentos usados para intubar pacientes, como sedativos, anestésicos e bloqueadores musculares. De acordo com a pasta, a ordem foi feita na quarta-feira e deve suprir a demanda do Sistema Único de Saúde (SUS) por 15 dias.
Falta de oxigênio em cidades do interior
Além de medicamentos, pode faltar oxigênio, sobretudo em cidades do interior, com estruturas de saúde mais simples. O diretor de Logística do Ministério da Saúde, Ridauto Fernandes, classificou nesta quinta-feira o cenário como “perigoso”. Em audiência pública na Comissão Temporária da covid-19 do Senado, ele pediu apoio dos parlamentares para que o Congresso e o Ministério da Saúde se empenhem em uma mudança legislativa com urgência, para que as grandes empresas não possam se recusar a abastecer carretas de envasadores, que atendem principalmente cidades do interior.
Hospitais menores e as unidades de pronto atendimento (UPAs) não costumam ter tanques para fornecimento e armazenamento de oxigênio e dependem exclusivamente do abastecimento através de cilindros, ou seja, utilizam oxigênio gasoso, o mais difícil de ser transportado.
Por vezes, carretas ficam dias à espera de abastecimento e, depois, tem que percorrer longas distâncias até as cidades do interior.
Por outro lado, hospitais de cidades maiores costumam receber o produto em forma líquida e o transformam em gás, o que facilita o fornecimento. “É um desafio de transporte e estocagem dos hospitais”, explica o representante da Air Liquid Brasil, Rafael Montagner.
Para otimizar o abastecimento, o presidente da Associação Brasileira de Indústria Química (Abiquim), Ciro Marino, cobrou que o Ministério da Saúde centralize a logística, para que o setor produtivo se concentre apenas na produção. Para a Abiquim, as empresas do ramo têm sido sobrecarregadas burocraticamente por secretarias, prefeituras, agências e órgãos em diversos níveis da administração pública, diante do quadro de incertezas.
Outra dificuldade apontada na audiência foi a falta de mão de obra qualificada para o serviço de abastecimento dos hospitais. “Os motoristas dos nossos caminhões não são somente motoristas, mas também são operadores técnicos. Não é mão de obra fácil para ser contratada e treinada”, observou o representante da White Martins.
Com recorde diários de mortes e infecções por coronavírus, o Brasil vive não só o momento mais grave da pandemia como também o maior colapso sanitário e hospitalar de sua história, segundo boletim extraordinário divulgado na noite de terça-feira por pesquisadores da Fiocruz.
O relatório mostra que, das 27 unidades federativas, 24 estados e o Distrito Federal estão com taxas de ocupação de leitos de UTI destinados à covid-19 no SUS iguais ou superiores a 80%. Destes, 15 apresentam taxas iguais ou superiores a 90%. Das capitais, 25 das 27 estão com essas taxas iguais ou maiores que 80%, 19 delas acima de 90%.
Fonte: Deutsche Welle