Peixe preso em luva descartável é alerta sobre os riscos do lixo gerado pela pandemia

Em todo o mundo, pessoas encontram animais afetados por máscaras, luvas e outros EPIs descartados. “O material que nos ajuda está prejudicando outros seres”, afirma um cientista.

Esta perca, encontrada em Leiden, nos Países Baixos, é o primeiro caso documentado de peixe morto em uma luva descartável.
FOTO DE OF AUKE-FLORIAN HIEMSTR

Como voluntários que passam todos os domingos recolhendo lixo nos canais que cruzam a cidade holandesa de Leiden, Liselotte Rambonnet e Auke-Florian Hiemstra já viram mais lixo do que a maior parte das outras pessoas.

Mas até mesmo a vasta experiência em detritos urbanos dos doutorandos em ecologia não os preparou para o que encontraram em agosto do ano passado.

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Uma perca do tamanho de um dedo ficou presa no polegar de uma luva médica descartável e acabou morrendo.

O ocorrido — a primeira observação desse tipo de que se tem registro — preocupou Rambonnet e Hiemstra, que imediatamente começaram a pesquisar na internet mais relatos de animais selvagens feridos ou mortos por luvas, máscaras e outros equipamentos de proteção individual (EPIs) descartados durante a pandemia do novo coronavírus. Esses produtos são predominantemente feitos de plástico, o que pode ser fatal para a vida selvagem. 

A dupla e seus colegas recentemente publicaram uma análise de 45 artigos de mídias sociais e jornais na revista científica Animal Biology, que sugere coletivamente que “o material que nos ajuda está prejudicando outros seres”, afirma Hiemstra, do instituto de pesquisa Naturalis Biodiversity Center. 

“Foi realmente chocante”, acrescenta Rambonnet, que estuda na Universidade de Leiden. “Essa é apenas a ponta do iceberg.”

Eles descobriram relatos de pintarroxos, gaivotas, pinguins e até ouriços presos em elásticos de máscaras, o que pode prejudicar seus movimentos e deixá-los vulneráveis à predação. Aves, como o galeirão-comum, passaram a utilizar máscaras, luvas e embalagens de lenços de papel para construir seus ninhos, itens que seus filhotes podem ingerir ou se enroscar.

É provável que o escopo do problema seja muito pior, declara Rambonnet, que incentiva o público a enviar relatos e fotos de animais selvagens prejudicados por EPIs descartados através de seu site denominado covidlitter.

“Ao lidar com a crise de saúde atual, estamos criando uma futura crise ambiental”, lamenta Justine Ammendolia, ecologista autônoma e Exploradora da National Geographic que reside em Toronto e também estuda o lixo relacionado à pandemia. “Quando esses resíduos vão parar no meio ambiente, basicamente não tem mais volta.”

Sociedade descartável

Um estudo estima que as instalações de saúde do mundo todo utilizam 129 bilhões de máscaras e 65 bilhões de luvas por mês, a maioria descartáveis. 

À medida que a pandemia persiste, a necessidade de EPIs não diminuiu e os países não mediram esforços para disponibilizar mais máscaras aos cidadãos comuns, reduzindo os preços, por exemplo.

Mas, ao passo que esses itens se tornam mais onipresentes e menos valiosos, o lixo aumenta. Voluntários de limpeza, por exemplo, encontraram mais de cem máscaras descartadas em Leiden em um único dia.

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Em Toronto, no Canadá, Ammendolia e sua parceira, a ecologista Jacquelyn Saturno, também notaram um aumento nos resíduos de EPIs. Assim como a equipe holandesa, Ammendolia e Saturno usaram seu tempo durante o isolamento social para estudar de maneira sistemática o lixo descartado pela cidade.

Em apenas cinco semanas realizando caminhadas noturnas de uma hora, elas coletaram mais de 1,3 mil itens de EPI, de acordo com o estudo publicado pela dupla no início deste ano na revista científica Environmental Pollution.

Para agravar o problema, a pandemia também aumentou a demanda por plásticos descartáveis — como talheres de plástico em pedidos de comida para viagem — nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa. Um estudo de outubro de 2020 estimou que o mundo gerou 1,76 milhão de toneladas de lixo plástico por dia durante a pandemia.

Como Rambonnet e Hiemstra, Ammendolia imediatamente começou a se preocupar sobre como o aumento do lixo afetaria a vida selvagem.

A mesma poluição por plástico

Kate Sheehan, ecologista da Universidade Estadual de Frostburg, em Maryland, que estuda como os plásticos prejudicam a vida selvagem, salienta que o lixo gerado pela pandemia de covid-19 apresenta as mesmas ameaças em longo prazo do que outra poluição por plástico.

Seja uma máscara ou uma garrafa, o plástico não se degrada no meio ambiente. Em vez disso, ele se decompõe em pequenos fragmentos denominados microplásticos, que podem entrar nos pulmões ou no estômago de um animal e causar infecções e obstruções. Enquanto o organismo de um animal tenta metabolizar o plástico, os produtos químicos lixiviados também podem feri-los ou matá-los.

Obviamente, os verdadeiros riscos decorrentes dos EPIs relacionados à covid-19 levarão muitos anos para ser determinados, adverte Sheehan.

“No momento, é um grande mistério. Não sabemos os possíveis impactos dos microplásticos em geral”, afirma Sheehan.

Trocar o uso de máscaras descartáveis por reutilizáveis pode fazer uma grande diferença na quantidade de dejetos de EPIs encontrados, observa Helen Lowman, presidente e diretora executiva da organização sem fins lucrativos Keep America Beautiful.

Ela também incentiva o público a dispor de apenas um segundo para jogar itens descartáveis na lixeira. Em geral, máscaras e EPIs não são recicláveis nem apropriados para uso em compostagem.

Em última análise, Hiemstra espera que sua pesquisa faça as pessoas refletirem sobre o que acontece com os animais selvagens se elas descartarem o lixo de maneira incorreta. “Esses itens são usados uma vez, mas [permanecem] na natureza por centenas de anos”, conclui ele.

Fonte: National Geographic Brasil