Quando os engenheiros começaram a perfurar o vulcão islandês Krafla, encontraram algo inesperado. O objetivo da equipe era alcançar o limite de um reservatório de magma quatro quilômetros abaixo da superfície e ter acesso a fluidos superaquecidos que poderiam produzir energia geotérmica. Mas quando a broca estava a quase dois quilômetros de profundidade, a rocha derretida começou a subir através da perfuração.
Naquele dia ameno de 2009, os engenheiros atingiram acidentalmente um bolsão de magma logo abaixo da superfície do qual ninguém tinha conhecimento.
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O Krafla é “um dos vulcões mais estudados do planeta”, afirma Hugh Tuffen, vulcanólogo da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, que não participou da pesquisa. O vulcão foi estudado repetidamente utilizando uma variedade de técnicas e, por isso, os cientistas acreditavam possuir uma compreensão razoável de sua movimentação subterrânea. “É notável como o magma conseguiu permanecer oculto.”
O incidente no Krafla é mais um entre três descobertas recentes de bolsões surpreendentes de magma na crosta superior da Terra; projetos de perfuração semelhantes encontraram reservatórios inesperados no vulcão Kīlauea, no Havaí, e no vulcão Menengai, no Quênia. Agora, pesquisadores autores de um artigo publicado no periódico Geology argumentam que pode haver bolsões de magma ocultos em torno de outros centros vulcânicos ativos em todo o mundo. Em parte devido à sua dimensão comparativamente pequena — cada uma com cerca de um quilômetro cúbico — as técnicas normalmente empregadas pelos cientistas para localizar câmaras magmáticas podem não detectá-las.
O novo estudo também demonstra que esses bolsões de magma ocultos podem permanecer adormecidos por um tempo extremamente longo. Com base em análises químicas, o magma extraído na perfuração é compatível com a lava expelida pelo Krafla em 1724, o que significa que o bolsão permaneceu sem ser detectado por três séculos, até o advento da ciência geofísica moderna.
Mas se um bolsão como esse for infiltrado por uma camada de magma quente ou por uma explosão de gases vulcânicos vindos de baixo, pode ser despertado. Tal infiltração poderia desencadear uma erupção — e algumas câmaras magmáticas ocultas, como a encontrada no Krafla, são compostas por um magma mais viscoso que aprisiona gases, o que pode resultar em um fenômeno mais explosivo.
A pesquisa pretende servir “de alerta de certa forma”, afirma Shane Rooyakkers, líder do estudo e pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Ciências Geológicas e Nucleares, na Nova Zelândia. Câmaras magmáticas ocultas dificultam a determinação do potencial de risco de um vulcão e, por isso, é preciso encontrá-las.
“Se esses bolsões menores de material derretido possivelmente eruptivo são a norma e não a exceção, então são pequenas bombas-relógio logo abaixo dos vulcões”, observa Emma Liu, vulcanóloga da University College London, que não participou do estudo.
Magma camuflado
Reservatórios de magma podem ser encontrados de inúmeras maneiras. Ondas sísmicas são um bom método, pois mudam a velocidade e a trajetória à medida que passam por diferentes materiais. A rocha derretida, por ser líquida, distingue-se das paredes sólidas que a mantêm confinada.
Mas o magma não está completamente derretido. É uma mistura de sólidos (cristais) e líquidos (materiais derretidos). Se um reservatório de magma resfriar significativamente, conterá muito mais cristais do que materiais derretidos e ficará mais semelhante a uma crosta nos levantamentos sísmicos, revela Liu.
Outro problema é que as ondas sísmicas projetadas para detectar reservatórios de magma possuem grandes comprimentos de onda. Quaisquer atributos menores do que esses comprimentos de onda, como pequenos bolsões de magma, podem não ser visualizados nitidamente. Da mesma forma, levantamentos que detectam atributos subterrâneos por meio da busca de condutividade elétrica — técnica que indica a presença de fluidos, como o magma — também não conseguem identificar pequenos bolsões de magma; não se sabe ao certo o motivo.
“É como se fosse uma rede”, ilustra Liu. Os reservatórios de magma maiores e com mais materiais derretidos são identificados, porém “outros menores podem simplesmente passar despercebidos”.
O Krafla é um caldeirão de quase 10 quilômetros de largura repleto de fissuras vulcânicas de cerca de 100 quilômetros de comprimento. Os levantamentos no local haviam determinado que seu reservatório de magma se estendia entre três e sete quilômetros pelo subsolo, bem abaixo das profundidades da perfuração. Mas a concessionária de energia National Power Company of Iceland encontrou fragmentos magmáticos acima dessa profundidade ao perfurar um poço em 2008. E diversas vezes em 2009, durante os procedimentos para o primeiro poço experimental do Projeto de Perfuração Profunda da Islândia, na tentativa de alcançar o limite de um reservatório de magma profundo, perfurou-se magma a 900 graus Celsius a apenas dois quilômetros de profundidade.
“Eu diria que foi mais do que uma surpresa. Foi um grande choque”, afirma o coautor do estudo John Stix, geocientista da Universidade McGill.
Acendendo o pavio de uma bomba
Há muito se reconhece a existência de magma oculto, mas os cientistas têm apenas uma vaga compreensão dele, justamente devido à sua natureza enigmática. Para tentar entender melhor as propriedades do magma oculto, Rooyakkers coletou amostras do magma perfurado por acaso em 2009 — um tipo viscoso conhecido como riolito — e fez uma comparação científica com os detritos riolíticos de erupções anteriores do vulcão. Ele encontrou uma correspondência geoquímica com um estágio inicial dos Fogos de Mývatn, sequência prolífica de erupções de lava ocorrida entre 1724 e 1729.
Uma explosão em 1724 esculpiu uma cratera de 300 metros denominada Víti. Com base nos detritos deixados e na composição do magma na época, Rooyakkers e seus colegas obtiveram um panorama do ocorrido. Uma camada de basalto, composto por magma infiltrado, subiu à superfície e atravessou o que pode ter sido um bolsão oculto de riolito adormecido na crosta superior. Isso forneceu ao riolito o calor, a força e os gases necessários para subir, o que o fez encontrar uma zona de vapor aprisionado, causando uma explosão violenta.
Nessa erupção, a presença do vapor desempenhou um papel fundamental para que ocorresse uma explosão. Contudo, como é conhecido por geólogos a partir de erupções mais comuns, a presença de riolito por si só já aumenta a probabilidade de explosão, pois sua natureza viscosa obstrui facilmente a saída de gases aprisionados à superfície.
A erupção do vulcão Dabbahu, na Etiópia, em 2005, por exemplo, apresentou uma explosão bastante grande que obrigou a evacuação de seis mil moradores de vilarejos próximos. Esse episódio explosivo foi desencadeado por uma infiltração de basalto na parte inferior de um bolsão de magma riolítico oculto. Nesse caso, foi como jogar um pavio aceso ao material explosivo.
Entretanto a reativação de riolito não é garantia de mais um episódio de atividade vulcânica violenta. Veja o exemplo da erupção do Eyjafjallajökull na Islândia em 2010, que causou o fechamento mais amplo do espaço aéreo europeu desde a Segunda Guerra Mundial. O basalto também atravessou o riolito, arrastando-o à superfície — mas tudo indica que não houve uma alteração na característica já vigorosa da erupção.
Menor é melhor
A boa notícia é que, se essas câmaras magmáticas ocultas forem de fato bastante reduzidas, “então o risco será pequeno”, explica Dave McGarvie, vulcanólogo da Universidade de Lancaster, que não participou do estudo. Como um refrigerante que lentamente perde o gás, se os bolsões ocultos permanecerem sem perturbações por muito tempo, podem arrefecer calmamente sua efervescência, reduzindo as chances de explosão ainda que sua cobertura seja removida.
Contudo, embora um quilômetro cúbico de magma seja pouco comparado a muitos reservatórios de magma já conhecidos, suas erupções podem ter efeitos abrangentes se permanecerem efervescentes. A erupção de riolito do vulcão Askja, na Islândia, em 1875, envolveu menos de um terço desse volume, mas sua explosividade permitiu que lançasse detritos por todo o país, e a queda de cinzas atingiu até o continente europeu.
Também é possível que a crosta terrestre abrigue câmaras magmáticas ainda maiores com apenas alguns trechos de material derretido, o que permitiria que não fossem detectadas por levantamentos geofísicos. Se algo as despertar, então “seria algo completamente inusitado”, comenta McGarvie.
Ainda assim, câmaras magmáticas ocultas menores podem ser muito mais abundantes e, felizmente, os cientistas sabem onde procurá-las. Locais onde a crosta está em expansão — como regiões da Islândia ou ao redor da fenda da África Oriental — são “os mais prováveis de ocultar esses magmas”, explica Liu. Provavelmente também estão presentes em grandes caldeiras ou em seu entorno, como nos Campos Flégreos, na Itália, um enorme vulcão que se sobrepõe parcialmente à agitada cidade de Nápoles.
Mas como os cientistas podem localizá-los se esses magmas estão, no momento, basicamente invisíveis?
“Essa é uma pergunta à qual não temos uma resposta”, admite Tuffen, da Universidade de Lancaster. “E precisamos descobri-la.”
Aumentar a quantidade de instrumentos científicos em um local suspeito de ocultar magma pode ser uma maneira eficaz de detectá-lo. E, ainda que essa estratégia não traga resultados, já é conhecida a existência de um bolsão de magma oculto sob o Krafla — o que é bastante promissor para estudos.
O Banco de Provas do Magma do Krafla é uma iniciativa que busca estudar esse bolsão de magma oculto propondo um retorno ao poço aberto em 2009, aprofundando-o ainda mais no magma e inserindo instrumentos científicos por esse poço ardente. “Poderíamos ter um método direto para poder observar o comportamento do magma ao longo do tempo”, conta Tuffen.
Se o projeto obtiver financiamento suficiente, será o primeiro observatório de magma do mundo, transformando a compreensão dos vulcanólogos sobre o magma oculto e revelando definitivamente o sombrio submundo geológico.
Fonte: National Geographic Brasil