Cientistas trabalhando na África dizem ter registrado o que seria a mais longa avalanche subaquática já medida. Ela ocorreu perto da costa da África Ocidental, em um cânion submarino que sai da foz do rio Congo.
Cientistas dizem que mais de um quilômetro cúbico de areia e lama desceu às profundezas.
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Esse fluxo colossal continuou se movendo por dois dias inteiros e se estendeu por mais de 1,1 mil km no fundo do Oceano Atlântico.
O incidente não teria sido registrado se não fosse o fato de que a avalanche quebrou dois cabos de telecomunicações submarinos, reduzindo a velocidade da Internet e do tráfego de dados entre a Nigéria e a África do Sul no processo.
A avalanche também pôde ser detectada porque pesquisadores haviam instalado em toda a extensão do cânion do Congo instrumentos capazes de medir as velocidades de correntes e sedimentos.
“Tivemos uma série de ancoradouros oceanográficos que foram atingidos pelo incidente, arrancados de suas âncoras no fundo do mar, e que surgiram para nos avisar como se fossem e-mails”, disse à BBC News o professor Peter Talling, da Durham University, no Reino Unido.
“A coisa foi ficando cada vez mais rápida. Por que [a avalanche] corrói o fundo do mar à medida que avança, ela junta areia e lama, o que torna o fluxo mais denso e ainda mais rápido. Então, ela tem esse feedback positivo onde vai aumentando, aumentando e aumentando.”
A avalanche subaquática — ou corrente de turbidez — começou em 14 de janeiro do ano passado. Mas ela só está sendo noticiada agora porque os cientistas precisaram de tempo para recuperar os sensores e analisar totalmente seus dados.
A equipe afirma que dois fatores se combinaram para preparar e, então, acionar o fluxo.
A primeira foi uma inundação excepcionalmente grande ao longo do rio Congo no final de dezembro de 2019. Um evento raro — que só ocorre uma vez a cada 50 anos — essa inundação levou grandes quantidades de areia e lama para a cabeça do cânion subaquático. Mas ainda faltavam duas semanas para a avalanche.
O que se seguiu em janeiro, no entanto, foram algumas grandes marés de primavera.
“Acreditamos que a corrente de turbidez foi desencadeada na maré baixa”, disse o professor Dan Parsons da Hull University.
“À medida que a carga do oceano acima diminui, você tem uma mudança na pressão da água dos poros dentro do sedimento — e é isso que permite que ela ceda.”
A análise mostra que a corrente de turbidez atingiu o mais raso dos medidores de velocidade instalados pela equipe às 22h31 (no fuso horário GMT) em 14 de janeiro de 2020, e chegou ao instrumento final quase 24 horas depois às 21h01 em 16 de janeiro. Nesse estágio, a avalanche havia atingido uma profundidade oceânica de mais de 4,5 m.
A recuperação dos medidores permitiu que os cálculos de velocidade bruta fossem calibrados corretamente.
Isso mostrou que o fluxo viajou inicialmente a 5,2 m/s no cânion superior, e depois acelerou continuamente até 8 m/s no momento em que atingiu o final do canal.
Talling e seus colegas detalharam o evento em um paper escrito especialmente para o setor de cabos submarinos.
Existem lições importantes sobre como mitigar riscos.
Obviamente, não é possível prever com certeza quando ocorrerá uma corrente de turbidez, mas saber algo sobre as condições que desencadeiam as falhas de sedimentos pode influenciar o posicionamento global dos navios de reparo de cabos.
Se houver uma outra enchente ao longo do rio Congo, como a ocorrida em dezembro de 2019, seria uma boa medida manter um navio de prontidão na região, por exemplo.
Os dois cabos rompidos em meados de janeiro de 2020 — o cabo South Atlantic 3/West Africa (SAT-3/WASC) e o West Africa Cable System (WACS) — foram reparados em poucas semanas. Mas houve novos rompimentos desde então, à medida que mais sedimentos caíram encosta abaixo.
Uma descoberta interessante diz respeito ao motivo de alguns cabos serem rompidos e outros não. Isso pode estar relacionado a diferenças nas taxas de erosão ao longo do caminho do fluxo.
Em algumas áreas, a corrente de turbidez entra profundamente no fundo do mar, enquanto em outras, grandes quantidades de areia e lama são despejadas.
O estudo do Congo é o primeiro a documentar esse efeito de erosão e deposição.
“Esta é uma nova informação para a indústria de cabos e está sendo usada para projetar novas rotas neste e em outros cânions — para evitar as áreas que têm maior probabilidade de sofrer erosão profunda, pois isso deixa o cabo mais vulnerável a danos”, explicou Mike Clare, geocientista marinho do Centro Nacional de Oceanografia do Reino Unido e que assessora o Comitê Internacional de Proteção de Cabos.
A rede global de cabos submarinos tem um papel vital na economia moderna.
Mais de 99% de todo o tráfego de dados entre continentes passa por essas conexões, incluindo transferências diárias de dinheiro no valor de trilhões de dólares.
A pesquisa no cânion do Congo tem ampla participação, incluindo do IFREMER (Institut Français de Recherche pour l’Exploitation de la MER) na França e GEOMAR Helmholtz Center for Ocean Research na Alemanha. O projeto é co-liderado pela Universidade de Durham e pela Angola Cables.
Fonte: BBC