Chuvas devastadoras em MG em 2020 são efeitos das mudanças climáticas

Segundo pesquisa, os maiores prejuízos foram em infraestrutura pública, moradias e comércio/serviços. Do total, 41% podem ser atribuídos às alterações no clima induzidas por humanos

Chuvas devastadoras em MG em 2020 são efeitos das mudanças climáticas (Foto: PBH)

As mudanças climáticas foram a principal causa das chuvas extremas que atingiram municípios de Minas Gerais em janeiro de 2020, resultando em cenários de devastação. A conclusão é de um estudo publicado na revista científica Climate Resilience and Sustainability.

Usando modelagem climática para a região, a pesquisa mostrou que os efeitos da industrialização e do aquecimento global aumentaram em 70% a probabilidade de ocorrer precipitação em volumes muito acima do esperado quando comparado a cenários com temperatura média entre 1°C e 1,1°C mais baixa.

O trabalho também quantificou os danos no estado: mais de 90 mil pessoas ficaram temporariamente desabrigadas e houve pelo menos R$ 1,3 bilhão (US$ 240 milhões) em perdas computadas pelos setores público e privado. Os maiores prejuízos foram em infraestrutura pública (R$ 484 milhões), moradias (R$ 352 milhões) e comércio/serviços (R$ 290 milhões). Do total, 41% podem ser atribuídos às mudanças climáticas induzidas por ação humana.

A publicação do artigo acontece na semana seguinte à divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) que foi enfático: os impactos das alterações do clima, com “inequívoca” influência humana, já estão afetando todas as regiões da Terra, com eventos extremos ocorrendo mais rápido, de modo generalizado e intensificado.

No início de 2020, a região Sudeste do Brasil registrou enchentes e deslizamentos provocados por chuvas intensas, que resultaram em danos de infraestrutura e até mortes. O evento foi decorrente de uma combinação da intensificação da zona de convergência do Atlântico Sul (SACZ) com o surgimento do ciclone subtropical de Kurumí (KSC) também sobre o Atlântico, contribuindo para o aumento da umidade em toda a região.

Em Minas, a capital, Belo Horizonte, teve o janeiro mais chuvoso da história. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o município registrou 935,2 milímetros (mm) de precipitação naquele mês, o que representa quase o triplo da média esperada para o período. Do volume total, 320,9 mm foram acumulados em apenas três dias. À época, pelo menos 56 mortes foram relacionadas com as inundações e os deslizamentos de terra.

Em 2020, Belo Horizonte, teve o janeiro mais chuvoso da história (Foto: Secom)

“Nossa avaliação traz novos insights sobre a necessidade e urgência de ações sobre mudanças climáticas, pois já estão impactando efetivamente a sociedade na região Sudeste do Brasil. (…) Isso exige melhorias imediatas no planejamento estratégico com foco na mitigação e adaptação. A gestão e as políticas públicas devem evoluir a partir do modus operandi de resposta a desastres, a fim de prevenir outros no futuro”, escrevem os pesquisadores no trabalho, que teve apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A pesquisa é parte de um workshop realizado pela Parceria para Serviços de Ciência do Clima (CSSP, na sigla em inglês), organização liderada pela cientista Sarah Sparrow, da Universidade de Oxford (Reino Unido). O projeto é uma colaboração entre instituições do Reino Unido e do Brasil, no qual estão incluídos o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e a Universidade de São Paulo (USP).

Promovido online entre novembro e dezembro de 2020, em parceria com a cientista Liana Anderson, do Cemaden, o workshop tratou do método chamado “atribuição de eventos”, que usa a ciência para avaliar as ocorrências climáticas e atribuir causas a elas.

Dois grupos de pesquisadores trabalharam paralelamente na análise das chuvas extremas em Minas Gerais – um se concentrou na avaliação da influência das mudanças climáticas nas chuvas, enquanto o outro quantificou os impactos na população. Por fim, os trabalhos foram integrados no artigo publicado.

“A colaboração intensa com pesquisadores de áreas interdisciplinares permitiu que fosse realizado um trabalho de alto nível em poucos meses com resultados consistentes”, destaca Ricardo Dal’Agnol, pesquisador na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe e primeiro autor do artigo.

Modelagem

O modelo climático utilizado para atribuição foi o Hadley Center Global Environmental Model versão 3-A (HadGEM3-A), com simulações de eventos extremos de tempo e clima. Dois experimentos foram conduzidos para traçar cenários: um utilizou apenas forças externas, como a variabilidade na irradiância solar e atividades vulcânicas naturais, fixadas em níveis de 1850 (era pré-industrial); e o segundo considerou, além das causas naturais, também a ação humana (antropogênica) com dados atuais.

Segundo o último relatório do IPCC, a temperatura média do planeta atualmente é 1,1°C maior que a observada no período 1850-1900. Essa fase pré-industrial é usada como base para representar a temperatura antes da interferência humana, que elevou as emissões de gases de efeito estufa, como o CO2 e o metano.

Para avaliar a precipitação, os pesquisadores usaram o Clima Hazards Group InfraRed Precipitation with Station Data (CHIRPS), um banco de dados que incorpora imagens de satélite a informações de estações locais para criar séries temporais de chuva para análise de tendência e de monitoramento.

Já as informações sobre desastres, incluindo dados por município, tipo, causa e danos, foram extraídas do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD). Nesse sistema, membros da Defesa Civil ou de órgão governamental local preenchem formulário específico com as ocorrências dos desastres até dez dias após o registro. “Destacamos a importância de ter sistemas integrados de informação de desastres, como o S2iD brasileiro, que veicula informações valiosas e oportunas permitindo quantificar os impactos de eventos extremos”, destacam os autores.

A área do estudo ficou focada no sudeste de Minas, subdividida em 12 mesorregiões, com 194 municípios. O estado conta com 853 cidades no total. “As mesorregiões mais afetadas foram a metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Rio Doce e Zona da Mata. Juntas, foram responsáveis por 91% das perdas econômicas públicas e 93% das privadas, além de concentrar 91% da população deslocada. Também apresentaram os números mais preocupantes em relação às vulnerabilidades a desastres de moradores e moradias em áreas de risco”, conclui o estudo.

Em MG, as mesorregiões mais afetadas pelas chuvas em janeiro de 2020 foram a metropolitana de Belo Horizonte, Vale do Rio Doce e Zona da Mata (Foto: Secom)

Os cientistas destacam ainda que, embora as chuvas tenham sido extremas com influência das mudanças climáticas, a falta de planejamento de gestão de risco urbano, sem estratégias de mitigação e com investimento deficitário em infraestrutura, pode ser chave e ampliar os impactos para os moradores.

“O evento provavelmente afetou de forma desproporcional a população mais pobre da região, que vive em situações de alto risco, como em áreas com topografia íngreme e más condições de habitação. Portanto, interpretamos os impactos desse evento como um desastre climático construído socialmente.”

Por isso, sugerem que estudos futuros venham a investigar os efeitos de eventos climáticos extremos sobre populações pobres e vulneráveis. “Pesquisas futuras também podem abordar as interações cada vez mais complicadas de aspectos humanos, econômicos e políticos dentro dos sistemas ecológicos.”

Segundo Dal’Agnol, a modelagem criada para analisar o caso de Minas pode ser aplicada para outras regiões. “Utilizamos cenários do modelo, dados da chuva observados por satélites e identificamos as probabilidades. Seguindo a metodologia é possível fazer para outros eventos. Quando pesquisamos, localizamos poucos estudos de extremos climáticos no Brasil. Precisamos de mais estudos como esse para identificar as regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas no país, mostrar isso para os governantes e, assim, termos políticas públicas para prevenção de futuros desastres”, explica.

Fonte: Galileu