Fumaça de incêndios florestais afeta nuvens e diminui chances de chuva

Novo estudo conclui que a fumaça pode estar reduzindo a capacidade das nuvens de precipitação e, em consequência, de aliviar a estiagem.

Helicóptero de combate a incêndios sobrevoa nuvens de fumaça durante o incêndio Dixie em 18 de agosto de 2021, perto de Coppervale, no norte da Califórnia. Em 22 de agosto, o incêndio florestal havia queimado quase 300 mil hectares e destruído mais de 1,2 mil estruturas e continuava se alastrando.
FOTO DE PATRICK T. FALLON, AFP/GETTY

Durante o meio do ano de 2018, a pior temporada de incêndios florestais já registrada no oeste dos Estados Unidos, nuvens espessas de fumaça foram observadas no céu. Cynthia Twohy, cientista atmosférica, e seus colegas passaram semanas a bordo de um C-130, avião gigantesco de pesquisa, atravessando a fumaça, tão densa que a iluminação noturna no interior do avião teve de ser acesa algumas vezes.

“Não era nem sequer possível enxergar as nuvens fora do avião devido à tamanha espessura das partículas de fumaça”, conta Twohy, que trabalha para a NorthWest Research Associates, organização de pesquisa de propriedade de cientistas. Toda aquela fumaça, pensou ela, deveria produzir um impacto nas nuvens formadas acima da superfície queimada no oeste dos Estados Unidos.

E de fato produz, segundo um estudo recentemente publicado por ela e seus colegas na revista acadêmica Geophysical Research Letters: partículas de fumaça tornam algumas nuvens mais densas e mais comprimidas com pequenas gotículas — uma combinação que significa que a água existente nelas está menos propensa a cair na forma de chuva.

A equipe não associou diretamente as mudanças nas nuvens com a atual estiagem no oeste dos Estados Unidos. Mas há receio de que, no oeste extremamente árido e cada vez mais sujeito a incêndios, um círculo vicioso como esse poderia agravar a seca e, com isso, os ciclos de incêndios.

Por ora, o que está bastante evidente, segundo Twohy, é que “o estado atual dessas nuvens se deve às partículas de fumaça” — e esse estado reduz a probabilidade de produzirem chuva.

Mais partículas, menos chuva

As nuvens se formam quando o vapor d’água na atmosfera se condensa em gotículas ao redor de pequenas partículas que flutuam no ar.

Mas há um limite de água na atmosfera, sobretudo durante o verão no árido oeste dos Estados Unidos. Se houver apenas poucas partículas viscosas para essa pequena quantidade de água aderir, a água acabará se depositando apenas nessas poucas partículas, formando gotículas grandes. Contudo, se houver muitas partículas pequenas disponíveis, a água poderá se dispersar, formando um caleidoscópio cintilante de gotículas pequenas.

Em uma nuvem de fumaça, não há escassez de partículas. Um incêndio destrói tudo à sua frente e pode lançar detritos para o alto na atmosfera: fragmentos escuros e carbonizados de matéria orgânica; partículas viscosas de fuligem, cinzas marrons e muito mais. As partículas escuras muitas vezes se aderem em pequenos aglomerados de cerca de 100 nanômetros de diâmetro (aproximadamente do tamanho de um grão de amido de milho fino): o tamanho ideal para formar gotículas de nuvem.

Em 2018, Twohy e seus colegas coletaram gotículas de nuvem diretamente do ar pelo lado de fora do avião. Como previsto, dentro das nuvens de fumaça, foram encontradas gotículas que eram cerca de cinco vezes mais numerosas e com quase metade do tamanho das nuvens sem fumaça.

Isoladamente, essas informações não são surpreendentes, embora os cientistas não tenham coletado gotículas no interior de uma nuvem transformada por fumaça. Mas seus efeitos podem ter repercussões negativas, pois nuvens compostas por gotículas menores são menos propensas a provocar precipitação: as gotículas simplesmente não são pesadas o suficiente para cair no solo e, em vez disso, permanecem suspensas no ar.

“Quando as gotículas da nuvem são pequenas demais, algumas vezes pode não chover”, conta Jonathan Jiang, cientista atmosférico do Laboratório de Propulsão a Jato, na Califórnia.

A fumaça suprime a chuva

Os cientistas encontraram evidências desses efeitos em outros locais, mas não por meio da coleta de gotículas de nuvem diretamente do ar e nem acima de terras assoladas pela estiagem como no oeste dos Estados Unidos. Incêndios na Amazônia, no sul da África e na Indonésia, por exemplo, lançaram enormes colunas de fumaça na atmosfera, e as partículas finas nesses locais apresentaram o mesmo comportamento observado no oeste dos Estados Unidos: formam nuvens densas com gotículas pequenas e pouca água aprisionada.

Os incêndios também afetam a própria atmosfera. Partículas de fumaça são escuras, por isso, absorvem a luz solar e aquecem a si mesmas e o ar ao seu redor. Ao mesmo tempo, as nuvens mais densas que ajudam a formar são brilhantes e, por isso, refletem muita luz solar, o que impede o sol de aquecer o solo.

O resultado é que a fumaça reduz o gradiente de temperatura entre o solo quente e o ar frio no alto. Mas esse gradiente de temperatura é o que impulsiona as correntes ascendentes de convecção do ar que formam as nuvens de tempestade.

Os cientistas estimam que esses efeitos combinados — a supressão da convecção e as gotículas pequenas demais para chover — reduzem a precipitação em regiões repletas de fumaça na África Central durante a temporada de incêndios, possivelmente desencadeando um círculo vicioso que provoca ainda mais incêndios. O mesmo fenômeno foi observado em Madagascar, que apresentou uma redução de cerca de 20% na precipitação nas últimas décadas, em parte devido aos incêndios causados pela ação humana, afirma Jiang.

Em alguns casos, a fumaça pode ter o efeito oposto e intensificar a precipitação. Em regiões úmidas da Amazônia, um conjunto complexo de fatores físicos atmosféricos faz com que a fumaça reduza as nuvens mais baixas, mas aumenta a formação de nuvens de tempestade na alta atmosfera.

Mas, de modo geral, os modelos climáticos sugerem que uma redução na precipitação induzida pela fumaça provavelmente ocorra em grande parte do planeta. O que é preocupante, segundo Jiang, é como todos os elementos das mudanças climáticas podem agravar a situação.

“Devido ao calor adicional provocado pelo aquecimento global, incêndios florestais estão mais frequentes. E por estarem mais frequentes, há mais aridez, o que resulta em menos precipitação”, explica.

Assim, a fumaça pode acabar agravando a estiagem e consequentemente se perpetuando.

Círculo vicioso “muito assustador”

Embora Twohy e seus colegas não tenham associado diretamente a fumaça adicional na atmosfera a alterações na precipitação no oeste dos Estados Unidos, os cientistas já constaram que, na região, há menos chuva do que em temporadas anteriores de incêndios. Um estudo conduzido em 2018 concluiu que o número de dias de chuva durante o verão vem reduzindo 4% por década desde 1979, o que causou um aumento da vegetação seca altamente inflamável.

Aliás, houve um grande aumento nos incêndios florestais e na fumaça no oeste nas últimas duas décadas. Em 2018, o material queimado lançado na atmosfera foi quase o dobro da média do século 20; em 2020, foi quase o triplo.

Embora haja pouca precipitação durante o verão em grande parte do oeste dos Estados Unidos até mesmo nos anos mais úmidos, essa chuva é bastante importante. “Muitas vezes, a extensão de um incêndio depende do momento em que chove para apagar o fogo”, afirma Charles Luce, pesquisador do Serviço Florestal da Estação de Pesquisa das Montanhas Rochosas em Boise, no estado de Idaho.

O que a nova pesquisa sugere é que a fumaça pode tanto ajudar a suprimir as chuvas que apagam os incêndios como impedir que o fogo comece. Ninguém ainda conhece os possíveis impactos desse efeito no oeste dos Estados Unidos — ou no mundo.

Mas, para o oeste, preso a um ciclo de estiagem que já dura duas décadas e equiparável a qualquer outra grande estiagem nos últimos dois mil anos, e enfrenta mais um ano de enormes incêndios florestais e fumaça sufocante, a perspectiva de outro círculo vicioso intensificador é “muito assustadora”, afirma Jiang.

Fonte: National Geographic Brasil