O urso-prado Kern recebeu a vacina contra a covid-19 no dia 21 de julho. Depois, ele comeu chantili direto da embalagem.
Junto com as vacinas, os tigres ganharam sua carne favorita — filé mignon — em espetinhos no estilo kebab, e um jato de leite de cabra na boca. Cada siamango — gibões grandes e de pelo escuro — ganhou um marshmallow grande. Para os babuínos: balas de goma com sabor de frutas e um ovo cozido descascado.
No Zoológico de Oakland, na Califórnia, 48 animais — incluindo hienas, chimpanzés e onças-pardas — receberam pelo menos a primeira dose de uma vacina experimental contra a covid-19 desenvolvida exclusivamente para animais. Metade deles já está completamente imunizada.
O Zoológico de Oakland é um dos vários zoológicos, instituições de pesquisa e santuários que solicitaram as vacinas à Zoetis, empresa farmacêutica veterinária. Os pedidos foram feitos após a notícia de que grandes símios do Zoológico de San Diego foram os primeiros animais do país a receberem a vacina, em fevereiro, conforme relatado em primeira mão pela National Geographic.
“A notícia despertou o interesse de muitos outros zoológicos, o que nos levou a planejar grandes doações”, conta Mahesh Kumar, vice-presidente sênior de medicamentos biológicos globais da Zoetis, a desenvolvedora da vacina.
O plano é doar aproximadamente 11 mil doses da vacina animal para mais de 80 instituições em 27 estados. É um desenrolar promissor para os animais que vivem em zoológicos e que, devido à proximidade com os humanos, têm um risco mais alto de contrair a doença.
Mas ainda há muitas questões. A vacina será eficaz? Ela protegerá os animais da variante Delta? A campanha de vacinação será afetada pelas objeções levantadas pelos integrantes do movimento antivacina? Animais domésticos precisarão ser vacinados? Cientistas e instituições que estão no centro da campanha de vacinação esperam obter respostas nos próximos meses.
Por que vacinar animais que vivem em zoológicos?
Animais que vivem em zoológicos têm contraído o vírus desde o início da pandemia. Primeiro foram tigres e leões no Zoológico do Bronx, em abril de 2020; depois, um grupo de gorilas no Safári Park do Zoológico de San Diego. Em junho de 2021, dois leões morreram em um zoológico na Índia, após apresentarem resultado positivo para a covid-19.
“Temos muitos animais diferentes para cuidar, desde pequenos sapos-ponta-de-flecha venenosos até elefantes”, comenta Alex Herman, vice-presidente de serviços veterinários do Zoológico de Oakland.
Embora não tenham sido detectados sintomas de covid-19 nos animais do Zoológico de Oakland, “sabíamos que eles corriam risco”, Herman continua. A equipe dela está completamente imunizada, mas “nós não sabemos a gravidade da variante Delta” ou o risco de transmissão para os animais, ela afirma.
“Esse vírus teve origem em animais e espalhou-se entre as pessoas, e sabemos que ele pode atingir os animais novamente”, complementa Nadine Lamberski, diretora de conservação e saúde de animais selvagens da Wildlife Alliance, empresa que opera o Zoológico de San Diego. Além de manter os animais do Zoológico de San Diego seguros, “queríamos fazer o máximo possível para interromper o ciclo de transmissão e evitar a persistência do vírus”.
Desenvolvimento de uma vacina experimental para zoológicos
Após um cachorro em Hong Kong apresentar resultado positivo para o vírus em fevereiro de 2020 — o primeiro caso registrado em um animal domesticado — a Zoetis passou a desenvolver uma vacina contra a covid-19 para cães e gatos. Por volta de outubro de 2020, a empresa farmacêutica acreditava que ela era segura e eficaz para as duas espécies.
Kumar explica que a vacina experimental funciona de forma similar à Novavax, vacina desenvolvida para humanos e que está em fase de testes de eficácia em larga escala. Em vez de utilizar RNAm (como as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna), um vetor viral (como a vacina da Johnson & Johnson), ou um vírus vivo, ela utiliza proteínas de espícula sintéticas para ativar os mesmos anticorpos que o vírus vivo ativaria.
As vacinas estão sendo distribuídas para os zoológicos em caráter experimental. Kumar comenta que o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) não tem planos de conceder aprovação comercial para nenhuma vacina para animais, com exceção de uma vacina para visons de fazendas de peles, onde aconteceram surtos mais disseminados. (Pelo menos 12 mil visons morreram devido à covid-19 em fazendas de peles nos Estados Unidos e acredita-se que, em alguns casos, eles transmitiram o vírus para humanos.)
Antes de cada entrega, a Zoetis precisa receber aprovação do USDA e do veterinário responsável do estado onde o zoológico está localizado. “É muito trabalhoso”, comenta Kumar, que supervisiona 80 acordos com zoológicos e 80 pedidos individuais para o USDA e veterinários estaduais. Até o momento, a Zoetis concluiu o processo para 15 zoológicos e enviou aproximadamente duas mil doses.
A empresa recebeu muitos pedidos de zoológicos e instituições no exterior, mas a logística necessária para se adaptar às regulamentações de países diferentes representa um desafio, explica Kumar. Por enquanto, o foco são os zoológicos norte-americanos.
Escolha de quais animais serão vacinados
Um ano e meio após o início da pandemia, cientistas ainda sabem pouco sobre os efeitos do vírus em animais. Alguns estudos identificaram espécies mais suscetíveis. Em muitos casos, a comunidade veterinária depende de conjuntos de dados limitados, aprendendo o que for possível a partir de casos clínicos individuais e surtos esporádicos em algumas espécies.
Os Zoológicos de Oakland e San Diego solicitaram vacinas para todos os primatas e carnívoros — um grupo de animais que inclui grandes felinos, ursos, hienas, furões e visons, entre outros. Sabe-se que esses animais são suscetíveis ao vírus, mas com exceção das mortes de dois leões na Índia, a maioria dos grandes felinos e primatas apresentaram apenas sintomas respiratórios leves e se recuperaram por completo.
No Zoológico e no Safari Park de San Diego, 266 animais receberam pelo menos uma dose da vacina. De acordo com Lamberski e Herman, nenhum animal, incluindo os animais do Zoológico de Oakland, apresentou efeitos colaterais.
Movimento antivacina no mundo animal
O Zoológico de Oakland recebeu reações negativas de integrantes do movimento antivacina — nas redes sociais, por telefone e e-mail — imediatamente após divulgar a intenção de vacinar alguns animais. Membros do movimento antivacina que também são influenciadores do Instagram, com dezenas de milhares de seguidores, contribuíram para amplificar a reação.
“Foi um ataque violento”, conta Erin Harrison, vice-presidente de marketing e comunicações do Zoológico de Oakland. “Disseram que estávamos envenenando, matando nossos animais.”
Muitas das mensagens, repletas de desinformações, consideravam que, como a vacina é legalmente definida como experimental, era uma indicação de que os zoológicos estavam conduzindo experimentos nos animais. “Metade delas dizia que nos denunciariam à PETA”, lembra Harrison.
A PETA, por sua vez, emitiu um comunicado apoiando o Zoológico de Oakland, mencionando que “as vacinas passaram por testes clínicos e foram administradas em animais após análise profunda de profissionais da área veterinária. Uma vez que um número crescente de grandes felinos, símios e lontras que vivem em zoológicos estão contraindo o Sars-Cov-2 — vírus que causa a covid-19 — de humanos assintomáticos, evidências indicam claramente que os benefícios da vacinação em espécies suscetíveis superam os riscos catastróficos de infecção em animais não vacinados”.
Os Zoológicos de San Diego e Oakland querem testar o nível de anticorpos dos animais vacinados e compartilhar os resultados com a comunidade zoológica para formar um banco de dados que possa ajudar a determinar a eficácia da vacina em várias espécies.
Por que animais de zoológico estão sendo vacinados, e seu animal de estimação não será
Embora tenham sido relatados resultados positivos para covid-19 em cães e gatos em todo o mundo, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças e a Associação Veterinária Mundial de Pequenos Animais (WSAVA, na sigla em inglês) não recomendam a vacinação em animais de estimação devido aos sintomas clínicos relativamente leves e falta de evidência de que tais animais possam transmitir o vírus aos humanos.
“Nossa opinião ainda é que não há necessidade dos tutores vacinarem seus animais de estimação contra o Sars-Cov-2 nesse momento”, a WSAVA afirmou em um relatório publicado no dia 29 de abril. (Michael Lappin, presidente do Comitê da Saúde da WSAVA, confirmou que a opinião da associação continua inalterada.)
Com a presença de visitantes dos zoológicos e cuidadores, as chances de um animal que vive em zoológico ser exposto ao vírus é maior, explica Kumar, funcionário da Zoetis. Quando comparados aos leões e tigres, “eu não diria que gatos domésticos são menos suscetíveis — mas eles estão muito menos expostos a pessoas diferentes”.
Qualquer solicitação de vacina para um cão ou gato teria que passar pelo mesmo processo de requisição de vacinas para animais que vivem em zoológicos, necessitando de aprovação individual do USDA e do veterinário estadual. “Imagina se recebêssemos 100 mil solicitações para cães e gatos. Não é uma maneira prática de fornecer as vacinas”, analisa Kumar.
As vacinas para cães e gatos dependeria da solicitação e autorização do governo para uso comercial, ele complementa. Atualmente, o USDA está aceitando solicitações de vacinas contra a covid-19 apenas para visons e, enquanto essa situação não mudar, a vacina da Zoetis será disponibilizada para outras espécies somente em caráter experimental, e com avaliação caso a caso.
“A melhor maneira de prevenir a covid-19 em cães e gatos é evitar que as pessoas que convivem com eles sejam infectadas”, afirma Lappin. Ou seja, “tome a vacina”, é o que Kumar diz para os donos de animais.
Fonte: National Geographic Brasil