A taxa de homicídios de indígenas cresceu 22% no Brasil em uma década, saltando de 15 mortes por 100 mil habitantes em 2009 para 18,3 em 2019 – enquanto a taxa de assassinatos da população como um todo caiu 20%, de 27,2 por 100 mil habitantes em 2009 para 21,7 em 2019. O dado inédito consta no Atlas da Violência 2021, publicado nesta terça-feira (31/08).
Ao todo, o Brasil registrou 2.074 homicídios de indígenas entre 2009 e 2019, o que significa que um indígena foi assassinado a cada dois dias no país ao longo desses 11 anos.
Em 2019, último ano analisado pelo relatório, foram computadas 186 mortes. Os estados que registraram mais homicídios de indígenas em números absolutos naquele ano foram o Amazonas (49), Roraima (41) e Mato Grosso do Sul (39).
Também em 2019, a taxa de homicídios de indígenas relativa à população chegou a superar o índice de assassinatos em geral em cinco estados: Santa Catarina, Rio Grande do Norte, Roraima, Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Neste último, enquanto a taxa de mortes violentas foi de 17,7 por 100 mil habitantes, a taxa de homicídio de indígenas foi de 44,8.
É a primeira vez que o Atlas da Violência inclui dados sobre violência letal contra indígenas. A pesquisa anual usa dados do Ministério da Saúde, especialmente do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), e foi elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN).
O relatório deste ano observa que houve “recentes mudanças nas orientações da política indigenista brasileira”, sobretudo a partir de 2019, sob o governo do presidente Jair Bolsonaro, o que vem impactando a segurança dos povos indígenas.
“[Terras Indígenas] se veem pressionadas progressivamente por crimes como invasões, grilagens e desmatamentos ilegais, aumentando as tensões, os conflitos e, previsivelmente, os números de homicídios”, afirma o texto.
No início deste mês, Bolsonaro foi alvo de uma denúncia protocolada no Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e genocídio contra os povos indígenas. O pedido de investigação foi apresentado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e reúne uma série de discursos, decisões e omissões registradas desde 1º de janeiro de 2019, início do mandato de Bolsonaro, que comprovariam a intenção de extermínio dos povos originários.
Enquanto isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve retomar nesta semana o julgamento da tese do marco temporal, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação de terras que já estavam ocupadas por eles na data da promulgação da Constituição de 1988. A Apib considera o julgamento na Corte “o mais importante do século” para os povos indígenas.
Quase 17 mil mortes violentas sem causa conhecida
Ao todo, entre 2009 e 2019 o Brasil contabilizou 623.439 vítimas de homicídio. Destas, 333.330, ou 53% do total, eram adolescentes e jovens. Somente em 2019, foram 45.503 homicídios.
O Atlas da Violência destaca, porém, que esse número pode ser ainda maior, devido ao grande número de mortes violentas por causa indeterminada. Tais mortes podem ter sido causadas por assassinatos e agressões, mas também por acidentes ou suicídios, portanto são registradas oficialmente como indefinidas.
Segundo a pesquisa, houve um aumento de 35% no número de mortes violentas por causa indeterminada entre 2018 e 2019, saltando de 12.310 para 16.648 – o que pode se refletir em uma subnotificação dos homicídios registrados no país no período.
O total de 45.503 homicídios em 2019 é, inclusive, o menor registrado no Brasil desde o início da série histórica, em 1995. Em comparação com os números de 2018, quando foram registrados 57.956 homicídios, houve uma queda de 21%.
Segundo os pesquisadores, acredita-se que, em média, 73% dos casos de mortes indeterminadas referem-se a homicídios, o que por si só já elevaria o número de mortes no país em 2019.
Negro tem 2,6 vezes mais chance de ser assassinado
O número de negros assassinados também cresceu na última década, enquanto caiu o número de homicídios de não negros, segundo divulgou o Atlas da Violência.
Em números absolutos, houve um aumento de 1,6% dos homicídios de negros entre 2009 e 2019, passando de 33.929 vítimas para 34.446. Enquanto isso, entre não negros houve redução de 33% no número de vítimas, passando de 15.249 mortos em 2009 para 10.217 em 2019.
Em 2019, os negros representaram 77% das vítimas de homicídios no país, com uma taxa de 29,2 por 100 mil habitantes. Entre os não negros, a taxa foi de 11,2 para cada 100 mil, o que significa que o risco de um negro ser assassinado é 2,6 vezes superior ao de uma pessoa não negra.
Crescem as mortes de mulheres em casa
Em relação aos homicídios femininos, o Atlas da Violência informou que 50.056 mulheres foram assassinadas entre 2009 e 2019. Nesse período, o número de mulheres negras mortas cresceu 2%, enquanto o homicídio de mulheres não negras caiu 26,9%.
O relatório também aponta uma mudança na distribuição dos homicídios femininos: enquanto a taxa de homicídios de mulheres dentro das residências cresceu 6,1%, a taxa de mulheres mortas fora das residências caiu 28,1%.
Segundo a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, o local do homicídio é importante para se compreender as dinâmicas de violência.
“Assassinatos de mulheres dentro de casa estão associados à violência doméstica. Os homicídios de mulheres fora de suas residências, por outro lado, em geral, estão associados a dinâmicas de violência urbana. O crescimento dos homicídios de mulheres dentro do próprio lar nos últimos 11 anos indica o recrudescimento da violência doméstica no período”, afirma Bueno.
Mortes por armas de fogo
Entre 2009 e 2019, 439.160 pessoas foram assassinadas por arma de fogo, o que corresponde a 70% de todos os homicídios do período, afirmou o Atlas da Violência. O número significa que 109 pessoas foram assassinadas a tiros por dia no país ao longo da última década.
Em 2019, o Brasil registrou 14,7 assassinatos por armas de fogo por 100 mil habitantes, com 16 estados registrando taxas acima da média nacional. A maior taxa foi registrada no Rio Grande do Norte (33,7 homicídios por 100 mil habitantes), seguido de Sergipe (33,5), Bahia (30,9), Pernambuco (28,4) e Pará (27,2).
O relatório destaca que os desdobramentos da política armamentista promovida pelo governo Bolsonaro “produzem riscos de elevar os números de homicídios a médio e longo prazos”.
“À luz das evidências científicas, essa política deve ser reavaliada o quanto antes, não apenas para que assim sejam reduzidos os danos trazidos na atualidade a toda a sociedade, bem como os riscos futuros contra a vida e a segurança dos brasileiros”, afirma o documento.
Violência contra pessoas com deficiência
Além dos dados sobre indígenas, outro levantamento inédito do Atlas da Violência 2021 envolve pessoas com deficiência. Em 2019, foram registrados no país 7.613 casos de violência contra pessoas com deficiência – seja física, intelectual, visual ou auditiva.
Segundo a pesquisa, foram encontradas taxas elevadas de notificações de violências contra pessoas com deficiência intelectual (36,2 notificações para cada 10 mil pessoas), sobretudo mulheres, quando comparadas à população com outros tipos de deficiência.
Quanto à faixa etária, a maior concentração de notificações é contra pessoas de 10 a 19 anos. Os autores do estudo destacam que há mais casos notificados de violência contra mulheres do que contra homens em todas as faixas etárias, exceto entre 0 e 9 anos (293 contra 332).
Em 2019, a violência doméstica representou mais de 58% das notificações de violência contra pessoas com deficiência – e ela também atinge mais as mulheres (61%).
Fonte: Deutsche Welle