Após atingir o estado americano da Louisiana no domingo, 29 de setembro, como uma tempestade de categoria quatro, o furacão Ida avançou pelo Alabama e Tennessee em direção à costa leste dos Estados Unidos, gerando um clima ainda mais severo na forma de chuvas e ventos geradores de tornados.
Em seu rastro, o Ida deixou milhões de moradores sem energia em Nova Orleans e nos seus arredores — talvez por semanas. Os estragos no estado foram resultado de rajadas de vento que alcançaram quase 300 quilômetros por hora, enchentes de mais de dois metros e chuvas torrenciais.
A tempestade se intensificou em questão de horas, evoluindo de praticamente uma brisa a uma tempestade avassaladora, alimentada por bolsões de águas extremamente quentes no Golfo do México, cuja temperatura atualmente está em cerca de 30 graus Celsius, ou seja, vários graus acima da média.
“Há tanta energia armazenada que, assim que um furacão se forma, ele é alimentado com mais energia e se torna um monstro”, afirma Barry Keim, climatologista do estado da Louisiana.
Especialistas afirmam que o furacão Ida é um exemplo de como poderão ser as tempestades em um planeta em aquecimento. Ele atingiu a Costa do Golfo logo após a publicação de um importante relatório da Organização das Nações Unidas que encontrou fortes indícios de que as mudanças climáticas deixarão os furacões mais lentos, com mais precipitação e com mais capacidade de apresentar uma expansão explosiva.
“O Ida é mais um exemplo do aumento na intensidade dos furacões”, observa Jill Trepanier, especialista em climas extremos da Universidade Estadual da Louisiana.
À exceção do furacão Laura no ano passado e uma tempestade sem nome em 1856, nenhuma tempestade com ventos tão fortes havia atingido o estado. Os estragos e prejuízos econômicos causados pela tempestade podem chegar a US$ 80 bilhões, segundo as primeiras estimativas da AccuWeather, empresa de previsões meteorológicas.
Tempestades mais potentes por vir?
Para determinar a influência exata das mudanças climáticas sobre o furacão Ida, os cientistas terão que realizar os chamados estudos de atribuição. Nesses estudos, modelos de computador reexecutam as previsões sob as condições atmosféricas e oceânicas que existiriam com e sem emissões de gases de efeito estufa. Esses estudos comprovaram que as mudanças climáticas contribuíram substancialmente para a intensidade da recente onda de calor no noroeste do Pacífico, o furacão Harvey em 2017 e o furacão Florence em 2018. Mas podem levar meses para ser concluídos.
Na ausência desses estudos mais precisos, os cientistas reconhecem várias associações entre as mudanças climáticas e o furacão Ida, apontando para certas características compatíveis com o ar e os oceanos mais quentes.
Um dos aspectos mais impressionantes do Ida foi a velocidade com que passou de um ponto no radar a um grande furacão.
“Há poucos dias, ele nem sequer existia”, afirma Daniel Horton, especialista em climas extremos da Universidade Northwestern. Três dias antes de se tornar uma tempestade, “ao olhar o mapa, não havia nenhum sinal de furacão no Golfo”.
Esse tipo de crescimento acelerado é denominado pelos meteorologistas como intensificação rápida — definida como um aumento de cerca de 56 quilômetros por hora em menos de 24 horas. O Ida, entretanto, ultrapassou em muito esse parâmetro, com um aumento de cerca de 104 quilômetros por hora na metade desse intervalo.
O Ida surgiu de uma depressão tropical no sul do Caribe, um local comum de início de tempestades durante o pico da temporada de furacões. Na tarde de sábado, era um furacão de categoria um, com ventos de cerca de 165 quilômetros por hora. Mas então passou por Cuba e encontrou a chamada Corrente de Loop, uma corrente oceânica de águas quentes no Caribe que circula pelo Golfo do México.
“Essa água excepcionalmente quente basicamente criou uma supervia de águas quentes para essa tempestade. Ela impulsionou a energia da tempestade e permitiu que alcançasse a categoria quatro”, explica Keim.
Um estudo publicado em 2019 no periódico Nature Communications encontrou evidências preliminares de que as mudanças climáticas provavelmente deixaram a intensificação rápida mais comum. Nos últimos anos, alguns dos furacões mais devastadores foram resultado da intensificação rápida: o furacão Laura, em 2020, o furacão Michael, em 2018, e o furacão Harvey em 2017. E embora seja normal o oceano passar por períodos de aquecimento natural que podem impulsionar furacões, o estudo verificou um aumento na intensificação rápida além das flutuações naturais, afirma Kieran Bhatia, autor principal do estudo.
Ao contrário dos registros de precipitação ou estiagem, os registros de tempestades com intensificação rápida remontam apenas a cerca de 40 anos, observa Bhatia. Mas os cientistas correm para tentar entender o fenômeno e os efeitos das mudanças climáticas sobre ele.
“A intensificação rápida é um fenômeno que transforma uma tempestade de um desastre natural previsível, que pode ser detectado com cinco ou seis dias de antecedência, em algo imprevisível”, prossegue ele.
Diante de uma tempestade tão repentina, o estado da Louisiana teve dificuldades para se preparar. Nova Orleans não teve tempo de implementar uma evacuação obrigatória. Embora os meteorologistas sejam especialistas em prever os locais e ocasiões em que ocorrerão tempestades, prever sua intensidade é mais complexo e a intensificação rápida dificulta ainda mais essa previsão.
No futuro, os cientistas acreditam que não será mais possível prever furacões, embora se espere que sejam mais intensos. Ao longo do século 20, as temperaturas dos oceanos aumentaram incessantemente, não apenas na superfície, mas também em grandes profundidades. Furacões que poderiam ter sido contidos por águas oceânicas mais frias abaixo da superfície agora podem acessar um vasto suprimento de água quente, que serve para impulsioná-los.
“Os furacões que forem detectados provavelmente serão os mais intensos, o que significa que deve haver mais tempestades nas principais classes de furacões: as categorias três, quatro ou cinco”, conta Keim.
Tempestades lentas e com mais precipitação
Embora o futuro exato da intensificação rápida permaneça sob estudo, os cientistas podem afirmar com segurança que as elevações nas temperaturas deixarão os furacões mais lentos e com mais precipitação: para cada grau Celsius de aquecimento, a atmosfera poderá conter mais 7% de umidade — e, portanto, mais chuva — e, como os polos estão aquecendo mais rápido do que os trópicos, acredita-se que haja um enfraquecimento nos ventos que movimentam os furacões.
Quando o furacão Ida tocou o solo, seu avanço reduziu para cerca de 16 quilômetros por hora: não foi a tempestade com o avanço mais lento dos últimos anos, mas foi o suficiente para expor Nova Orleans a quase 40 centímetros de chuva e ventos fortes por mais tempo. Para efeito de comparação, no ano passado, o furacão Laura deslocou-se sobre o sudeste da Louisiana a 32 quilômetros por hora.
Além disso, a topografia da Louisiana desempenhou um papel importante na movimentação lenta do Ida. As tempestades dependem da água quente do oceano para se intensificarem e, quando o furacão atingiu o porto de Fourchon, os pântanos e brejos continuaram a lhe proporcionar energia e a manter sua intensidade intacta. Esses mesmos pântanos, entretanto, também ajudam a limitar um dos impactos mais letais dos furacões: “paredes” de água que sobem do mar. Havia uma previsão de que o furacão Ida produziria uma enchente de quase cinco metros, mas os primeiros relatos indicam que alcançou metade dessa altura. Meteorologistas propositalmente emitem alertas sobre os piores cenários para incentivar moradores dos locais de risco a evacuar.
Embora, em terra, o furacão Ida tenha avançado a um ritmo mais lento do que a média dos animais mais velozes, ele despejou chuva suficiente para provocar transbordamentos em diques na Paróquia de Plaquemines e enchentes em planícies ao sul de Nova Orleans. Parte dessas enchentes foi causada pelo fenômeno denominado maré de tempestade, que foi alto o suficiente para inundar cidades costeiras. E como os pântanos da Louisiana estão sendo eliminados à velocidade de um campo de futebol por hora, haverá cada vez menos proteção contra as enchentes provenientes das águas do oceano.
Conforme as mudanças climáticas tornarem as tempestades mais extremas, as comunidades costeiras terão que se adaptar a um clima mais perigoso.
“A conclusão é que atualmente se contam com planos, sejam planos de evacuação, infraestrutura ou empreendimentos, que não consideram a nova realidade (com alterações na frequência e intensidade de fenômenos extremos devido às mudanças climáticas), então é preciso atualizá-los”, alerta Horton, da Universidade Northwestern.
Fonte: National Geographic Brasil