Ao longo das estradas do sul de Minas Gerais, o maior centro cafeicultor do país, é fácil avistar manchas marrons entre as plantas enfileiradas. A marca da queimada não vem do fogo, mas da geada, registrada no fim da temporada de colheita e que trouxe impactos devastadores principalmente aos produtores familiares.
No cafezal de Alessandro Miranda, em Nova Resende, os efeitos da baixa temperatura no inverno atingiram metade da plantação antes da retirada dos grãos maduros. “É triste de ver. A geada não matou só os pés de café, matou o sonho de muitas famílias”, diz Miranda, que decidiu abandonar 30% da área danificada pelo evento climático.
Só em Minas Gerais, estima-se que 173 mil hectares tenham sido afetados de alguma forma – o equivalente a 13% da área plantada de café arábica em todo o estado. Produtores em São Paulo e Paraná também sofreram perdas.
“Em alguns lugares, a cafeicultura ficou quase inviabilizada”, afirma Willem de Araujo, gerente regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), citando cidades mineiras como Campos Gerais, Três Pontas, Patrocínio e Alfenas.
A repercussão na safra atual ainda está sendo calculada. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), informou que um novo levantamento será divulgado no fim de setembro. O último boletim, feito em maio, antes da geada, previa um volume de 48 milhões de sacas, 33 milhões do tipo arábica e 15 milhões do tipo conilon, total 22% abaixo da temporada passada.
A maior preocupação, no entanto, é com os frutos que virão. A aguardada chuva, já atrasada no calendário, será um indicativo de quantos pés poderão ser recuperados com podas e quantos foram perdidos em definitivo.
Grande exportador, pequenos produtores
O Brasil é o maior produtor e exportador de café do mundo. A maior parte dos grãos verdes segue para Alemanha e Itália – que processam, torram, moem, empacotam e vendem o produto. Em todo o território brasileiro, 265 mil propriedades rurais se dedicam ao cultivo, segundo o Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Antigamente, há 30 anos, o café era produzido principalmente em grandes propriedades. Mas elas se fragmentaram, e aumentou o número de pequenos produtores. Por isso o impacto social da geada é grande”, pontua Araujo, que dá assistência a 25 municípios no sul e sudoeste de Minas pela Emater.
Na propriedade de Miranda, a colheita ocorreu depois da geada – e custou bem mais. “Os grãos estavam secos, foi mais difícil retirar”, explica.
Ele decidiu não recuperar parte dos pés danificados por considerar que o perigo é muito grande. “É caro e demorado. Se for preciso fazer replantio dos pés, são três anos para poder colher novamente. A gente fica sem renda e correndo risco de novo”, detalha.
Nos vegetais, a geada provoca a morte dos tecidos devido ao congelamento da solução extracelular. Isso ocorre quando a temperatura letal, que sofre variação de acordo com cada espécie, é alcançada. Nos cafeeiros, esse limite está entre -3°C e -4°C.
A Cooxupé, maior cooperativa de café do mundo, localizada em Guaxupé (MG), preferiu não dar entrevista à DW Brasil sobre o tema. Num comunicado aos seus mais de 15 mil associados, dos quais 95% são pequenos produtores, a cooperativa diz trabalhar no levantamento dos impactos e pediu que aqueles que tiveram lavouras atingidas informassem a entidade.
Em Nova Resende, onde Miranda mantém o cultivo e preside a Coopervitae, que reúne 160 produtores certificados pela Fair Trade, a geada deve reduzir a produção em 30%. “Sofremos com a seca em 2020, depois veio a geada. Estamos bem preocupados. A seca já está afetando a gente novamente, já era para ter dado uma chuva”, afirma.
A Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro está em fase final de refinamento dos dados obtidos por meio de imagens de satélite. “São diferentes tipos de danos sofridos pelas plantas. As mais jovens têm mais dificuldades em resistir. As mais adultas podem se recuperar com uma poda adequada, que pode ser esqueletamento, em que o pé fica um ano sem produzir, ou a recepa, que é mais drástica e que volta a produzir depois de dois anos”, comenta Juliano Tarabal, superintendente da entidade.
Apesar de o levantamento ainda não ser conclusivo, o prognóstico é preocupante. “A gente já tem noção de que o dano é grande, a quebra de produção vai ser alta. Tem a questão da seca. As plantas que não foram afetadas pela geada estão sendo afetadas pela seca. Nunca passamos por isso no cerrado mineiro”, afirma.
Impactos das mudanças climáticas
Entre os cafeicultores, as mudanças climáticas fazem parte do debate, e o tema costuma ser tratado com seriedade. “Temos sentido na pele uma exacerbação dos fenômenos climáticos”, comenta Araujo, da Emater.
Segundo o agrônomo, o conhecido ciclo regular das chuvas na região surpreende pela nova irregularidade a cada estação. “A média de temperatura também aumentou. Não fazia tanto calor em determinadas épocas do ano. A frequência de chuva de granizo também subiu, e agora sofremos com uma escassez hídrica”, detalha.
Em consequência, até mesmo propriedades no entorno da represa de Furnas, que sofre com baixo nível do reservatório, estão recorrendo à irrigação. A fila de espera para implantação do sistema chega a seis meses em algumas regiões mineiras por conta da alta demanda. “Nunca imaginamos que chegaríamos a isso aqui no sul de Minas”, adiciona Araujo.
Um estudo recente publicado por pesquisadores brasileiros na Wageningen University, na Holanda, e Universidade Federal de Viçosa mostra que as mudanças climáticas serão um grande obstáculo para boas colheitas.
Segundo a pesquisa, o aumento da temperatura média anual de 1,7 °C nas regiões produtoras conhecidas como Matas de Minas e Montanhas do Espírito Santo levará a uma redução de 60% na área adequada para o cultivo de café até 2050. Esse prejuízo, por outro lado, poderia ser reduzido com a implantação de sistemas agroflorestais, que combinam o cultivo com árvores.
“A adoção de sistemas agroflorestais com 50% de cobertura de sombra pode reduzir as temperaturas médias e manter 75% da área apta para a produção de café em 2050, principalmente entre 600 e 800 metros de altitude”, conclui o estudo, publicado na revista científica Agriculture Ecosystems & Environment.
Entre os associados da Coopervitae, essa técnica tem ganhado espaço. “As mudanças climáticas nos preocupam, e por isso também estamos começando a trabalhar a agricultura orgânica, com um projeto novo de implantar mais árvores”, afirma Miranda.
A decisão de onde aplicar novos recursos vai nessa direção. Um prêmio em dinheiro recebido pela cooperativa pelas vendas fair trade foi aplicado numa usina fotovoltaica. Segundo os cálculos da Coopervitae, a energia solar produzida poupa a emissão de 3,8 milhões de quilos de CO² e equivale a 23 mil árvores plantadas.
Fonte: Deutsche Welle