Juan Vicente Rodríguez ainda não chegou às lágrimas, mas ele garante que no final “todos vão acabar chorando”.
Morador da ilha canária La Palma, Rodríguez observa nas redondezas os rios de lava do vulcão Cumbre Vieja que explodiram no domingo (19/09). Desde aquele dia, a cratera cospe fogo e magma e devasta plantações e casas.
Ainda não se sabe quando isso vai ter fim.
“Para muitos, será um grande show, mas para nós é difícil e desolador. Estamos em choque. Não é fácil assimilar”, disse Rodríguez à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Até o momento, cerca de 6.000 pessoas foram evacuadas e quase 300 casas foram afetadas pelo avanço da lava.
A área mais crítica, por onde passa o magma, fica na parte sudoeste da ilha.
Celia Dianas, que atua no setor de aluguel de imóveis para turistas, conta à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, que uma dezena de amigos e funcionários lhe dizem que “querem chorar” por causa do trauma ou porque perderam um imóvel.
“Os prejuízos ultrapassam os 400 milhões de euros (quase R$ 2,5 bilhões)”, disse nesta terça-feira (21/9) o chefe do governo das Canárias, Ángel Víctor Torres Pérez. Segundo ele, a União Europeia destinará um fundo de recuperação para a região atingida.
Plantações e imóveis atingidos
Presidente de uma cooperativa de plantio de banana-da-terra, Juan Vicente Rodríguez concedeu entrevista à BBC News Mundo minutos após uma reunião para definir como acessar as plantações afetadas. São mais de 350 hectares arruinados pelo magma (o equivalente a cerca de 350 campos de futebol).
“Boa parte da produção foi afetada no auge da alta temporada. Muitas entidades bananeiras foram destruídas. É uma perda enorme.”
A banana-da-terra é uma das principais culturas das ilhas Canárias e, junto com o turismo, uma das atividades econômicas mais importantes nas ilhas, incluindo La Palma.
Ambos setores desempenham um papel fundamental na vida de alguns afetados pela erupção do vulcão.
“O principal dano são aos imóveis das cidades abaixo da erupção. Foram afetadas fazendas, estradas no oeste da ilha e algumas escolas da região”, descreve Víctor Melo, porta-voz da Associação dos Vulcões das Canárias, dedicada à divulgação e colaboração com instituições para melhorar a compreensão vulcânica.
‘Minha casa escapou por uns 300 metros’
Rodríguez foi uma das pessoas evacuadas da área afetada pelo vulcão, e atualmente está hospedado com familiares e amigos.
Aqueles que não têm esse tipo de alternativa foram encaminhados para quartéis militares, hotéis e outros estabelecimentos montados pelas autoridades.
Na medida do possível, Rodríguez diz ter sorte por o vulcão não ter destruído sua casa.
“Ela fica muito perto da base do vulcão, mas a lava seguiu em outra direção. Minha casa foi poupada por 200, 300 metros. Também não posso dizer que já estamos seguros porque novas crateras continuam a se abrir.”
A maioria de seu bairro, El Paraíso, não teve o mesmo destino. Estima-se que 70% das casas foram destruídas.
“Ainda não caímos no choro, mas vamos todos chorar. Eu cresci em El Paraíso, um bairro peculiar onde nada indicava que pudesse ser soterrado. Mas sabíamos que o vulcão estava procurando um lugar por onde sair e o encontrou a poucos metros da minha casa.”
Imagens ‘espetaculares’
Por vários dias, La Palma registrou milhares de tremores de diferentes intensidades.
No domingo, por volta das 15h12 do horário local, o Cumbre Vieja explodiu. E desde então há uma profusão de imagens de fogo, magma e cinzas. Fotografias quase apocalípticas, um “show” que atraiu os holofotes e que faz com que Rodríguez se sinta mal, mas compreenda a atração que a erupção do vulcão desperta.
“Eu entendo que os de fora descrevam o que está acontecendo como ‘espetacular’ ou ‘maravilhoso’, mas agora é hora de mostrar solidariedade aos afetados, aos que perderam tudo. Você tem que se colocar no lugar daqueles que estão aqui. É uma situação muito difícil.”
A erupção do Cumbre Vieja ocorre meio século após a última erupção da ilha, quando o Teneguía explodiu em janeiro de 1971. E ali foi criada uma nova atração turística que atrai a atenção de visitantes, curiosos e cientistas ao redor do mundo.
Rodríguez admite que é algo que pode acontecer novamente quando a atividade vulcânica se acalmar. Mas, para ele, não é hora de pensar nisso.
“Não sabemos a magnitude do que pode acontecer. Se isso não parar, os bairros de Todoque e Laguna vão acabar. A gravidade é clara.”
Nesta terça-feira, a lava entrou em Todoque e todos os habitantes foram retirados a tempo.
Os perigos do magma na água
“A lava percorre diferentes elevações. Às vezes planícies, obstáculos, residências. Não parece que vai demorar muito para chegar ao mar. O vulcão está emitindo novos fluxos que aceleram a passagem dos anteriores que já estão fluindo”, explica Melo, da Associação dos Vulcões das Canárias, para a BBC News Mundo.
“Se a lava chegar ao mar, o esperado é que suba uma coluna de vapor, gerada pela interação da água fria do mar com a temperatura da lava, que é bastante elevada. A mistura de gases pode ser tóxica e afetar uma população. Devemos ficar atentos a isso.”
Especialistas afirmam que já foi estabelecido um perímetro de isolamento seguro para o momento em que a lava chegar ao mar.
Rodríguez ainda está em choque e diz querer olhar para frente quando se recuperar do golpe.
Ele diz que o importante, em primeiro lugar, é agradecer às autoridades e grupos de apoio por não haver nenhuma morte relacionada à erupção. Depois, desejar que tudo acabe o mais rápido possível, “para podermos restabelecer nossas vidas e nossos empregos, que é o que mais nos preocupa neste momento”.
“É preciso ter frieza e pensar que aqui a responsabilidade é só da natureza. Temos o amparo de todas as pessoas ao nosso redor. Devemos estar atentos que a vida se transformou e que tem que haver uma nova.”
Fonte: BBC