Em 2017, Mauro Gustavo Reese Filho, então graduando em geologia na Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisou sobre os processos vulcânicos na Ilha de La Palma para escrever seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). No artigo, ele alerta sobre os possíveis riscos de um tsunami atingir a costa brasileira em caso de uma erupção no vulcão Cumbre Vieja, localizado em La Palma, que é uma das Ilhas Canárias.
Fora do ambiente acadêmico, o temor veio à tona após o Plano de Prevenção de Riscos de Vulcão (Pevolca) da Espanha, país ao qual pertencem as Canárias, registrar mais de 4 mil tremores em volta do Cumbre Vieja e acionar, na última terça-feira (14), o alerta amarelo. Essa classificação prevê o reforço de informações à população e a manutenção de medidas de vigilância e monitoramento da atividade vulcânica e sísmica, segundo informa um comunicado do governo das ilhas. Mas, afinal, vai ter tsunami no Brasil? Qual foi a simulação feita por Reese Filho?
Sob orientação da professora Maria Cristina de Souza, o futuro geólogo apresentou uma modelagem de um tsunami que seria originado na Ilha de La Palma, para estimar os efeitos que as ondas teriam no Brasil — especialmente nas regiões Norte e Nordeste. O estado do Rio Grande do Norte seria, de acordo com Reese Filho, o primeiro a recebê-las, cerca de seis horas após o fenômeno ser gerado nas Ilhas Canárias, a noroeste da costa africana.
A simulação também prevê que capitais brasileiras seriam atingidas horas depois, incluindo aquelas localizadas em baías, como São Luís e Macapá. Um possível deslizamento motivado pela erupção foi apontado como o principal causador do tsunami na modelagem do ex-aluno da UFPR.
O trabalho menciona uma fissura de 5 quilômetros na ilha, que se originou na penúltima erupção vulcânica observada no Cumbre Vieja, em 1949 (a última foi em 1971). Essa fenda terrestre pode favorecer um episódio de deslizamento de rochas que acumulariam volume de centenas de quilômetros cúbicos, segundo artigo publicado no periódico Geophysical Research Letters.
Risco real
No próprio TCC, Reese Filho chega a citar estudos recentes que “dizem que as chances de ocorrência são remotas e longínquas”, mas defende que, apesar disso, sistemas de alarme devem ser criados pelos governantes brasileiros.
Quatro anos depois, diante de uma situação real de potencial erupção, os especialistas ainda apontam os riscos de tsunami no Brasil como muito baixos. “Esse assunto foi discutido na mídia uns 20 ou 30 anos atrás quando foi publicado um trabalho de geólogos americanos sobre a possibilidade de desabamento de uma parte da ilha provocar um tsunami no Brasil”, diz Marcelo Assumpção, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), em nota publicada pelo Observatório Nacional (ON).
A pesquisa mencionada por Assumpção é justamente uma das que baseiam o TCC de Reese Filho. “Na época, a conclusão foi de que a probabilidade de que o deslizamento fosse suficientemente grande para provocar um tsunami perigoso era muito pequena”, pontua o professor do IAG.
Assumpção afirma que, teoricamente, o tsunami poderia ser bem grande, mas a atividade vulcânica teria de ser gigantesca a ponto de derrubar uma parte da ilha em direção ao mar. Porém, ainda não se sabe se haverá, de fato, uma erupção capaz de causar isso.
Como geralmente as erupções são precedidas por um aumento de abalos sísmicos, explica o docente, o alerta amarelo se mantém. E, apesar de a comissão científica do Pevolca ter informado, nesta sexta-feira (17), que houve diminuição da atividade sísmica, especialistas ainda não descartaram a possibilidade da reativação vulcânica.
O comunicado das autoridades locais ainda acrescenta: “O comitê científico também se pronunciou sobre as notícias que apareceram na mídia sobre um possível grande colapso do flanco ocidental de Cumbre Vieja e consequente formação de um megatsunami, destacando que não há dados para apoiar essa hipótese e que falta uma base científica comprovada”.
O coordenador do Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Aderson Nascimento, reforça que o risco é muito baixo e é inclusive por isso que não há sistemas de alertas de tsunamis por aqui. “Nesse sentido, a Rede Sismográfica Brasileira é importantíssima, porque um terremoto desse tipo, que eventualmente possa ter potencial de gerar um tsunami, pode ser registrado pelas nossas estações”, declarou o pesquisador ao ON.
Fonte: Galileu