Na contramão do mundo, o Brasil teve um aumento de 9,5% nas emissões de gases poluentes em 2020, em plena pandemia de covid-19, segundo dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima. Já a média global de emissões sofreu uma redução de 7%, por causa das paralisações de voos, indústrias e serviços ao longo do ano passado.
A divulgação dos dados ocorre às vésperas da COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, que acontece entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, em Glasgow, na Escócia. No evento, que reúne líderes como o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o premiê do Reino Unido, Boris Johnson, o Brasil vai tentar demonstrar que existe uma imagem “equivocada” no exterior de que o país não é comprometido com a proteção ambiental.
Mas o resultado do cálculo de emissões para 2020 pode dificultar essa tarefa, já que indica que o país está na contramão das suas metas de redução de gases do efeito estufa. Segundo as novas estimativas do SEEG, o Brasil liberou 2,16 bilhões de toneladas de gás carbônico em 2020, contra 1,97 bilhão em 2019.
É o maior nível de emissões em 14 anos — desde 2006. E o maior responsável foi o aumento no desmatamento em 2020, que foi grande o suficiente a ponto de compensar as reduções nas emissões causadas pela paralisação da economia durante a pandemia.
Na COP26, a delegação brasileira deve oficializar a meta de reduzir as emissões em 37% até 2025, em 43% até 2030 e alcançar a neutralidade de carbono em 2050 — quando todas as emissões são reduzidas ao máximo e as restantes são compensadas por captura de carbono da atmosfera.
Durante o encontro, líderes de mais de 100 países vão negociar novos compromissos para garantir a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento global em 1,5°C. Mais ainda não está claro como serão alcançados os objetivos climáticos do Brasil diante de dois anos consecutivos de aumentos no desmatamento, nos focos de incêndio e nas emissões de CO2.
Desmatamento é maior responsável por emissões
Em um ano em que milhões de pessoas tiveram que trabalhar de casa, serviços foram interrompidos e voos internacionais foram suspensos, era de se esperar uma redução nas emissões no mundo. E foi o que aconteceu na maior parte dos países, mas não no Brasil.
Segundo os dados do SEEG, a poluição provocada pelo setor de energia diminuiu 4,5% no país durante a pandemia, mas os aumentos no desmatamento das florestas e nas emissões provocadas pela agropecuária foram grandes a ponto de anular essa redução na poluição energética.
“O setor de energia foi aquele que apresentou a maior queda percentual de emissões em 2020. Esse resultado é um claro reflexo da diminuição de atividades emissoras devido à pandemia de covid-19, quando foi necessário que as pessoas evitassem se deslocar”, explicou Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente, um dos autores do levantamento.
“Destaca-se a diminuição de emissões nos transportes de passageiros. O consumo de combustível na aviação caiu pela metade. A demanda por gasolina e etanol também diminuiu de maneira relevante.”
Mas a categoria “mudanças no uso da terra”, que engloba desmatamentos na Amazônia e no Cerrado, viu um aumento de 24% nas emissões em relação a 2019, com a liberação de 998 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera. Isso é reflexo, segundo o Observatório do Clima, do forte crescimento do desmatamento desde o início do governo Bolsonaro.
Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o maior em 11 anos, alcançando 10.851 km², segundo os dados oficiais do sistema Prodes/Inpe. A perda de florestas e mudanças no uso do solo são responsáveis pela maior fatia das emissões brutas brasileiras — 46%, segundo os dados do SEEG.
E a Amazônia é, segundo o relatório do Observatório do Clima, o bioma que historicamente mais tem emitido gases do efeito estufa, “decorrentes principalmente do avanço da pecuária sobre as florestas”. Segundo o levantamento, em 2020, as emissões brutas na maior floresta tropical do mundo foram até sete vezes maiores do que no Cerrado, o segundo bioma que mais emitiu gás carbônico por desmatamento e pecuária.
“O principal fator a explicar a elevação (das emissões brasileiras) foi o desmatamento, em especial na Amazônia e no Cerrado. Os gases de efeito estufa lançados na atmosfera pelas mudanças do uso da terra aumentaram 23,6%, o que mais do que compensou a queda expressiva verificada no setor de energia, que na esteira da pandemia e da estagnação econômica viu suas emissões regressarem ao patamar de 2011”, diz trecho do relatório sobre emissões.
O levantamento do Observatório do Clima existe desde 2012 e é a principal referência nacional sobre emissões de gases do efeito estufa. Ele segue as diretrizes do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas, e toma como base dados oficiais do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Agropecuária também viu emissões aumentaram
As emissões da agropecuária sofreram alta de 2,5% — o maior aumento desde 2010. Segundo o Observatório do Clima, isso ocorreu em parte porque a crise econômica reduziu em 8% o consumo de carne no Brasil.
Com isso, houve redução no abate de animais e as cabeças de gado aumentaram em 2,6 milhões, o que, por usa vez, aumentou as emissões de metano pela chamada fermentação entérica — conhecido popularmente como “arroto do boi”. Os autores do estudo reconhecem que houve grande avanço no Brasil na implementação de técnicas de agricultura de baixo carbono, mas defendem que é preciso fazer ainda mais.
“Esse crescimento (do uso de técnicas sustentáveis) ainda está aquém dos patamares necessários para que possamos ver a trajetória de emissões do setor ser modificada e demonstrar o real potencial que o Brasil possui em ser uma agropecuária de baixo carbono”, disse Renata Potenza, coordenadora de projetos do Imaflora, e uma das autoras da pesquisa.
A agropecuária é responsável por 27% das emissões brutas brasileira. Somadas, a poluição provocada pelo desmatamento e a causada pela agropecuária representam 73% das emissões do Brasil.
“Para o Brasil, o melhor custo eficiência para reduzir emissões é diminuir o desmatamento. É a política mais barata, mais intensa em redução de emissões e não traz prejuízos econômicos. De 2004 a 2012, o Brasil reduziu em mais de 80% o desmatamento sem que isso afetasse o seu crescimento econômico”, disse à BBC News Brasil Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.
Quarto maior emissor histórico?
Durante a COP26, países pobres e em desenvolvimento devem cobrar mais compensações de nações ricas e destacar que elas falharam em cumprir o compromisso de contribuir com US$ 100 bilhões por ano em ações para mitigação das mudanças climáticas.
Por sua vez, EUA, Reino Unido e União Europeia tentam obter de grandes países emergentes, como Brasil, Rússia, China e Índia, compromissos mais ambiciosos de controle do desmatamento e redução de emissões.
A expectativa é que o Brasil seja um dos países mais pressionados, por causa do crescimento do desmatamento e das queimadas da Amazônia nos três primeiros anos de governo Bolsonaro.
Nessa queda de braço entre países ricos e em desenvolvimento, a responsabilidade de cada país pelo aquecimento do planeta será medida, entre outras maneiras, pelo seu volume atual e histórico de emissões. Integrantes do governo brasileiro reiteradamente usam o argumento de que o Brasil não é um grande poluidor, para defender que cobranças de metas ambiciosas para controle climático devem ser dirigidas a países ricos.
Diferentes pesquisas que não levam em conta desmatamento na contabilidade de emissões colocam o Brasil na sétima ou sexta posição no ranking de emissões, como responsável por cerca de 3% do total de CO2 na atmosfera.
“O NDC (documento em que países apresentam metas climáticas) do Brasil é mais ambicioso do que o de vários países do G20. O Brasil responde por menos de 3% das emissões globais e nosso compromisso inclui uma meta não só para 2030, mas também uma meta de curto prazo, para 2015, o que permite melhor monitorar as ações de mitigação”, diz texto que a delegação brasileira vai apresentar na COP26, a que BBC News Brasil teve acesso.
Mas um estudo, que leva em consideração pela primeira vez o desmatamento ao contabilizar a liberação histórica de CO2, põe o Brasil em quarto lugar no ranking de emissões desde 1850. A China, gigante emergente que só pretende começar a reduzir suas emissões a partir de 2030, é apontada como o segundo maior emissor de gases do efeito estufa no acumulado histórico, atrás dos Estados Unidos.
O levantamento foi feito pelo think tank internacional Carbon Brief e leva em conta dados de emissões de queima de combustível fóssil, mudanças no uso do solo, produção de cimento e desmatamento de 1850 a 2021. Pesquisas anteriores consideravam no cálculo as emissões decorrentes de queima de combustível, sem incluir a poluição provocada pela destruição de florestas.
“O Brasil tem um papel importante na discussão climática não apenas por causa da Amazônia, mas porque é um dos maiores emissores do mundo. Atualmente, ele está em sexto lugar em emissões e é o quarto maior em emissões históricas, apesar de ainda ser um país em desenvolvimento com desafios para redução de pobreza”, afirmou à BBC News Brasil Carlos Rittl, especialista em políticas públicas da Rain Forest Foundation, ONG ambiental da Noruega.
Fonte: BBC