Encerrada a 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), fica a pergunta: o mundo está mais perto de lidar com a emergência climática? Seria fácil responder que sim. No entanto, os resultados da COP26 ainda são insuficientes para garantir as metas do Acordo de Paris, adotado em 2015. Na ocasião, ficou estabelecido que todos os países aumentariam os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5 °C acima das temperaturas da era pré-industrial e se comprometeriam a ampliar o financiamento para prevenir e combater os efeitos das mudanças climáticas.
Um recente estudo publicado na Nature integra impactos climáticos à economia global e demonstra que as perdas e danos são inevitáveis. Os países africanos, por exemplo, já gastam 10% de seu PIB para mitigar eventos climáticos extremos. As altas emissões de gases de efeito estufa, que se acumulam desde o início do século, ultrapassam muito o limite proposto para frear aquecimento global. A boa notícia trazida pela pesquisa é que esse cenário pode ser corrigido, desde que sejam direcionados investimentos em tecnologias de emissões negativas antes do final do século.
Esse modelo é conhecido como overshoot, o “caminho da ultrapassagem”, e contrasta com a via net-zero, baseada na mitigação e adaptação onde as reduções de emissões são mais imediatas e as temperaturas ficam abaixo das metas globais de temperatura ao longo do século.
Todos os caminhos buscam como resultado uma transição para um modelo de desenvolvimento baseado numa economia de baixo carbono, mas no overshoot as opções concentram-se em adotar medidas de altíssimo investimento e grande repercussão no curto prazo, ou distribuir ao longo do tempo investimentos que possam gerar, no longo prazo, um maior número de impactos positivos. Ou ainda um caminho totalmente baseado em tecnologias de remoção em escala global, de modo a se reduzir as concentrações atmosféricas de carbono um pouco agora e um pouco no futuro, mas removendo muito ao longo do tempo. Essa opção, em especial, resultaria em um aumento de temperatura muito além dos limites de Paris, para posteriormente diminuí-la, removendo altas quantidades de CO2 da atmosfera. O ponto-chave é que quanto mais tempo em uma rota de overshoot, maior será o custo do investimento.
Eventos climáticos extremos, como secas e enchentes, serão cada vez mais frequentes: uma criança nascida em 2020 deve enfrentar sete vezes mais ondas de calor extremo ao longo da vida em comparação a alguém que nasceu em 1960, como discutido em estudo publicado na revista Science. Por isso, é fundamental que todos os países cumpram o estabelecido no Pacto de Glasgow, aumentando globalmente a ambição climática e efetivamente destinando US$ 100 bilhões/ano, totalizando US$ 500 bilhões em 2025, em financiamento climático aos países mais vulneráveis, o que vem sendo postergado desde Paris.
O resultado de uma Conferência do Clima é como um grande quebra-cabeça, cada peça traz uma contribuição para a construção do resultado final. Um dos principais objetivos da COP26 era concluir a definição das regras que irão orientar a etapa de implementação do Acordo de Paris. Depois de anos de negociações difíceis, Glasgow alcançou importantes consensos para os países relatarem as reduções de emissões de forma transparente e usarem compensações de carbono para cumprir suas metas climáticas. O fechamento do chamado “Livro de Regras” é fundamental para monitorar se os países estão realmente apresentando progresso em relação aos compromissos assumidos.
Avanços para conter o maior vilão da agenda climática também estão entre os resultados. O Pacto de Glasgow exige que os países eliminem gradualmente os subsídios aos combustíveis fósseis e diminuam o uso do carvão. Não há metas, mas há um caminho traçado para a descarbonização das grandes economias. Outros compromissos que são importantes peças na conclusão do quebra-cabeça de Glasgow são a aprovação das regras para o mercado de carbono ou mesmo a discussão sobre as oportunidades do carbono azul, gerado nos oceanos.
Talvez um dos avanços mais importantes dessa conferência climática tenha sido o foco nas chamadas Soluções Baseadas na Natureza (SBN) e no papel vital dos povos indígenas e das comunidades locais. O Pacto de Glasgow concorda em respeitar os direitos dos povos originários e reconhece seu papel central no enfrentamento ao cenário de emergência climática que vivemos. Esse foi apenas um primeiro e pequeno passo, há muito trabalho a ser feito para garantir os direitos desses grupos à terra e estabelecer como essa terra pode ser usada.
O sucesso ou o fracasso da COP26 dependerá de como os líderes mundiais irão cumprir os compromissos estabelecidos. O trabalho que temos pela frente se baseia na energia coletiva, de seguir pressionando e contribuindo na construção de soluções, para passar das palavras à ação.
Fonte: Galileu