O ano que se finda começou com muitas expectativas na agenda ambiental em razão da 15ª Conferência das Partes pela Biodiversidade (COP15) para adotar a nova Estratégia Global de Biodiversidade do período de 2021 a 2050 e da COP26, que visava pactuar as regras de implementação do Acordo de Paris.
No entanto, 2021 termina entrando para a história como o ano de maior ocorrência de eventos climáticos extremos, de acordo com o Relatório Preliminar do Estado do Clima Global em 2021, publicado pela Organização Meteorológica Mundial (WMO) no final de outubro. Incêndios florestais, ondas de calor e frio, secas, tempestades, inundações, ciclones fora de época assolaram todos os continentes em intensidade recorde.
Segundo os cientistas da WMO, as relações e retroalimentações entre os sistemas atmosférico, terrestre, oceânico e as camadas de gelo estão sendo alteradas em decorrência das concentrações inéditas de gases de efeito estufa e do calor acumulado associado, impulsionando o planeta para um território desconhecido, que gera efeitos disruptivos em cascata nos sistemas ambientais, sociais e econômicos.
O nível médio do mar global atingiu um novo máximo em 2021: a taxa de aumento mais que dobrou em menos de três décadas, passando de 2,1 milímetros (mm) por ano entre 1993 e 2002 para 4,4 mm por ano entre 2013 e 2021.
Temperaturas bateram recordes regionais em várias partes do mundo. A pequena cidade de Lytton, no sudoeste do Canadá, atingiu 49,6°C em junho, quebrando o recorde nacional anterior em 4,6 °C, numa onda de calor que gerou a maior perda de massa registrada em geleiras no país. Na Itália, a temperatura na região da Sicília chegou a 48,8°C, um recorde europeu; e o Vale da Morte, na Califórnia, atingiu 54,4°C, igualando um valor semelhante ao de 2020, o mais alto registrado no mundo.
Houve também recorde de frio. O estado do Texas, nos EUA, conhecido por seus amplos desertos e fortes ondas de calor, foi coberto por uma grossa camada de gelo, com algumas regiões registrando o frio mais intenso em mais de um século.
O ano de 2021 também registrou precipitações extremas: em 20 de julho, a cidade de Zhengzhou recebeu 202 mm de chuva em uma hora, um recorde na China. Ainda em julho, a Europa Ocidental experimentou algumas das inundações mais severas já registradas no continente, que atingiram o oeste da Alemanha e o leste da Bélgica, resultando em 215 mortes e mais de US$ 20 bilhões em perdas econômicas. E houve a “bomba de umidade” no oeste do Canadá, quando um volume de chuva equivalente a um mês caiu em apenas dois dias.
Pelo terceiro ano consecutivo, ocorreram grandes incêndios florestais durante o verão na Sibéria. Na costa oeste da América do Norte, a ocorrência de fogo foi severa devido às condições recordes de seca e altas temperaturas da primavera, e em julho a fumaça dos incêndios nessa região chegou às cidades da costa leste. Na Europa, algumas regiões de França, Itália, Grécia e Turquia sofreram os piores incêndios florestais da história.
Quase no fechamento de 2021, condições meteorológicas incomuns, como ar úmido e quente em uma época do ano em que isso não é esperado, provocaram a passagem de uma série de tornados no sudeste dos EUA, que atingiram principalmente o estado de Kentucky.
E o Brasil não escapou aos eventos extremos. Chuvas persistentes acima da média na primeira metade do ano no norte da bacia amazônica levaram a inundações significativas e de longa duração na região, com o rio Negro em Manaus atingindo seu nível mais alto já registrado, com pico de 30,02 metros. Na Bahia, 51 municípios decretaram emergência por conta das fortes chuvas que atingiram a região em dezembro.
No outro extremo, uma seca considerada a maior em mais de 90 anos afetou grande parte da região subtropical da América do Sul pelo segundo ano consecutivo, incluindo grande parte do centro e sul do Brasil, além de Paraguai, Uruguai e norte da Argentina. O governo brasileiro declarou situação de escassez crítica de recursos hídricos na bacia hidrográfica do Paraná, com numerosos reservatórios nos níveis mais baixos dos últimos 20 anos, o que reduziu a produção de hidroeletricidade, levando o país à beira do colapso energético. A seca gerou também perdas agrícolas significativas, afetando o volume e a qualidade de safras como milho, cana-de-açúcar, laranja, feijão e café.
Evidentemente, nem todos esses eventos extremos podem ser relacionados às mudanças climáticas induzidas pela ação humana, mas tal incidência teria sido impossível sem o fenômeno. Nos níveis atuais de emissões globais de gases de efeito estufa, o mundo continua a caminho de exceder a meta de aquecimento de 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais estabelecida no Acordo de Paris, em 2015, para evitar os piores impactos da emergência climática.
Mesmo se os novos compromissos oficiais firmados na COP26 em novembro e outras promessas relacionadas – como a redução das emissões de metano e o fim do desmatamento – forem cumpridos, o aquecimento global não será inferior a 1,8 °C. Mas, a depender das tendências de desmatamento no Brasil, esse cenário será ainda pior.
Apesar de a política ambiental para proteger a Amazônia continuar a atrair a atenção global, com ameaças de perda de investimentos estrangeiros, boicote a produtos nacionais e de sanções comerciais de outros países, o desmatamento na região voltou a crescer em 2021. Foram perdidos 13.235 km2 de floresta, um aumento de 22% em relação a 2020 e o maior desmatamento desde 2006.
O Pará continuou a liderar o ranking dos estados, sendo responsável por 40% do total, mas mostrou uma desaceleração na taxa de desmatamento anual. O Amazonas ficou em segundo lugar, responsável por 18% do total e ultrapassando pela primeira vez o Mato Grosso. Preocupantemente, a perda florestal no Amazonas foi 55% maior em 2021 em comparação a 2020.
No Cerrado, a tendência também foi de aumento: cerca de 8,5% em relação a 2020, uma área de cerca de 4.500 km², concentrada sobretudo no oeste da Bahia e sul do Maranhão, em municípios produtores de soja. Esses quase 18 mil km² de vegetação nativa perdida na Amazônia e no Cerrado – uma área três vezes maior que o Distrito Federal – resultaram na emissão de aproximadamente 200 milhões de toneladas de CO2.
E tem mais: em 2021, as queimadas continuaram a assolar os dois maiores biomas do Brasil. Dados do INPE de novembro indicam neste ano o terceiro maior índice de incêndios na Amazônia, atrás apenas de 2020 e 2015, com mais de 14,6 mil focos registrados e uma área de 45 mil km². O Cerrado foi o bioma mais atingido, com 137 mil km² queimados. A nota de atenuação vem do Pantanal, com uma redução de 53% na área queimada em relação aos catastróficos incêndios de 2020.
A mineração foi o outro vilão do ano na Amazônia. Entre janeiro e agosto, a área desmatada pelo setor ultrapassou a de todo o ano de 2020 e adentrou ainda mais terras indígenas e unidades de conservação, acentuando uma tendência observada desde 2019. Mas os rastros da mineração se estendem muito além da floresta perdida, comprometendo diretamente a qualidade das águas de rios e a saúde da biodiversidade e das comunidades.
Entre junho e setembro, a lama provocada pela atividade garimpeira percorreu centenas de quilômetros do rio Tapajós, turvando suas águas transparentes. Em novembro, numa versão fluvial de Serra Pelada, a corrida ao ouro chegou de forma intensa ao Rio Madeira, na região do município de Autazes (AM). A notícia de que havia sido encontrado ouro no leito do rio atraiu mais de 300 dragas e balsas. A atividade se dissipou por meio de uma operação da Polícia Federal com o apoio das Forças Armadas no dia 27 de novembro, em que mais de 130 balsas foram apreendidas ou destruídas.
Apesar dessa retrospectiva ambiental um tanto negativa, há iniciativas que começam a tomar corpo. Novos compromissos assumidos pelas nações mais ricas na COP26 estabeleceram uma meta de US$ 100 bilhões em 2022 ou 2023 voltada a ações de mitigação das mudanças climáticas. Isso inclui US$ 8 bilhões anuais destinados a conservação de florestas e outras soluções baseadas na natureza, como a restauração de áreas degradadas com vegetação nativa.
O aumento e o alcance dos eventos climáticos extremos em 2021 deixaram claro que todas as nações do mundo, ricas ou não, das pequenas ilhas àquelas de dimensões quase continentais, não estão imunes, e que a redução de emissões de gases de efeito estufa é responsabilidade de todos – governos, setores privados e cidadãos.
Fonte: Galileu