O que as mudanças climáticas significam para futuro do café, abacate e castanha de caju

Embora o cultivo de café seja mais desafiador em um clima mais quente, alguns países poderão cultivar mais castanhas e abacates, segundo um novo estudo.

Trabalhadora colhe grãos de café arábica durante uma colheita de novembro, na Indonésia. Um estudo recente sobre café, castanha de caju e abacate mostrou como as mudanças climáticas afetarão os produtores de alimentos populares, muitos dos quais são pequenos agricultores do Hemisfério Sul.
FOTO DE CHAIDEER MAHYUDDIN, AFP VIA GETTY

Até o ano de 2050, a paisagem agrícola do mundo pode parecer muito diferente do que é agora.

Cerca de 10 bilhões de pessoas precisarão ser alimentadas, mais do que os quase 8 bilhões existentes na Terra hoje, e as mudanças climáticas alterarão de onde virá essa comida. As temperaturas mais altas já estão permitindo que alimentos tropicais prosperem em regiões de cultivo mais ao norte, onde não ocorriam antes – frutas cítricas, por exemplo, estão sendo cultivadas na Geórgia e abacates na ilha italiana da Sicília.

“Pegue seu computador e digite mudanças climáticas seguidas de sua comida favorita e, rapidamente, você terá uma história sobre mudanças climáticas afetando sua comida favorita”, diz Michael Hoffman, autor do livro recém-publicado Our Changing Menu.

Novo estudo publicado na revista PLOS One mostra como as condições de cultivo de três alimentos populares – café, castanha de caju e abacate – mudarão nos próximos 30 anos e além disso, o estudo indicou também, um cenário complexo de vencedores e perdedores.

Das três safras, o café será o mais afetado pelo aquecimento: o estudo prevê um declínio geral até 2050 no número de regiões onde poderá ser cultivado. Para castanhas e abacates, os resultados foram mais complicados. Certas regiões de cultivo sofreriam declínios nessas culturas, enquanto outras, como o sul dos Estados Unidos, provavelmente encontrariam mais terras mais adequadas para culturas de alimentos tropicais, como castanha e abacate.

Esta pesquisa expande estudos anteriores que já documentaram o efeito prejudicial que as mudanças climáticas terão sobre os grãos de café. Ela oferece mais evidências de declínio observando uma ampla gama de fatores, por exemplo, como o PH e a textura do solo podem mudar com mais chuvas. É também a primeira visão global de como as mudanças climáticas afetarão as regiões de cultivo de castanha e abacate.

“Certamente é possível se adaptar em muitos lugares” para compensar as mudanças das condições, diz o autor do estudo Roman Grüter, cientista ambiental da Universidade de Zurique, na Suíça. Cientistas e agricultores já estão experimentando o cruzamento de certas culturas para criar características mais resistentes que possam sobreviver melhor às mudanças climáticas.  Em algumas regiões, como no estado da Geórgia e na Sicília, estão sendo plantadas espécies de culturas inteiramente novas. Mas o estudo adverte que isso pode não ser suficiente.

“Em algum momento, há uma possibilidade maior de que uma plantação não cresça mais” em sua região tradicional, diz Grüter.

Agricultores trabalham em uma plantação de abacate na fazenda El Carmen em Tochimilco, uma comunidade no estado de Puebla, no México. Graças ao aquecimento das temperaturas e à mudança dos padrões de chuva, certas partes do México podem ter um aumento na produção de abacate até 2050.
FOTO DE JOSE CASTANARES, AFP VIA GETTY

Modelando o futuro 

Estudos que modelam o impacto das mudanças climáticas na agricultura muitas vezes analisaram culturas lucrativas, como soja, milho e trigo. Mas Grüter diz que os tipos de alimentos cultivados em fazendas de pequena escala foram menos estudados, embora sejam parte crucial do quebra-cabeça ao preparar o suprimento global de alimentos para as mudanças climáticas. De acordo com a Food and Agriculture Organization, as pequenas propriedades produzem um terço dos alimentos do mundo. E as três culturas analisadas no estudo também são importantes para entender – porque diferentemente do milho ou do trigo, elas são plantadas anos antes das colheitas. As decisões sobre quais tipos de alimentos cultivar são baseadas em suposições sobre as condições futuras de cultivo, como temperaturas e padrões de chuva.

O mundo já aqueceu 1,1 graus Celsius (2 graus Fahrenheit), causando mais estresse térmico nas plantas e um aumento na gravidade dos desastres naturais. Até 2100, o mundo poderá aquecer até 3°C (5.5°F). Analisando 14 modelos diferentes, os pesquisadores previram como as condições globais mudariam sob três cenários climáticos diferentes: uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa que limita o aquecimento a 1,6°C (2,9°F), uma redução moderada que limita o aquecimento a 2,4°C (4,3°F), e um cenário com o pior caso onde o aquecimento excede 4°C (mais de 7°F).

Os resultados do estudo foram caracterizados por três esferas de “adequação” – alta adequação sendo onde uma determinada cultura produziria o maior rendimento sem depender de irrigação e fertilizantes.

Das três safras, o café foi de longe o mais afetado pelo clima futuro. Em 2050, em todos os três cenários climáticos, o número de regiões mais adequadas para o cultivo de café diminuiu 50%. O declínio foi principalmente o resultado do aumento das temperaturas anuais em países produtores de café como Brasil, Vietnã, Indonésia e Colômbia.

Para as castanhas, os declínios variaram amplamente. Algumas quedas foram drásticas. No Benin, na África Ocidental, as altas temperaturas anuais foram projetadas para levar a um declínio de quase 55% em terras altamente adequadas para o cultivo de castanha, mesmo quando as emissões foram reduzidas. Outros países viram apenas declínios de um dígito se nada mais for feito para mitigar as mudanças climáticas. No geral, no entanto, as terras adequadas para o cultivo de castanhas foram projetadas para aumentar em 17% em todo o mundo, graças a invernos cada vez mais quentes em latitudes mais altas e mais baixas, como EUA, Argentina e Austrália.

Hafiz Djibril, produtor de castanha de caju, posa para uma fotografia na fábrica de Fludor, no Benin. Enquanto a Índia domina o mercado de castanhas, o pequeno país da África Ocidental é um dos maiores produtores do continente, um status que pode ser prejudicado pelo aumento das temperaturas.
FOTO DE MOHAMED BIO, AFP VIA GETTY IMAGES

Os abacates, que evoluíram para crescer em florestas tropicais, tiveram resultados igualmente variados e viram mudanças para onde podem crescer com base principalmente nas mudanças na precipitação. Climas mais quentes podem reter mais umidade, levando a mais chuvas, e as regiões mais quentes foram projetadas para produzir mais chuva até 2050. Estima-se que as regiões mais adequadas para o cultivo de abacates diminuirão de 14 a 41% em todo o mundo em países como a República Dominicana e a Indonésia, mas as regiões moderadamente adequadas para o cultivo da fruta aumentaram de 12 a 20%.

No México, que é atualmente o maior produtor da fruta, esperava-se que as condições adequadas de cultivo de abacate aumentassem de 66 a 87%, com base nas emissões emitidas até 2050.

Os resultados do estudo são consistentes com o que a climatologista agrícola da Universidade da Geórgia, Pam Knox, viu no estado do pêssego. Ela diz que os produtores vêm experimentando novos alimentos agora adequados ao clima de inverno quente da região.

“Os produtores já estão aproveitando isso no sudeste dos EUA, experimentando novas culturas, como azeitonas e satsumas”, ela disse por e-mail.

Adaptando os alimentos para o futuro

O que os resultados variados do estudo podem significar para nosso suprimento global de alimentos em 2050?

Precisamos de mais pesquisas sobre como a mudança climática afetará a segurança alimentar futura, diz Hoffman. Por exemplo, segundo ele, a mudança climática aumenta a quantidade e o tipo de pragas que atacam as plantações. A suposição natural pode ser que essas colheitas diminuam, mas e se o número de predadores das pragas também aumentar? À medida que algumas regiões de plantio se expandem enquanto outras encolhem, é um desafio prever o destino de alimentos específicos.

O que está claro, diz Hoffman, que foi ex-diretor executivo do Cornell Institute for Climate Smart Solutions, é que o declínio de uma determinada safra pode ter um impacto devastador no nível local – “como uma fábrica gigante saindo da cidade”.

Para ajudar as comunidades a enfrentar essa mudança, o estudo diz que os produtores de alimentos precisarão se adaptar de várias maneiras, desde o uso de plantas de cobertura para manter o solo saudável até a criação de variedades mais resistentes ao clima, como o café que pode tolerar temperaturas mais altas.

Mas como solução, o melhoramento de espécies tem limitações: pode levar anos para se aperfeiçoar e os criadores podem não conseguir acompanhar o ritmo das mudanças climáticas, diz Charles Brummer, diretor do centro de melhoramento de plantas da Universidade da Califórnia, Davis. Mesmo as plantas mais tolerantes ao calor podem não ser capazes de produzir com sucesso se as ondas de calor se tornarem mais severas e mais frequentes.

Ao prever com décadas de antecedência como a agricultura mudará, os cientistas podem ajudar os agricultores a saber o que esperar e podem aconselhar os formuladores de políticas sobre como incentivar os produtores a usar métodos de cultivo mais eficientes, como culturas de cobertura para evitar a erosão ou plantar novas culturas quando necessário.

“É crucial para a segurança alimentar e nutricional modelar essas mudanças e seus impactos na agricultura”, diz Grüter. “Nós mostramos agora principalmente culturas de rendimento, mas o abacate também é uma cultura importante e nutritiva.”

Fonte: National Geographic Brasil