Novos fósseis desafiam as ideias de que os humanos modernos exterminaram os neandertais logo após chegarem da África.
Uma descoberta de dentes e ferramentas de pedra de uma criança em uma caverna no sul da França sugere que o Homo sapiens estava na Europa Ocidental há cerca de 54 mil anos.
Isso significa vários milhares de anos antes do que se pensava anteriormente, indicando que as duas espécies poderiam ter coexistido por longos períodos.
A pesquisa foi publicada na revista Science Advances.
Os achados foram descobertos em uma caverna conhecida como Grotte Mandrin, no Vale do Rhône, por uma equipe liderada pelo professor Ludovic Slimak, da Universidade de Toulouse. Ele ficou surpreso quando soube que havia evidências de um assentamento humano moderno.
“Agora somos capazes de demonstrar que o Homo sapiens chegou 12 mil anos antes do que achávamos, e essa população foi substituída por outras populações neandertais. E isso literalmente reescreve todos os nossos livros de história.”
Os neandertais surgiram na Europa há 400 mil anos. A teoria atual sugere que eles foram extintos há cerca de 40 mil anos, não muito depois que o Homo sapiens chegou ao continente vindo da África.
Mas as descobertas sugerem que nossa espécie surgiu muito antes, e que as duas espécies podem ter coexistido na Europa por mais de 10 mil anos antes da extinção dos neandertais.
Segundo Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, isso põe em xeque a versão atual de que nossa espécie rapidamente superou os neandertais.
“Não foi uma vitória dos humanos modernos do dia para a noite”, ele disse à BBC News. “Às vezes os neandertais estavam em vantagem, às vezes os humanos modernos, então foi algo mais equilibrado.”
Arqueólogos encontraram evidências em fósseis de diversas camadas no local. Quanto mais fundo cavavam, mais eles podiam olhar para o passado. As camadas mais baixas mostravam restos de neandertais que ocuparam a área por cerca de 20 mil anos.
Mas para surpresa de todos, a equipe encontrou um dente de uma criança humana moderna em uma camada de 54 mil anos atrás, junto com outras ferramentas que não são normalmente associadas aos neandertais.
As evidências sugerem que este grupo de humanos viveu no sítio por um tempo relativamente curto, cerca de 2 mil anos, e depois disso o local foi desocupado. Os neandertais então retornaram, ocupando o local por vários milhares de anos, até que os humanos modernos voltaram cerca de 44 mil anos atrás.
”Temos essas idas e vindas”, diz o professor Stringer. ”Os humanos modernos aparecem brevemente, então há uma lacuna onde talvez o clima os aniquilou e depois os neandertais voltaram novamente.”
Outra descoberta importante foram as ferramentas de pedra encontradas na mesma camada do dente da criança com humanos modernos. Ferramentas feitas da mesma maneira foram encontradas em alguns outros locais – no vale do Rhône e também no Líbano, mas até agora os cientistas não tinham certeza sobre quais espécies de humanos são responsáveis por elas.
Alguns dos pesquisadores especulam que algumas das ferramentas menores podem ser pontas de flecha. Se confirmado, isso seria uma grande descoberta: um grupo inicial de humanos modernos usando armamento avançado de arcos e flechas, que pode ter sido como o grupo superou os neandertais há 54 mil anos. Mas se for esse o caso, isso foi uma vantagem apenas temporária, porque os neandertais conseguiram voltar depois.
Então, se nossa espécie não conseguiu acabar com os neandertais imediatamente, como foi que conquistamos uma vantagem sobre eles?
Muitas ideias foram apresentadas por cientistas: nossa capacidade de produzir arte, linguagem e possivelmente um cérebro melhor. Mas o professor Stringer acredita que o motivo principal é que estávamos mais organizados.
“Estávamos formando redes melhores, nossos grupos sociais eram maiores, estávamos armazenando melhor o conhecimento e construímos em cima desse conhecimento”, disse ele.
A ideia de uma interação prolongada com os neandertais se encaixa na descoberta feita em 2010 de que os humanos modernos têm uma pequena quantidade de DNA neandertal, indicando que as duas espécies se cruzaram, de acordo com Stringer.
“Não sabemos se foram trocas pacíficas de parceiros. Pode ter sido que alguém agarrou uma fêmea de outro grupo. Pode ter sido através da adoção de bebês neandertais abandonados ou perdidos que ficaram órfãos”, disse ele.
“Todas essas coisas poderiam ter acontecido. Ainda não sabemos a história completa. Mas com mais dados e com mais DNA, mais descobertas, chegaremos mais perto da verdade sobre o que realmente aconteceu no final da era neandertal.”
Fonte: BBC