O preço do trigo bate recordes diariamente: na Chicago Board of Trade, o principal mercado internacional de produtos agrários, ele está 50% mais alto do que antes da ofensiva militar da Rússia contra a Ucrânia, em 24 de fevereiro. Essa inflação se explica por ambas as partes do conflito contarem entre os maiores exportadores do cereal no mundo.
A maior parte da produção global de trigo é consumida no local de cultivo, o excedente vai parar nos mercados internacionais. Destes, a Ucrânia e a Rússia detêm “uma parcela gigantesca, de cerca de um terço”, explica o agroeconomista Matin Qaim, diretor do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento (ZEF, na sigla em alemão), em Bonn.
A Rússia é, de longe, o maior exportador, enquanto a Ucrânia ocupa o quinto lugar, atrás dos Estados Unidos, Canadá e França, em ordem descendente. A maior parte do cereal dos dois países do Leste Europeu é exportado no verão e outono europeus (junho a dezembro), “portanto os maiores problemas ainda estão por vir”, adverte Qaim.
A guerra não dificulta apenas a exportação dos estoques disponíveis: caso se prolongue, pelo menos na Ucrânia não será possível semear e colher na medida usual. Isso, por sua vez, impulsionará ainda mais alto os preços do trigo. Para os países consumidores, trata-se de um grande problema, já que muitos dependem de importações de gêneros alimentícios: “Nações como o Líbano ou o Egito importam a maior parcela de seus alimentos, muitas vezes entre 70% e 90%.”
“Nada a fazer, senão comer ainda menos”
Também no Quênia, 80% do trigo vem do exterior: “Nós importamos de diversos países, também da Rússia e da Ucrânia. O que está acontecendo lá vai derrubar as cadeias de abastecimento”, explicou à rádio alemã ARD o economista queniano Ken Gichinga. A Turquia é também, em grande parte, dependente de trigo importado.
E o trigo não é o único produto agrário de que os países em guerra detêm uma grande parcela do mercado mundial: eles produzem 20% do milho e cevada, assim como até 80% do óleo de semente de girassol. “Estamos registrando aumentos de preço não só do trigo, mas também de outros alimentos”, reforça Qaim.
Para os pobres dos países em desenvolvimento, a alta dos gêneros representa, acima de tudo, fome: “Eles não têm nada a fazer, senão simplesmente comer ainda menos”, explica o diretor do ZEF.
Alguns países, como a Índia e a China, ainda possuem atualmente grandes reservas de trigo. “É claro que eles podem desbastar esses estoques, e assim ampliar a oferta de trigo”, comenta o agroeconomista. Entretanto isso não bastaria, nem de longe, para compensar a lacuna da participação russa e ucraniana.
Dilema das sanções ocidentais
No entanto, os russos seguem cultivando e colhendo trigo e outros produtos. “A questão é se teremos como possibilitar as exportações russas de gêneros alimentícios a fim de evitar uma catástrofe humanitária, ou seja: os danos colaterais da guerra em outras partes do mundo”, especula Qaim.
Isso, por sua vez, diz respeito às sanções ocidentais contra a Rússia, que não só dificultam as exportações como seu pagamento, já que diversos bancos russos foram excluídos do sistema internacional de transferências monetárias: “Aqui, precisamos discutir seriamente sobre exceções para alimentos”, insta Qaim.
Os desdobramentos futuros dependem, acima de tudo, do transcorrer da guerra. Um perigo real é que, também na Ucrânia, venha a grassar a fome em massa – num país que, devido a seu chernossolo, de fértil terra negra, já foi chamado de “celeiro da Europa”.
Fonte: Deutsche Welle