Pela primeira vez, porta-vozes de comunidades no Brasil afetadas por atividades da Vale viajaram à Europa para discutir com instituições financeiras sobre investimentos na mineradora que contradizem compromissos socioambientais adotados por bancos estrangeiros.
Uma das principais vozes em busca de reparação após o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, o bispo Dom Vicente de Paula se encontrou na última semana de março com representantes de bancos e investidores na Alemanha. À DW Brasil, ele relatou que o grupo de brasileiros pediu cortes de investimentos dos bancos em empresas acusadas de violações de direitos humanos e ambientais, como a Vale.
“Três anos depois do rompimento da barragem, temos 270 mortes e seis pessoas ainda não encontradas na lama. Há uma bacia hidrográfica totalmente destruída, uma comunidade afetada por doenças decorrentes da contaminação por minérios, além de totalmente atingida pelo luto e pela dor”, ressaltou o bispo.
Ao lado de Dom Vicente de Paula, Larissa Santos, da organização Justiça nos Trilhos, também relatou na Alemanha que a comunidade Piquiá de Baixo, no Maranhão, sofre os impactos ambientais da mineração causados pela Estrada de Ferro de Carajás e dos projetos de siderurgia da Vale. Na localidade, os índices de poluição do ar decorrentes da atividade siderúrgica ultrapassam os permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além dos casos de Piquiá de Baixo e Brumadinho, a tragédia de Mariana, em 2015, foi lembrada pelo grupo que esteve na Alemanha como grande desastre ambiental ligado à Vale.
Segundo Dom Vicente, nenhum dos bancos com quem os líderes comunitários se reuniram na Alemanha sinalizou, durante os encontros, uma proposta concreta para cortar os investimentos ou deixar de participar de fundos de mineradoras envolvidas em conflitos no Brasil. “Houve uma conversa positiva. Mas, em termos de resoluções concretas, nada foi confirmado”, diz o bispo.
Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU
O grupo que viajou à Europa é composto por membros não apenas do Brasil, mas também de Colômbia, Honduras e Equador. Os encontros com bancos alemães foram promovidos pela campanha “Desinvestimento em Mineração” junto à Facing Finance, Rede Igrejas e Mineração e a organização católica Misereor, em reação a uma reportagem da DW Brasil de dezembro de 2021.
A reportagem detalhou como vários bancos alemães, apesar de terem assinado os chamados Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU, em 2019, continuavam a investir em mineradoras envolvidas em conflitos. Um relatório de 2018 publicado pela ONG alemã Facing Finance, reportou violações específicas de direitos humanos e ambientais cometidas pela Vale, Anglo American, Glencore, BHP, Rio Tinto, Barrick Gold, Eni, Gazprom, Goldcorp, Grupo México.
As diretrizes da ONU assinadas em 2019 por centenas de bancos, entre eles o Deutsche Bank, por exemplo, preveem que estes façam diligências adequadas e apurem informações sobre conflitos socioambientais em que seus clientes estejam envolvidos. Mas não implicam a responsabilização legal dessas instituições por eventuais crimes ambientais cometidos pelos clientes – algo que organizações de direitos humanos e ativistas cobram há décadas.
É verdade também que os Princípios para Responsabilidade Bancária da ONU não obrigam as instituições financeiras a cortar créditos ou deixar de participar de fundos de investimentos. Por isso, muitas delas mantêm relações financeiras com organizações acusadas – há décadas – de crimes ambientais.
O problema é que muitas instituições financeiras vendem uma imagem de “sustentabilidade socioambiental” que não condiz com seus investimentos. Para Guilherme Cavalli, coordenador da campanha “Desinvestimento em Mineração” e organizador do encontro entre líderes comunitários e bancos alemães “é lamentável a falta de consciência de muitos investidores que continuam presentes, por exemplo, nos fundos dessas empresas”.
O que dizem os bancos
No encontro com as lideranças brasileiras na Alemanha ocorrido em março, estiveram presentes o banco Deutsche Bank, além do Union Investment e DZ Bank. Segundo um levantamento de 2022 da Facing Finance, os dois últimos não aparecem como investidores da Vale, mas, sim, da mineradora Anglo American, que também é acusada de violações em países latino-americanos.
Especificamente sobre Brumadinho e Piquiá de Baixo, o Union Investment, braço de investimentos do DZ Bank Group, disse à DW Brasil que cortou a Vale do seu portfólio de clientes, após “respostas insuficientes da mineradora” na sequência do acidente do rompimento da barragem em 2019.
Já o DZ Bank, que é signatário dos princípios da ONU, disse que não comentaria relações individuais com seus clientes.
Dados pesquisados pela Facing Finance em janeiro de 2022 mostram que três instituições financeiras alemãs investiram na mineradora Vale. O Deutsche Bank, também por meio da sua Asset Manager DWS, teria investido cerca de 69 milhões de euros na empresa. O Allianz e seus grupos 369 milhões de euros, e o Deka, 24 milhões de euros.
Enquanto isso, a Vale ainda mantém barragens em risco. Algumas delas, são maiores que a de Brumadinho. Atualmente, existem 41 barragens de mineração em situação de emergência em todo o Brasil. A maioria delas – incluindo as três barragens mineiras classificadas como de maior risco – são da Vale. Os dados são do relatório mensal da Agência Nacional de Mineração, referentes a março.
A DW Brasil entrou em contato com o Deutsche Bank, o Allianz e o Deka para questionar se têm conhecimento de que a Vale mantém barragens em situação de risco e o que eles têm feito para que seus investimentos na empresa estejam vinculados a projetos que sigam as melhores práticas socioambientais, de acordo com os princípios da ONU.
O Deutsche Bank, signatário dos princípios da ONU, não deu uma resposta concreta sobre continuidade de investimentos apesar das barragens em risco da mineradora, porém afirmou que o encontro com líderes comunitários de Brumadinho e Piquiá de Baixo “é um dos exemplos do seu engajamento contínuo com representantes da sociedade civil”.
O grupo Allianz, que não se reuniu com as lideranças comunitárias na Alemanha, não respondeu aos questionamentos da DW Brasil e não esclareceu se é signatário dos príncipios da ONU.
O Deka, que também não esteve no encontro, diferenciou os seus portfólios de investimentos. Disse que no âmbito do portfólio de Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG) não investe na mineradora, pois “a Vale é classificada como não investível devido a questões ambientais e sociais”. Porém, nos seus “portfólios não sustentáveis”, mantém “algumas posições muito pequenas”. Por ser uma empresa de gestão de fundos, o Deka não é signatário dos Princípios para Responsabilidade Bancária, mas dos Princípios para Investimentos Responsáveis da ONU.
TÜV Süd
O caso de Brumadinho não se restringe à Vale, mineradora brasileira que quadriplicou seu lucro nos últimos anos. Após concluir a segunda fase de investigações, em novembro passado, a Polícia Federal indiciou 19 pessoas, a Vale e a empresa responsável pela auditoria da barragem, a TÜV Süd, pelo rompimento da barragem.
Segundo a ONG Facing Finance, as instituições Deutsche Bank, Landesbank Baden-Wurttemberg, UniCredit SpA, Commerzbank AG e HSBC Holdings PLC (UK) concederam juntas em 2021 um empréstimo no valor de 300 milhões de euros à TÜV Süd, empresa que é acusada de ter falsificado a certificação da barragem de mineração de Brumadinho pouco antes do desastre.
Não há nada ilegal em conceder créditos à TÜV Süd. Mas nenhuma das instituições financeiras mencionadas respondeu concretamente à pergunta da DW Brasil sobre como trabalharam em conjunto com os seus clientes – alegadamente também a certificadora alemã – para garantir os padrões de responsabilidade ambiental, segundo preveem os princípios para investimentos socialmente responsáveis da ONU.
Diante da gravidade dos problemas enfrentados, os casos de Brumadinho e Piquiá de Baixo também foram denunciados pelos líderes comunitários brasileiros na última quinta-feira (07/04) à representação francesa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Eles denunciaram o governo brasileiro, mas apontam que se bancos cortassem investimentos em empresas acusadas de violar direitos humanos e ambientais, muitos projetos controversos não sairiam do papel.
Fonte: Deutsche Welle