A localização geográfica e a topografia fazem de Bangladesh um dos países mais propensos a inundações do mundo.
Isso também significa que o país é particularmente vulnerável ao aumento do nível dos mares, uma das consequências mais graves das mudanças climáticas.
Para milhões de habitantes do país, o avanço do oceano já é uma realidade.
Jashim Salam viu inundações durante toda a sua vida, mas o que o fotógrafo independente estava testemunhando em 2009 parecia estranhamente diferente.
As águas invadindo Chaktai, o bairro da cidade de Chittagong em que ele nasceu e cresceu, continuaram subindo mesmo depois que a chuva passou.
“Estávamos acostumados a inundações provocadas por fortes chuvas ou furacões”, diz Salam à BBC.
“Mas, naquele dia, vi muitas casas sendo inundadas e não havia chuva — o sol estava brilhando.”
A inundação havia sido causada por uma ressaca da maré nas águas da Baía de Bengala, e a costa de Chittagong, um dos portos mais antigos do mundo, estava particularmente em risco.
Com a câmera na mão, Salam começou a tirar fotos da situação nas ruas de Chaktai.
País de baixa altitude
Documentar o aumento das águas consumiria muito mais tempo de Salam: as inundações eram um sinal de que o aumento do nível do mar estava se tornando uma preocupação constante para Chittagong e o resto de Bangladesh.
Bangladesh é um país de baixa altitude, o que significa que a maior parte de suas terras está próxima ou até mesmo abaixo do nível do mar.
Isso o torna particularmente vulnerável ao processo no qual as temperaturas globais mais quentes provocam um aumento no nível do mar ao adicionar água do derretimento das camadas de gelo e geleiras, e pela expansão da água do mar à medida que esquenta.
No caso de Chittagong, há um complicador a mais: a cidade costeira está afundando.
Cidades afundando
Em março deste ano, a revista Geophysical Research Letters publicou uma análise de dados de satélite de 99 cidades costeiras ao redor do mundo.
Os pesquisadores calcularam o quanto essas cidades foram afetadas pela chamada subsidência de terras — um processo no qual a terra se assenta e compacta por conta de atividades como extração de água subterrânea, que está ligada ao crescimento populacional e à rápida urbanização.
Eles descobriram que 33 cidades afundaram mais de um centímetro por ano entre 2015 e 2020, cinco vezes a taxa global de aumento do nível do mar estimada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês).
Chittagong está entre as 10 primeiras da lista.
Os pesquisadores observaram que “a subsidência mais rápida” estava ocorrendo no sul, sudeste e leste da Ásia. É uma realidade que já causou um problema grave na Indonésia: devido aos altos níveis de subsidência de terras, Jacarta deve ser substituída como capital do país por uma nova construída do zero em uma ilha diferente, a 1.300 quilômetros de distância.
“Chittagong é conhecida como a capital financeira de Bangladesh. Há mais de 1,2 mil empresas da indústria pesada que dependem muito das águas subterrâneas”, explica Shamsuddin Illius, jornalista ambiental de Bangladesh, à BBC.
“A terra está afundando ao mesmo tempo em que o nível do mar está subindo. E a cada ano as inundações estão piorando”, acrescenta Illius.
De acordo com Salam e Illius, entre junho e outubro as ruas e casas de várias áreas de Chittagong são frequentemente inundadas duas vezes por dia, uma situação que piora durante a estação das monções em julho e agosto.
Uma pesquisa de 2020 do Departamento de Obras Públicas de Bangladesh estimou que 69% da cidade é afetada pelas marés altas em diferentes graus.
As áreas inundadas incluem Agrabad, um bairro outrora habitado por moradores abastados de Chittagong, de políticos a empresários.
“Agora está quase abandonado”, conta Illius.
“Quem pode se dar ao luxo de se mudar para regiões mais altas já fez isso.”
Jashim Salam e seus irmãos não tinham condições de deixar Chaktai, então recorreram a adaptações como elevar o piso da casa que suas famílias compartilham. Mas a água continuou entrando.
O fotógrafo diz que não são apenas os pescadores de Chittagong que precisam estudar as tábuas de maré.
“As pessoas basicamente tiveram que aprender a conviver com o aumento das águas. Você evita ao máximo sair na maré alta”, explica Salam.
“É frustrante e surreal.”
Mais que um inconveniente
Surreal é um adjetivo que também pode ser usado para descrever sua obra: as fotos de Salam mostram pessoas e famílias — incluindo a sua própria — tentando mostrar normalidade.
Em uma das imagens, crianças veem televisão em uma sala inundada.
“Tive que documentar o que estava acontecendo para mostrar às pessoas em Bangladesh e no exterior que a mudança climática é real.”
É mais que um inconveniente, é um risco para a saúde. A água que vem do mar se mistura às águas do poluído Rio Karnaphuli e do esgoto antes de chegar às casas. Salam diz que infecções de pele são comuns em sua vizinhança.
Os hospitais locais em áreas mais baixas também sofrem inundações. Uma das imagens mais comoventes do fotógrafo mostra um homem idoso sendo empurrado pela água em uma cadeira de rodas no Hospital Geral Materno Infantil, um centro médico local.
“Todos os anos ouvimos dizer que outra parte da cidade agora fica inundada. Tenho uma irmã que mora a 32 quilômetros do nosso bairro e nunca havia enfrentado o aumento das águas. Agora, está enfrentando”, acrescenta o fotógrafo.
As autoridades locais estão tentando mitigar o problema com uma série de projetos de infraestrutura para evitar a invasão da água do mar, desde barreiras contra enchentes até melhorias no controle de drenagem, como dragagem de canais. O trabalho começou em 2017, mas foi seriamente atrasado pela pandemia de covid-19.
No entanto, nada consegue conter o avanço da água do mar e da chuva, observa Salam com um suspiro.
Bangladesh costuma ser classificado como um dos países mais vulneráveis do mundo a desastres relacionados ao clima.
Um relatório do Banco Mundial mostrou que 4,1 milhões de pessoas no país foram deslocadas internamente em 2019 como resultado de eventos desse tipo — e que pelo menos 13 milhões podem enfrentar a mesma situação até 2050.
‘Me considero um refugiado climático’
Salam fez isso voluntariamente. Desde o início do ano, ele está trabalhando em Nova York na tentativa de economizar dinheiro para que sua esposa e filha possam se juntar a ele nos Estados Unidos.
“Eu me considero um refugiado climático. E farei o que puder para alertar as pessoas de que as mudanças climáticas não estão afetando apenas Bangladesh. Basta olhar para as ondas de calor e as tempestades na Europa neste ano”, adverte.
“Mas preciso oferecer à minha filha a chance de uma vida melhor. Quero que ela vá para a escola sem se preocupar com sua saúde ou sua segurança.”
Enquanto isso, a família de Salam — e muitos outros moradores de Chaktai e Chittagong — vão ter que ficar atentos às tábuas de maré antes de sair de casa.
Fonte: BBC