Não é só no sul do Brasil que o processo de criação de Unidades de Conservação está rendendo ao Ministério do Meio Ambiente a acusação de falta de diálogo. Em dois estados, produtores e comunidades do entorno das UCs propostas – cinco no Paraná, três em Santa Catarina – vêm apelando até para medidas judiciais, no intuito de verem definidas prévia e legalmente as atividades produtivas que poderão ter continuidade nas terras envolvidas. (veja abaixo novas informações)
Na terça-feira 24, mais um grupo, desta vez do Mato Grosso, representado pela ONG Instituto Centro de Vida (ICV), expôs suas queixas quanto ao que considerou açodamento do MMA. Sob o título Governo decreta criação da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, mas desconsidera negociações e propostas da sociedade local, a entidade divulgou um comunicado oficial em que discorda da maneira como foi conduzida a criação da Unidade de Conservação, com aproximadamente 350 mil hectares na margem leste da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no extremo sul do Pará. A implantação da Reserva Biológica foi anunciada um dia depois da divulgação dos índices de desmatamento da Amazônia.
“Uma medida em princípio desejável e necessária foi prejudicada pela forma precipitada como foi tomada, desconsiderando dados concretos da realidade local e propostas existentes para a área, construídas com a participação de produtores da região. Isso cria dificuldades que poderiam facilmente ter sido evitadas”, diz um trecho do comunicado oficial (leia a íntegra no final desta matéria).
O Instituto Centro de Vida é autor de um estudo, concebido com a participação da comunidade local, representada pela Associação de Produtores Rurais do Vale do XV. Com base nesse trabalho, vinha sendo debatida a proposta de criação de um Parque Nacional e uma Área de Proteção Ambiental – APA. “Essa proposta, oriunda de um processo de diálogo iniciado e incentivado pelo próprio Governo Federal (no âmbito do Plano BR-163 Sustentável e outros programas na região), foi simplesmente desconsiderada, sendo descartada até a realização de consulta pública”, reclama o ICV no comunicado.
A posição do Ministério do Meio Ambiente
O diretor de Áreas Protegidas do MMA, Maurício Mercadante, admite que a criação da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo teve toda uma conotação de ordem política. “Isso tem que ser visto em um contexto de luta, de quase uma guerra para derrubar os índices de desmatamento na Amazônia, que todos reconhecem terem sido excessivamente altos”, diz.
Segundo ele, quando se anuncia a criação de uma Unidade de Conservação, essa medida costuma estimular o desmatamento, na tentativa de descaracterizar a área em sua importância ambiental e, com isso, eliminar a justificativa que embasaria a UC no nascedouro.
Como exemplo concreto de que tal procedimento é real, Mercadante cita a Estação Ecológica da Terra do Meio e o Parque Nacional da Serra do Pardo, ambos no Pará. “Em 2004, estava prevista a criação dessas UCs e a taxa de desmatamento na região teve um aumento da ordem de 400%”, diz ele.
Com o objetivo de deter agressões movidas pela perspectiva de futuras Unidades de Conservação, o Governo Federal editou um Decreto, limitando e/ou suspendendo atividades produtivas em 8,2 milhões de hectares na área de influência da BR 163, no Pará. A determinação estaria em vigor pelo prazo de seis meses, renovável por mais seis.
O Decreto antecipa os termos da Medida Provisória 239, hoje na pauta de votação do Congresso Nacional. A MP introduz a Limitação Administrativa Provisória na Lei do SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação), sancionada em 18 de julho de 2000, para estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. A Limitação Administrativa Provisória seria justamente um instrumento para impedir, com base legal, que se descaracterize ambientalmente uma área na qual está proposta a criação de uma ou mais UCs.
Maurício Mercadante explica que, como havia um grande risco da MP 239 ser rejeitada no Congresso e o decreto, assim, perder sua eficácia, o Governo resolveu sinalizar claramente que está disposto a prevenir e controlar o desmatamento na Amazônia. Daí a criação, em caráter emergencial, da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, categoria de UC em que não há obrigatoriedade de realização prévia de consulta pública, conforme o parágrafo 4° do Artigo 22 da Lei do SNUC.
Mas por que os parlamentares brasileiros haveriam de rejeitar uma Medida Provisória que, em tese, ajudaria a conter o avanço sobre uma floresta considerada patrimônio ecológico de importância planetária? “Há uma resistência grande à MP, especialmente nos setores interessados no modelo de ocupação da Amazônia vigente hoje”, coloca Mercadante, assumindo que a Rebio da Serra do Cachimbo foi a tentativa de passar um recado: “com ou sem a 239, o Governo não vai titubear na tomada de decisões”.
Espera-se que tamanha determinação saia do campo das boas intenções emergenciais e passe à prática, contínua e eficiente. Os 26.100 Km2 de floresta desmatada em apenas um ano são uma prova viva – ou melhor, morta – de que o Governo já titubeou demais.
Comunicado sobre o processo de criação da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo
Governo decreta criação da Reserva Biológica das Nascentes da Serra do Cachimbo, mas desconsidera negociações e propostas da sociedade local
O Instituto Centro de Vida – ICV – vem a público declarar a sua discordância com o encaminhamento dado pelo Governo Federal ao criar, no dia 20 de maio de 2005, sem realização de consulta pública, a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, com aproximadamente 350 mil hectares na margem leste da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), no extremo sul do Pará.
Não resta dúvida que essa área tem importância estratégica para a conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos, pois abriga as nascentes de mais de vinte importantes rios das bacias do Tapajós e do Xingu. Portanto, a criação de uma unidade de conservação no local era uma necessidade, facilitada ainda pelo fato da maior parte da área ter solos arenosos sem potencial produtivo. Portanto, uma medida em princípio desejável e necessária foi prejudicada pela forma precipitada como foi tomada, desconsiderando dados concretos da realidade local e propostas existentes para a área, construídas com a participação de produtores da região. Isso cria dificuldades que poderiam facilmente ter sido evitadas.
A área tem cerca de 26 mil hectares alterados (aproximadamente 8% do total), entre fazendas de gado e áreas degradadas pelo fogo, e cerca de dez estradas no seu interior. Isso demonstra a necessidade de um conhecimento detalhado da situação e de um processo de diálogo com os responsáveis pela ocupação atual para estabelecer uma unidade de conservação. Esse diálogo estava em andamento, através de um estudo sendo realizado pelo ICV, com a participação dos setores locais, representados pela Associação de Produtores Rurais do Vale do XV. Através desse trabalho estava sendo elaborada uma proposta de criação de um um Parque Nacional e uma Área de Proteção Ambiental – APA. O Parque Nacional, permite alcançar os objetivos de conservação da biodiversidade e proteção das nascentes, e ainda aproveitar o potencial da área para turismo ecológico. A APA, categoria de uso sustentável, permite ordenar e incentivar as atividades produtivas no entorno do parque.
Essa proposta, oriunda de um processo de diálogo iniciado e incentivado pelo próprio Governo Federal (no âmbito do Plano BR-163 Sustentável e outros programas na região), foi simplesmente desconsiderada, sendo descartada até a realização de consulta pública.
Diante desse quadro, espera-se que o Governo busque readequar os limites e a categoria da unidade de conservação, negociando as propostas dos setores locais, numa perspectiva que inclua a possibilidade de compensação de reservas legais e de regularização fundiária. O ICV se propõe a continuar os estudos na região, buscando contribuir para a construção de soluções sustentáveis com a participação da sociedade local.
EXTRA: Justiça suspende temporariamente criação de UCs no Sul
ambientebrasil acaba de ser informado que o Tribunal Regional Federal da 4a. Região concedeu a tutela recursal para suspender, até o julgamento de recurso, “todo e qualquer procedimento de criação das Unidades de Conservação da Região dos Campos Gerais (Parque Nacional dos Campos Gerais, Reserva Biológica das Araucárias e Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi)”.
As Unidades de Conservação cuja criação fica agora suspensa são no Paraná. O despacho, datado de dia 30 de maio, é assinado pela desembargadora federal Sílvia Goraieb, relatora.