Uma decisão judicial, assinada na segunda-feira 30 pela desembargadora federal Sílvia Goraieb, concedeu liminar para suspender, até o julgamento do recurso, “todo e qualquer procedimento de criação das Unidades de Conservação da região dos Campos Gerais”. São elas: Parque Nacional dos Campos Gerais, Reserva Biológica das Araucárias e Refúgio de Vida Silvestre do Rio Tibagi. Somadas, as três abrangem uma área de 69.525 hectares.
No dia 19 passado, a Justiça Federal de Ponta Grossa já havia determinado a suspensão da criação das mesmas UCs, por supostas irregularidades no processo, sobretudo no que se refere às consultas públicas, cuja convocação não teria observado os trâmites legais. A ação é de autoria de duas cooperativas de produtores – Cooperagrícola e Cooperponta.
Desta vez, o pedido de liminar foi feito por 64 moradores da região, a maior parte dos quais trabalhadores na agricultura e na pecuária – ou em ambos -, representados pela advogada paranaense Samanta Pineda.
Em sua argumentação, ela coloca que os autores da ação não foram devidamente convocados para participar da “suposta consulta pública ocorrida no Município de Ponta Grossa em 18 de abril, ocasião em que foi comunicada (grifo da advogada) a criação das citadas UCs”.
Aos autos, foram anexados documentos demonstrando que, por ocasião da consulta, os limites das Unidades já haviam sido estabelecidos. Outra razão alegada por Samanta é que não teriam sido feitos os estudos técnicos exigidos em lei, os quais deveriam estar disponíveis à população antes da ocorrência da consulta pública. “Vários foram os pedidos ao Ibama para que disponibilizasse os aludidos estudos, inclusive pedidos judiciais, todos sem sucesso”, argumenta.
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Samanta Pineda alega ainda, na ação, que, diante da falta de conhecimento dos órgãos competentes sobre os locais, muitos fatores relevantes para a efetividade da proteção ambiental e para o gasto coerente do dinheiro público foram ignorados. “Pela simples análise das fotos aéreas pode-se perceber, por exemplo, no Parque Nacional dos Campos Gerais, que importantes maciços florestais foram deixados de fora dos limites do Parque, enquanto áreas completamente antropizadas e cultivadas foram incluídas. As bacias hidrográficas também não foram consideradas”, diz um trecho.
A falta da participação da população local na delimitação das UCs, na Região Sul do país, vem provocando revolta e acusações ao Ministério do Meio Ambiente. No Paraná, representantes de mais de 25 municípios subscreveram um documento, enviado à ministra Marina Silva, manifestando o desejo de que fosse abertos novos canais de diálogo no processo de implantação das UCs. Entre os prefeitos que assinaram a solicitação estão os de Ponta Grossa, Imbituva, Teixeira Soares, Palmeira, Carambeí, Ipiranga e Castro, além da Associação dos Municípios dos Campos Gerais, que representa mais dezenove cidades da região.
Enquanto isso, os ambientalistas lamentam o atraso na implantação das UCs, temerosos de que ele possa resultar em danos às áreas propostas. “Essa decisão vai dar o tempo necessário para que tudo seja aniquilado de forma irreversível”, prevê Lídia Lucaski, presidente da ONG Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR. Para ela, a notícia de mais uma decisão judicial favorável aos produtores da região, é “frustrante e grave”.
Para a advogada Samanta Pineda, esse receio de que as propriedades sejam destruídas ou desmatadas na tentativa de descaracterizar as áreas passíveis de proteção não se justifica. “A lei disponibiliza instrumentos adequados para que tal conduta seja evitada e, nos Campos Gerais, existem proprietários que estão há sete gerações na terra”, diz ela, para quem aquela região é um exemplo de desenvolvimento sustentável, por concentrar “o maior índice de reservas legais averbadas e as áreas de preservação permanente mais íntegras do país”.
Lídia Lucaski esteve presente na consulta pública realizada em Ponta Grossa e discorda que os esclarecimentos por parte do Ibama tenham sido insuficientes – um dos argumentos da ação judicial. “Havia só uma meia dúzia de proprietários indignados. A maioria da população não tem ganância desmedida”, analisa a ambientalista, advertindo que “o ser humano está cavando a própria sepultura”. “A cada bioma que é aniquilado, nós morremos também”.
“Só o que está se pleiteando é diálogo”, alega Samanta Pineda, lembrando que a liminar pede a suspensão do processo “até que sejam realizadas novas consultas públicas e disponibilizados os estudos técnicos pertinentes”.
Procurado por ambientebrasil, o biólogo Maurício Savi, coordenador da força-tarefa criada pelo Ministério do Meio Ambiente para definir onde deveriam ser implantadas as UCs de proteção às araucárias, disse que ainda não tinha conhecimento da decisão judicial. “Quando as coisas forem esclarecidas, inclusive com provas documentais, não tenho dúvidas de que essa decisão será revertida”, afirmou.
A procuradora do Ibama no Paraná, Andréa Vulcanis, não havia sido notificada ainda e antecipou que, provavelmente hoje, estaria entrando com o recurso contra a liminar anterior, também suspendendo a criação das UCs da região dos Campos Gerais, concedida pela Justiça Federal de Ponta Grossa no dia 19 passado. Segundo ela, toda a documentação referente aos processos está sendo compilada, o que demanda algum tempo, diante do volume de informações. “São mais de 1500 páginas”.
ambientebrasil tentou ouvir também o secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, mas ele passou a tarde em reuniões no Palácio do Planalto. No início deste mês, ao ser indagado sobre a possibilidade de que os setores produtivos das UCs e de seu entorno apelassem para a Justiça, Capobianco não se abalou. “Medida judicial é um direito de todos. Estamos seguros do que estamos fazendo”, disse então.
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