Mônica Pinto/AmbienteBrasil
As questões salariais e de carreira costumam ser o prato principal – se não o único – a alimentar movimentos grevistas no serviço público. Mas o estado de greve decretado desde a segunda-feira passada, pelos servidores do Ibama no Distrito Federal, traz à baila discussões que transcendem os bolsos da categoria. Muito mais abrangentes, elas suscitam sérias reflexões sobre os rumos da política ambiental hoje praticada pelo Governo do Brasil.
Na Assembléia realizada no auditório da sede do Ibama em Brasília, 307 servidores foram unânimes em declarar-se contra o Projeto de Lei 4.776/05, que trata da gestão de florestas públicas. O PL vem sendo reprovado na base do Instituto desde a sua formatação inicial (veja manifesto no final dessa matéria) e as críticas que gravitam em volta dele tampouco arrefeceram após as emendas encaminhadas ao relator, deputado Beto Albuquerque (PSB/RS).
A principal queixa dos servidores diz respeito à criação do Serviço Florestal Brasileiro – SFB -, que retira do Instituto atividades hoje sob sua alçada na área florestal. A Associação dos Servidores do Ibama no Distrito Federal registrou na ata da reunião de segunda-feira que, devido à mobilização do pessoal do Instituto, foram conseguidos alguns avanços no substitutivo do PL, já aprovado pela Comissão Especial da Câmara e encaminhado para a apreciação dos deputados. Entre estes avanços, estão a retirada do artigo que transferia 150 cargos vagos de Analista Ambiental do Ibama para o Serviço Florestal Brasileiro e do que estabelecia a transferência irrecusável de servidores públicos para o SFB. Outro ponto bem sucedido foi a garantia de recursos para o Ibama, destinados principalmente às atividades de controle e fiscalização.
Apesar dessas vitórias pontuais, a condenação dos servidores do Ibama ao Projeto de Lei proposto pelo Governo Federal é preocupante, justo por seu caráter unânime. Na qualidade de protagonistas na execução das políticas públicas na área ambiental, a reprovação por parte dessa categoria levanta a suspeita de que o projeto acabe natimorto em seus objetivos e, pior, no respeito a suas premissas. Afinal, quem está a condenar o PL 4.776/05 não são leigos, críticos de ocasião. É, figurativamente, o “sangue” do órgão de controle e fiscalização ambiental do país.
No manifesto assinado por todas as Associações de Servidores do Ibama – Asibamas – do país, e por inteligências notórias no meio acadêmico, o PL da gestão de florestas é colocado como “principal instrumento visando a internacionalização da Amazônia”. Entre as classificações a que fez jus estão “inadequado”, “inconstitucional” e “altamente lesivo aos interesses do País”. Ao fim do manifesto, a base do Ibama sugere a “total rejeição” do Projeto de Lei 4.776/05 pelo Congresso Nacional.
É de se perguntar o que os dirigentes do Ibama estão fazendo a respeito dessa dissensão que, obviamente, compromete qualquer eventual mérito do PL sobre a gestão de florestas. A resposta pode estar em mais um problema levantado na assembléia dos servidores do Ibama no Distrito Federal, na segunda-feira passada. No encontro, foi decidida a manutenção do “estado de greve”, com o seguinte argumento, registrado em ata:
“a paralisação dos servidores do Ibama neste momento acarretaria no fortalecimento de setores econômicos, políticos, do MMA e do próprio Ibama interessados no enfraquecimento da Instituição e na aprovação do PL 4.776/05, de gestão de florestas públicas”.
É de suma gravidade esse entendimento – repita-se, nascido e vicejando no âmbito dos servidores do Ibama. Seria de bom tom que alguém do Governo Federal viesse a público esclarecer porque existiriam “pessoas interessadas no enfraquecimento do Instituto”, inclusive dentro do Ministério do Meio Ambiente, ao qual o Ibama é subordinado.
Não chega a ser novidade que grande parte das funções diretivas do Ibama foi distribuída entre quadros do PT em todos os estados. Delegar cargos comissionados a pessoas de confiança do partido no poder – e da base aliada – é prática recorrente em todos os governos. Já perigosa em sua essência, essa prática tem seus efeitos constantemente piorados pelo fato de os profissionais bafejados pela sorte nem sempre corresponderem em talento ao que se espera deles. No caso do Ibama, os servidores de carreira do Distrito Federal não estão satisfeitos com alguns desses “eleitos”. Registraram também em ata seu repúdio quanto “a apropriação do controle de unidades e atividades estratégicas do Ibama por setores econômicos e políticos, que trazem para o Instituto pessoas com outros interesses, que não necessariamente aqueles da sociedade brasileira.”
Em nota à sociedade, os servidores do Distrito Federal registram que “o índice vergonhoso do desmatamento de 6,4%, no período de 2003 a 2004, o que significa uma área de 26.130km2 de floresta, na Amazônia Legal, é apenas um dos graves problemas que justificam o posicionamento e a denúncia dos Servidores sobre o DESMONTE DA INSTITUIÇÃO IBAMA”.
Novamente, seria bom alvitre que o Governo Federal explicasse porque acusação tão grave brota em suas próprias hostes. Talvez a limpeza promovida pela Operação Curupira, da Polícia Federal, aprovada pelos servidores de carreira do Ibama, deva ser estendida a outros gabinetes. Um bom passo nesse sentido também já foi dado pela Asibama do Distrito Federal, que pretende exigir a “apresentação imediata, por parte da Direção do Ibama, da relação dos cargos comissionados do órgão, constando o vínculo institucional, a lotação e tempo frente ao cargo”. Espera-se que sejam atendidos em nome da transparência, atributo que, no poder público, é uma obrigação.
Em nota pública divulgada pelo Ibama da Bahia – em greve desde o dia 02 passado -, a decepção com a situação atual do órgão fica patente. “O desmantelamento dos serviços públicos iniciado na década de 80 ganhou contornos trágicos ao final do mandato de FHC. E agora, para a estupefação da maioria, que via no Partido dos Trabalhadores um contraponto ao estado mínimo neoliberal, o desaparelhamento do estado tornou-se de tal forma dramático no governo de Lula que até mesmo a imprensa – sempre ávida em enxergar marajás onde existem simplesmente servidores – viu-se na obrigação de denunciar o sucateamento dos órgãos públicos federais, notadamente aqueles que se opõem à idéia do desenvolvimento a qualquer preço, como é o caso do IBAMA e MMA”, diz o documento (leia matéria sobre o assunto publicada em ambientebrasil: REPORTAGEM ESPECIAL: No Dia Mundial do Meio Ambiente, o melhor presente é mais dinheiro para o setor
Enquanto isso, o movimento paredista do Ibama em todo o país supera 65% de adesões. A maior parte dos Estados aguardava a posição do Distrito Federal, que optou pelo “estado de greve” em função das razões já expostas. As exceções ficam por conta da Bahia, de Goiás e do Mato Grosso, que já paralisaram totalmente suas atividades.
A QUESTÃO FLORESTAL BRASILEIRA: MANIFESTO À NAÇÃO
O Projeto de Lei (nº 4.7776/05), recém encaminhado pelo Executivo, governo Luiz Inácio Lula da Silva, ao Congresso Nacional, para apreciação e deliberação em “regime de urgência”, objetivando a “gestão de florestas públicas” em todo o território nacional, mas com ênfase à Região Amazônica, em nosso entendimento constitui motivo da mais grave preocupação.
Nesse sentido, toma vulto a intenção clara e transparente em considerar os recursos florestais brasileiros, que se encontram em terras da União, dos Estados e Municípios, como meros recursos de interesse mercadológico e, portanto, sujeitos à comercialização e consumo sob formas as mais variadas.
Tanto assim, que a um mesmo tempo em que se passa a exigir a implantação do chamado “manejo florestal sustentado” para as novas explorações madeireiras, introduz-se um conjunto de mecanismos e favorecimentos que só tendem a beneficiar as grandes corporações, entre nacionais e estrangeiras, do tipo madeireiras asiáticas e européias, reconhecidamente as maiores promotoras dos desmatamentos e exportações de madeiras em nível mundial.
O simples destaque a alguns dispositivos, de um total de 83 (oitenta e três), inclusos nesse Projeto de Lei (nº 4.776/05) é suficiente para retratar a gravidade e os possíveis reflexos do que já está sendo considerado como principal instrumento visando a internacionalização da Amazônia, no curto prazo, e a saber: 1) concessões de grandes glebas de florestas, através de leilões, para explorações madeireiras, por prazos que podem alcançar até 60 (sessenta) anos, em uma inquestionável cessão de territórios; 2) possibilidade de formação de grandes consórcios empresariais; 3) possibilidade de terceirizações das atividades; 4) possibilidade de obtenção de financiamentos, pelas empresas concessionárias, a partir da garantia (hipoteca das florestas) dos produtos a serem obtidos; 5) criação de Autarquia, na estrutura do Ministério do Meio Ambiente, desvinculada do IBAMA, para gerir os empreendimentos, em 23 diferentes atribuições e transformando-a em uma verdadeira Agência Reguladora; e 6) transferência de poder aos Municípios para realização, também, das tais “concessões florestais”, através de leilões apropriados.
Fácil verificar, pela interação dos destaques, que a presente proposta do Executivo (governo Lula/Ministério do Meio Ambiente), para gestão das florestas públicas brasileiras, com ênfase à Amazônia, jamais poderá ser apreciada pela via do Regime de Urgência, como proposto. Apresentando-se, de outra parte, o Projeto de lei (4.776/05), em seu conteúdo globalizante, reflexos e possíveis desdobramentos regionais e mesmo internacionais, como inadequado, inconstitucional e altamente lesivo aos interesses do País. Razão pela qual, nos permitimos sugerir a sua total rejeição pelo Congresso Nacional, mesmo porque os benefícios e favorecimentos em causa, jamais foram oferecidos aos brasileiros que, secularmente, vivem e dependem da floresta, o que também, nos parece imperdoável e incompreensível.
Apoiadores:
Prof. Bautista Vidal (Físico/Instituto do Sol); Prof. Aziz Ab’ Saber (geógrafo/ex-presidente da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência); Horácio Martins de Carvalho (Eng. Agrônomo e Ex-Presidente da ABRA); Flávio Gárcia (Eng. Agr./ex-diretor da ABRA – Associação Brasileira de Reforma Agrária); Ronaldo Conde Aguiar (ex-presidente da ASCON – Associação dos Servidores do CNPq/MCT; CONDSEF – Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal e suas Entidades Filiadas; Asibamas – Associações dos Servidores do IBAMA; Dep. Fed. Baba/PA.