EXCLUSIVO: Riqueza retirada do lixo

Danielle Jordan / AmbienteBrasil

O conceito da palavra lixo pode ser muito amplo. Segundo a definição do Dicionário Aurélio, lixo é “tudo o que não presta e se joga fora. Coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor ”. Mas, como o que não serve mais para alguns pode ser muito útil para outros, o conceito mantém sua abrangência.

Em Salvador (BA), o presidente de uma cooperativa de reciclagem pode comprovar esta afirmação. A partir do material coletado pelos cooperados, ele planeja montar uma biblioteca ainda este ano. José Elias Bezerra, mais conhecido como “Ceará”, calcula que até o momento foram coletados cerca de mil títulos. Ele afirma que se desfez de alguns, doou para amigos, mas o acervo ainda é grande. Ele enumera diferentes títulos, de autores consagrados como Machado de Assis e Ruy Barbosa, e uma coleção completa de um curso de inglês. Entre o material coletado, já foi encontrado também um disco de vinil com o Hino Nacional e uma coleção completa da MPB. “Com biografias e tudo, são 52 volumes, incluindo Milton Nascimento”, destaca.

A cultura contida nos livros seria jogada fora, não fossem iniciativas como esta. “Muita gente guarda as coisas e prefere jogar no lixo a dar para outras pessoas”, explica Ceará. Além dos livros, ele aponta diversos objetos curiosos, que já foram descartados. Já foi encontrada até uma barraca de camping nova – “na caixa ainda, do jeito que saiu da loja”, diz. Outra relíquia guardada por Ceará é um pacote com 500 moedas de centavo de dólar. O material recolhido dos navios de turistas que chegam à capital, como roupas, sapatos, e até máquinas de lavar e de secar, também ajuda muita gente, segundo ele.

Uma máquina de fabricação de fraldas, em perfeito funcionamento, ainda aguarda um destino na cooperativa. Segundo o presidente, o material coletado muitas vezes é distribuído entre os cooperados ou doado, de acordo com as necessidades de cada grupo.

Ceará destaca a importância do trabalho desenvolvido na cooperativa, mas lamenta o desestímulo do mercado. Segundo ele, os preços sofreram uma grande queda, desde quando a cooperativa foi aberta, há dois anos. O valor praticado para a compra de um quilo de garrafas PET, que era de R$ 1,40, caiu para R$ 0,60. O papel branco que era vendido por R$ 0,60 o quilo hoje não passa dos R$ 0,18. “Até a febre da latinha passou”, diz, recordando de um momento em que as latas de refrigerante e outras bebidas possuíam um valor mais atrativo. “Várias cooperativas em Salvador estão prestes a fechar”, antecipa.

O governo precisa valorizar o trabalho dos recicladores, segundo Ceará, que demonstra grande consciência de sua responsabilidade. Problemas que antes eram comuns à comunidade, como alagamentos, de surtos de hepatite, e com insetos, deixaram de existir, depois da criação da cooperativa. O recolhimento do material alivia, também, a pressão nos aterros sanitários, que deixam de receber toneladas de materiais que podem ser reaproveitados e reciclados. “Veja quanto um grupo desses – de reciclagem – economiza ao governo”, comenta Ceará, cobrando uma maior atenção por parte dos poderes públicos.

As histórias curiosas contadas por ele chamaram a atenção Antônio Henrique Peixoto de Almeida, estudante do curso de Jornalismo da Faculdade Social da Bahia – Fsba . “Em um lugar rústico, onde o piso ainda é de terra batida, situado no Engenho Velho de Brotas, ‘Ceará’ montou um depósito onde guarda o lixo recolhido, todos os dias, pelos catadores da cooperativa que preside”, descreve, em uma matéria de sua autoria, publicada pela Agência Baiana de Notícias.

Iniciando na profissão, Antônio afirma que prefere escrever matérias com uma visão mais positiva, acreditando que desta forma pode contribuir para que os bons exemplos se multipliquem. “Fala-se em geral nos temas como poluição, esgotos abertos e queimadas, mas as vezes se esquecem de que há hoje a reciclagem, e pessoas que fazem trabalhos muito bons como Ceára”.

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* Crédito da foto: Antônio Henrique Peixoto de Almeida