Lixo eletrônico: o que é e porque é importante reciclá-lo

O descarte de aparelhos obsoletos ou quebrados continua aumentando. Mas, para os especialistas, sua reciclagem reduz o impacto ambiental e serve como modelo de negócio.

Uma zona de despejo comunitário na Cidade da Guatemala. Segundo relatório da ONU, o Monitor Regional de Lixo Eletrônico para América Latina 2021, 13 países da região são responsáveis por 1,3 milhão de tonelada de lixo eletrônico por ano. Menos de 3% disso é reciclado. 
FOTO DE LYNN JOHNSON

A TV não tem mais conserto, o smartphone ficou ultrapassado, e tem um monte de pequenos gadgets ocupando uma gaveta no fundo do armário: nos tempos de hoje, essa situação é das mais comuns na casa de qualquer pessoa. Mas o descarte dos eletroeletrônicos está longe de ser tão popular quanto a facilidade com a qual eles chegam aos consumidores. O lixo eletrônico, ou e-waste (como é chamado em inglês), é um problema a ser resolvido com reciclagem especializada. 

Números do Monitor Global de Lixo Eletrônico 2020 da ONU comprovam isso. O mundo gera mais de 50 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano – o equivalente ao peso de 265 baleias-azuis em celulares, notebooks, eletrodomésticos e outras peças eletrônicas descartadas –, na maioria das vezes, de forma incorreta. 

O que é lixo eletrônico

Também chamado de Resíduos de Equipamentos Eletroeletrônicos (ou REEE), o documento Uma definição global de E-waste da Universidade das Nações Unidas, os definem como os rejeitos resultantes de equipamentos que demandam energia para o seu funcionamento e que, quando descartados, contam com uma bateria ou um plug. Por serem feitos com alta tecnologia, esses resíduos podem conter substâncias tóxicas e metais pesados, como o chumbo, mercúrio, cromo e cádmio por exemplo, capazes de contaminar o solo, a água e os alimentos – impactando tanto o ambiente quanto a saúde humana. 

Por outro lado, continuando a citar os dados do Monitor Global de Lixo Eletrônico, os REEE possuem materiais de valor em sua composição, como ouro, cobre, prata, platina e outros metais preciosos, que são recuperáveis por meio da reciclagem, o que significa o resgate de bilhões de dólares em matérias-primas minerais.  

“A reciclagem de aparelhos eletrônicos têm mais potencial do que só reduzir os impactos do descarte de resíduos. É também uma alternativa à mineração convencional que pode gerar novos modelos de negócio gerando empregos, contribuindo para uma economia circular e à controlar a emissão de gases de efeito estufa”, disse Lúcia Helena Xavier, pesquisadora do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) em entrevista à National Geographic.  

Considerando que apenas um quinto dos REEE gerados no mundo é coletado e reciclado, para a pesquisadora há uma enorme oportunidade para iniciativas de logística reversa a fim de preservar o meio ambiente.

Como acontece a reciclagem de eletrônicos

O processo de reciclagem de equipamentos eletroeletrônicos, assim como outras formas de reciclagem, tem como objetivo fazer com que os materiais usados voltem para a cadeia produtiva novamente. Entretanto, preparar o lixo eletrônico para reuso não é tão simples quanto reciclar papel ou alumínio, por exemplo. 

“Os resíduos eletroeletrônicos são muito complexos. Você vai ter – além dos metais – plástico e outros tipos de polímeros misturados naquele equipamento. É uma reciclagem difícil”, explica Ellen Cristine Giese, especialista em bioquímica aplicada e pesquisadora de Processos Metalúrgicos e Ambientais do Cetem. 

Devido à essa complexidade, a especialista conta que os REEE são separados em oito categorias: eletrodomésticos (fogão, geladeira), eletroportáteis (ventilador, liquidificador), monitores, tecnologia da informação e telecomunicações (celulares, computadores), fios e cabos, pilhas e baterias, iluminação e painéis fotovoltaicos. O processo para reciclar um eletrônico começa quando é determinado o fim da vida útil deste aparelho.

De acordo com o relatório do Projeto DATARE de 2021, coordenado pelo Cetem, se o equipamento fica obsoleto ou sofre algum dano, ele é coletado e transportado até centros de triagem de organizações atuantes em logística reversa, onde são separados por tipologia e seguem para as linhas de tratamento e recuperação de valor. “A partir desse ponto, o material tratado tem que retornar para cadeia produtiva, seja pela recuperação de matéria-prima ou pelo aumento da vida útil do aparelho”, diz Lúcia Xavier. 

Chega o momento, então, de checar qual das técnicas de metalurgia será a mais adequada para a recuperação de valor dos REEE. Entre as principais estão a pirometalurgia, em que partes são submetidos a altas temperaturas para a recuperar metais e ligas metálicas; a hidrometalurgia, na qual o metal é recuperado com o uso de químicos; e a  biohidrometalurgia, em que microorganismos destroem a parte orgânica dos resíduos deixando apenas os metais. 

“Não são processos simples. É necessária uma mão de obra qualificada e capacitada – não no sentido acadêmico, mas sim em saber como manusear esses resíduos com segurança, extraindo o máximo de material valioso”, diz Ellen Giese. “Por isso, e pelo alto valor agregado dos metais recuperados, a reciclagem de eletrônicos também é uma alternativa na geração de emprego e renda.”

Os números do lixo eletrônico  

O Monitor Global de Lixo Eletrônico 2020 da ONU registrou um recorde de 53,6 milhões de toneladas de resíduos eletrônicos gerados em todo o mundo em 2019. Trata-se de um aumento de 21% em apenas cinco anos. De acordo com o relatório, a Ásia gerou o maior volume de REEE naquele ano, cerca de 24,9 Mt, seguido pelas Américas (13,1 Mt) e Europa (12 Mt), enquanto a África e a Oceania geraram 2,9 Mt e 0,7 Mt, respectivamente.

Já de olho apenas na região da América Latina e Caribe, outro relatório da ONU, o Monitor Regional de Lixo Eletrônico para América Latina 2021, mostrou que a geração de lixo eletrônico aumentou 49% em nove anos, de 0,9 Mt em 2010 para 1,3 Mt em 2019. 

O levantamento considerou os 13 países participantes do projeto UNIDO-GEF 5554, que fornece uma avaliação sobre as estatísticas, legislação e infraestrutura de gestão de lixo eletrônico e poluentes orgânicos persistentes na Argentina, Bolívia, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. Líder em rejeitos, o Brasil, que aparece apenas no relatório global da ONU, gera anualmente mais de 2 milhões toneladas de lixo eletrônico. 

Dessas verdadeiras montanhas de lixo eletrônico, o relatório mostra que o mundo coletou e reciclou apenas 17,4% dessa quantidade em 2019. Na América Latina, só 2,7% do total de resíduos eletrônicos foram coletados e gerenciados de maneira ambientalmente correta.

Com o pé no acelerador, o relatório também prevê que o lixo eletrônico global atingirá 74 Mt até 2030, o que significaria que a quantidade de resíduos gerados dobrou em um período de apenas 16 anos. Isso torna o lixo eletrônico o fluxo de lixo doméstico que mais cresce no mundo, alimentado principalmente por maiores taxas de consumo de equipamentos elétricos e eletrônicos, ciclos de vida curtos, e poucas opções de reparo. 

O que é a mineração urbana?

Ainda de acordo o relatório global da ONU sobre o tema, a quantidade de lixo eletrônico descartado incorretamente em 2019 significou US$57 bilhões em ouro, prata, cobre, platina e outros elementos de alto valor que foram, em sua maioria, despejados ou queimados em vez de serem coletados para tratamento e reutilização. 

Segundo Xavier, os materiais valiosos recuperados pela reciclagem incentivam a mineração urbana, como é chamada a obtenção de matérias-primas tendo como fonte os resíduos eletrônicos. “Nesses resíduos você tem ouro, prata, cobre, alumínio, que podem ser coletados e vendidos para reuso na fabricação de novos produtos. Então, você deixa de extrair da fonte primária, em jazidas do minério, para recuperar metais já trabalhados que seriam descartados.”

A pesquisadora exemplificou o possível impacto da mineração urbana comparando com a mineração feita em uma jazida de cobre. Segundo ela, a cada uma tonelada de cobre são gerados 300 vezes mais rejeitos. “Com a reciclagem, deixamos de explorar a natureza e gerar essa quantidade absurda de rejeito. É possível ter um processo mais circular, mais eficiente e, da mesma forma, não descartar um resíduo perigoso no ambiente”, acrescentou a pesquisadora, que enfatiza a ligação da mineração urbana com os conceitos de economia circular. 

“É uma abordagem de redução ou eliminação do desperdício por meio de ciclos otimizados de produtos, componentes, materiais e serviços. E isso tem que vir desde o design inicial do aparelho até a reintrodução de matérias primas na cadeia produtiva”, Xavier complementa sobre o modelo econômico emergente

Lixo eletrônico: um setor econômico

Já para a química Ellen Cristine Giese, se olharmos para a gestão de resíduos eletrônicos como um setor econômico, podemos encontrar mais benefícios nos resultados da mineração urbana, principalmente considerando o cenário econômico e político internacional. “Vimos o fechamento de fronteiras na pandemia e por conta de conflitos internacionais. A mineração urbana configura reservas de metais para o país, sem que seja necessário a extração da fonte primária e de forma independente de outras nações.” 

Para Carlos Alberto Mendes Moraes, engenheiro metalúrgico e professor do programa de pós-graduação em Engenharia Mecânica da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, o interesse econômico por trás da mineração urbana é um dos principais fatores que incentivam a atividade. 

“Se não há interesse de mercado as coisas não acontecem”, diz o professor. “No caso da mineração urbana e reciclagem de eletrônicos esse interesse é o que beneficia ideias de desenvolvimento sustentável porque vale mais a pena recuperar do que descartar.”

Porque reciclar eletrônicos é bom para o meio ambiente

Do ponto de vista ambiental, a alta geração de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos atrelada às baixas taxas de reciclagem a nível mundial demandam maior necessidade de extração de matérias-primas primárias e consequentes maiores níveis de emissões de gases de efeito estufa (GEE). Além disso, o descarte inadequado desses resíduos também configura um enorme perigo de contaminação do solo, água e alimentos devido aos componentes químicos e metais pesados presentes nos equipamentos. 

A mineração urbana, surge como uma alternativa para mitigar tais problemas, pois apresenta significativamente menos danos ao meio ambiente do que a mineração tradicional. Essa é a conclusão de um estudo orientado por Xavier que avaliou se e como a mineração urbana contribui para a redução dos GEE. 

De acordo com a publicação, o gerenciamento inadequado dos REEE é o grande vilão. Por exemplo, em 2019, o descarte de refrigeradores resultou na emissão de 98 milhões de toneladas (Mt) de CO2, representando 0,3% do total das emissões globais do setor energético, segundo dados do Monitor Global de Lixo Eletrônico 2020 da ONU. 

Em comparação, também segundo o relatório da ONU, a reciclagem de ferro, alumínio e cobre evitou a emissão de 15 Mt de CO2 no mesmo ano. “O levantamento mostrou que a reciclagem é definitivamente mais preferível do que o descarte incorreto desses resíduos. Mas, como processo de mineração, ainda há o que melhorar”, comenta Xavier. 

Ainda assim, a mineração urbana não está isenta de impactos ambientais devido às tecnologias disponíveis atualmente para a reciclagem de REEE, as quais variam geograficamente. De acordo com a pesquisa, o alto consumo energético dos métodos de reciclagem, sendo majoritariamente de fonte fóssil, confere uma alta pegada de carbono. 

Por isso, finaliza Xavier, para que a mineração urbana seja mais benéfica, além de aumentar os níveis de reciclagem de REEE, é preciso adotar práticas de produção e consumo mais conscientes. “A reciclagem só funciona se estiver combinada com a conscientização para a redução do consumo e o uso de matrizes energéticas mais limpas. Para fazer a diferença, todo o sistema precisa ficar mais circular, mais eficiente.”

Fonte: National Geographic Brasil