Em abril passado, AmbienteBrasil publicou a matéria EXCLUSIVO – Energia nuclear: sim ou não?, informando que o relatório do Grupo de Trabalho formado no âmbito da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, para discutir a estrutura de fiscalização na área nuclear, chegara a conclusões alarmantes.
Entre elas, o documento coloca que “a estrutura atual da área de fiscalização da radioproteção e segurança nuclear no Brasil apresenta riscos inerentes para a população e o meio ambiente em função da ausência de segregação das funções de regulação, definição de política nuclear e condução das atividades operacionais”.
Os estudos foram provocados pela Associação dos Fiscais de Radioproteção e Segurança – Afen -, entidade fundada em 2000 e mantida pelos profissionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN -, responsáveis diretos pelo exercício da fiscalização das mais de 2500 instalações nucleares e radiativas em operação no país.
Esse trabalho visa garantir à sociedade e ao meio ambiente segurança na utilização da energia nuclear para fins pacíficos. Seus associados são servidores públicos do Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT -, alocados na CNEN, em sua grande maioria de nível superior: geólogos, físicos, químicos, biólogos, meteorologistas e engenheiros das mais diversas especialidades, com grau de especialização, mestrado ou doutorado.
Os desdobramentos do relatório não se mostraram compatíveis, porém, com a gravidade dos problemas elencados. Num primeiro momento, foi solicitado à Casa Civil, pela presidência da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, em junho, a criação de um Grupo Interministerial, para avaliar as ações a serem realizadas na área de fiscalização e segurança nuclear, tendo como base as conclusões daqueles estudos. Esse pedido ainda encontra-se em tramitação.
“Para não perder as rédeas da questão nuclear, o Ministério da Ciência e Tecnologia criou um Grupo de Trabalho em 10 de julho, através da Portaria 416, pretendendo evitar uma discussão ampla a nível interministerial e manter a discussão sobre as fragilidades da radioproteção e segurança nuclear restrita a sua própria esfera de controle”, diz o diretor presidente da Afen, Rogério dos Santos Gomes.
Em sua análise, as posições do MCT “estão consolidadas pela influência de uma filosofia de caráter miliciano, focada em soberania e defesa nacional quando, ao contrário, deveria adotar uma postura mais moderna e democrática de segurança da população e do meio ambiente”.
A Afen aponta ainda que a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN -, o órgão regulador e fiscalizador da radioproteção e segurança nuclear, é proprietária das principais e mais complexas instalações nucleares e radioativas do País, entre elas os principais institutos de pesquisas nucleares (IPEN, IEN e CDTN) e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), responsável pela mineração, beneficiamente e enriquecimento de urânio, se transformando em “fiscal de si mesmo”.
Tal fato é caracterizado pelo relatório da Associação como “promiscuidade administrativa” e se confrontaria com todas as convenções e códigos de conduta de que o Brasil é signatário: Convenção Internacional de Segurança Nuclear; Convenção Comum sobre Segurança do Combustível Usado e Sobre a Segurança dos Rejeitos Nucleares e o Código de Conduta sobre Segurança de Fontes Radioativas.
“Todas estas Convenções ou Códigos de Conduta especificam claramente que os países-membros deverão possuir um órgão regulador independente, estabelecendo a necessidade de separação das atividades de fiscalização das de promoção e utilização da tecnologia nuclear”, diz Rogério dos Santos Gomes.
Segundo ele, a criação de uma legislação que tipifique as infrações e estabeleça as sanções devidas aos infratores da Legislação de radioproteção e segurança nuclear é consensual, “infelizmente só nas palavras”, há mais de 20 anos. “Até hoje, o Estado Brasileiro não estabeleceu qualquer Lei ou Regulamento que possibilite a punição dos infratores da legislação nuclear”, coloca.
O diretor-presidente da Afen alerta que este fato, somado à inexistência de garantias quanto ao trabalho dos fiscais, cuja autoridade não é reconhecida nem delegada pelo Estado Brasileiro, cria um ambiente favorável para a ocorrência de acidentes com dimensões que podem ser trágicas.
“Infelizmente, temos observado um discurso de retomada mais firme da atividade nuclear brasileira, incluindo a construção e operação de novas usinas nucleares, sem que se tenha a responsabilidade de criar as bases de segurança para este desenvolvimento”, adverte Rogério Gomes, para quem o grande número de instalações nucleares e radiativas (2500) e fontes radioativas operando atualmente no país (cerca de 50 mil), permitem concluir pela necessidade urgente da adequação e estruturação do Sistema Federal de Fiscalização Nuclear do Brasil. “Isso de forma a evitar os danos, à população e ao meio ambiente, advindos do uso inadequado e irresponsável da energia nuclear”.
A versão do Ministério de Ciência e Tecnologia
Procurado por AmbienteBrasil para fazer suas considerações quanto às críticas da Afen, o MCT, por intermédio da Assessoria de Comunicação, disse que não é de sua alçada a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial, isso cabendo à Casa Civil.
Com base no relatório da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, criou um grupo interno incumbido de avaliar todas as suas recomendações.
Quanto às demais ponderações da Afen, o MCT preferiu abster-se de comentá-las.