O Senado aprovou ontem o Projeto de Lei de Conversão (PLV) 29/06 proveniente da Medida Provisória (MP) 327/06, que dispõe sobre o plantio de organismos geneticamente modificados em unidades de conservação.
Nele, foram embutidas duas emendas “ainda mais desastrosas” – na avaliação do Greenpeace -: uma que prevê a liberação do algodão transgênico da Monsanto plantado ilegalmente no país e outra que reduz o número de votos necessários na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para aprovações comerciais de organismos geneticamente modificados.
“Nossa preocupação é que, reduzindo-se o número de votos, a liberação será feita sem critérios, deliberadamente facilitada para transformar a CTNBio em uma carimbadora de processos”, disse a AmbienteBrasil Gabriela Vuolo, coordenadora da campanha de Engenharia Genética do Greenpeace.
As duas emendas foram acatadas na Câmara pelo relator Paulo Pimenta (PT-RS). A Casa aprovou as transformações na MP 327 em dezembro passado. Ontem, o parecer do relator-revisor, Delcídio Amaral (PT-MS), foi pela aprovação do projeto de conversão enviado pela Câmara dos Deputados, mas pelo menos três senadores petistas votaram contra: Sibá Machado (AC), Aloizio Mercadante (SP) e Serys Slhessarenko (MT).
Durante todo o dia, organismos da sociedade civil tentaram demover os senadores de referendar a nova legislação. Os parlamentares receberam uma carta com argumentos contrários a ela, que teve os seguintes signatários: Associação de Agricultura Orgânica (AAO), Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais (Fboms), Greenpeace, Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Terra de Direitos e Via Campesina (leia a íntegra no final da matéria).
Cientes, porém, de que a pressão sobre os senadores dificilmente surtiria efeito, ativistas do Greenpeace foram também ontem de manhã ao Palácio do Alvorada, fazer um apelo à primeira-dama Marisa Letícia “para que ela alerte o presidente Lula sobre a importância de se garantir a biossegurança do país”.
Vestidos de mestres-cucas, eles levaram à residência oficial da Presidência da República uma cesta de produtos típicos derivados de milho para ser entregue à dona Marisa, que estava num compromisso externo e não pode recebê-los. Porém, seus assessores garantiram que a cesta seria entregue. Pratos com polenta são os preferidos do casal presidencial.
“Não engula essa, dona Marisa”, exorta o Greenpeace, com base no conhecimento de que as mulheres são responsáveis no Brasil por 80% das decisões relativas às compras numa residência padrão, segundo pesquisa LatinPanel realizada em 2004.
“Queremos alertar o presidente Lula para que mantenha sua palavra no sentido de garantir a viabilidade dos não-transgênicos no país”, diz Gabriela Vuolo. “Uma vez que se abre a porteira, temos um sério risco de contaminação genética, especialmente no caso do milho”.
Segundo a ONG, de 1996 até hoje, foram documentados 142 casos de contaminação em diversos países, 35% deles referentes a variedades de milho geneticamente modificados. O relatório Registros de Contaminação Transgênica – 2006, lançado pela entidade em parceria com a rede GeneWatch, do Reino Unido, garante que a biotecnologia está completamente fora de controle. “Nem as empresas e nem os governos estão preparados para colocar em prática medidas que garantam a biossegurança do país”, conclui.
Carta aos Senadores
Brasília, 27 de fevereiro de 2007.
Prezados Senadores,
Está prestes a ser votada no Senado Federal a Medida Provisória 327, que reduz a distância mínima entre o plantio de transgênicos e as Unidades de Conservação Ambiental.
Durante a votação na Câmara dos Deputados, duas emendas foram incluídas no texto original da MP: uma que libera a colheita do algodão transgênico plantado ilegalmente no país, e outra que reduz o quorum de liberação comercial na CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) para maioria absoluta – 14 votos.
Conforme apontamos abaixo, as emendas aprovadas pela Câmara dos Deputados representam uma verdadeira desmoralização do governo, da própria CTNBio e das normas nacionais de biossegurança. Portanto, é fundamental que essas emendas sejam rejeitadas pelo Senado.
Anistia ao algodão transgênico
Esta emenda é a pura e simples reedição do fato consumado da soja transgênica e deve ser rejeitada. Caso aceita, ela representará uma desmoralização à própria Lei de Biossegurança, que o presidente Lula qualificou “como a mais avançada do mundo”, e à capacidade do Estado de fazer cumpri-la.
A CTNBio já debateu o assunto do plantio ilegal de variedades de algodão transgênico e recomendou a destruição das lavouras plantadas a partir de sementes contrabandeadas, conforme o Parecer Técnico nº 587/2006. Sobre o uso de fibras ou caroços oriundos das lavouras ilegais, a CTNBio também já se pronunciou sobre o assunto, estabelecendo em sua Portaria 587 que “Em hipótese alguma o produto colhido (sementes e fibras) deverá ser utilizado e sim totalmente enterrado”.
Se confirmada a anistia ao plantio ilegal do algodão transgênico, seria melhor logo abandonar a lei de biossegurança e fechar a CTNBio.
Redução do quorum da CTNBio
Não é verdade que as atividades da CTNBio estejam bloqueadas. Durante o ano de 2006, a Comissão deliberou sobre mais de 400 processos e autorizou centenas de campos experimentais de transgênicos, de acordo com a pauta estabelecida pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, pela Secretaria Executiva da CTNBio e pelo próprio Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS. Esta pauta priorizou a análise dos processos de pesquisa, e não as liberações comerciais.
A necessidade de 2/3 de votos (maioria qualificada) aplica-se apenas para os processos de liberação comercial. Ressalte-se que durante o ano de 2006, o primeiro após a reformulação da CTNBio, apenas um processo de liberação de um organismo transgênico para uso comercial foi votado. O resultado foi de 17 votos a favor e 4 contrários. Ou seja, o organismo transgênico só não foi aprovado por causa da baixa participação dos membros favoráveis à sua liberação.
Ademais, a missão da Comissão é garantir biossegurança, e não ser um mero carimbador de processos e aprovar todos os pedidos de qualquer jeito.
* Com informações da Assessoria de Comunicação do Greenpeace Brasil.