Os maus exemplos da capital do Brasil não se restringem aos episódios de corrupção, nepotismo e malversação do erário vindos de parte da classe política que freqüentemente chegam ao conhecimento público. Bairros de Brasília em que se concentra a população com maior poder aquisitivo são os locais no mundo onde se registra o maior consumo per capita de água, com mil litros escorrendo diariamente pelos ralos. Dessa forma, ultrapassou o recorde mundial, até então do Canadá, com a marca de 800 litros/dia/per capita.
Essas informações são do consultor e especialista em programas de uso racional da água, Paulo Costa, radicado em São Paulo (SP), para quem tamanho desperdício transcende as paredes das mansões brasilienses e instala-se confortavelmente no Palácio do Planalto.
“O Brasil caminha errado no controle do desperdício e em novas políticas públicas que possam ser aplicadas a fim de que o usuário economize de maneira consciente”, disse ele a AmbienteBrasil.
“A água é essencial para nossa matriz energética. Se nós economizarmos 20% do que se tem atualmente gasto, com certeza não teremos o apagão previsto para 2011 e tão alardeado”, completa o especialista, para quem o poder público é “míope” porque não enxerga o consumo insensato como um problema.
Ele corrobora essa tese perguntando quais são os órgãos públicos a terem programas permanentes de racionalização e controle do uso de água e por que as concessionárias da distribuição só se ocupam de falar em economia às vésperas de uma estiagem ou quando ela já está acontecendo.
Ao mesmo tempo, as recuperações das redes de abastecimento só são feitas quando existem grandes vazamentos. “Há uma perda estimada entre 36% a 40% pela Sabesp (a companhia distribuidora de São Paulo), antes da água chegar à torneira do consumidor”, diz Paulo Costa.
Metrópoles como Tóquio, no Japão, reduziram as perdas físicas a cerca de 3% do total de água tratada, simplesmente “caçando” vazamentos.
No próprio estado de São Paulo, há pelo menos um caso de sucesso: a cidade de São Caetano do Sul, que, na avaliação do especialista, executa um controle de perda de água exemplar.
“Eles foram buscar tecnologia em Israel, o acompanhamento é feito por radiofreqüência, que permite um monitoramento por segundo, por minuto e por hora, de modo a que se possa observar as variações suspeitas”, explica.
Na China, está sendo fabricado hoje um vaso sanitário que consome apenas 3,5 litros de água por descarga. Seu uso foi incluído no código de obras editado naquele país em março deste ano. Enquanto isso, no Brasil, ainda existem residências com válvulas de descarga antigas, que gastam de 12 a 20 litros de água a cada acionamento.
Não é a toa que muitos países e cidades do exterior têm investido em tecnologias mais racionais (veja no final da matéria), a exemplo dos vasos sanitários economizadores, já disponíveis no Brasil, mas por ora sem despertar maiores interesses no público consumidor.
“Essa é uma boa área para começar a investir recursos, com ganhos para todos: contribuintes, governo e o meio ambiente, prejudicado pela sempre crescente necessidade de novos reservatórios de água, que acabam promovendo o desmatamento de florestas”, diz Paulo Costa.
Confira alguns exemplos de programas bem sucedidos internacionalmente apontados por ele:
México – Em 1991, o governo mexicano criou o “reposition cost”, substituindo três milhões e meio de válvulas por vasos sanitários com caixa acoplada, de 6 litros de descarga, obtendo uma redução de consumo de 5 mil litros de água por segundo.”Reposition cost” era o preço que cada proprietário de edificação, dos mais variados usos, havia pago para reposição das bacias, trocadas em locais autorizados para tanto, e que era devolvido pelo governo.
Nova York (EUA) – Conseguiu instalar mais de um milhão de bacias sanitárias economizadoras, entre 1994 e 1996. A prefeitura reembolsava as despesas dos moradores e empresários locais com a troca de bacias. A iniciativa poupou 216 milhões de litros de água por dia e o investimento se pagou em quatro meses.
Los Angeles (EUA) – O governo da Califórnia ofereceu redução de impostos para toda a troca de bacias com consumo superior a 6 litros. Também utilizou uma intensiva campanha publicitária nos meios de comunicação, mostrando as vantagens e a economia provenientes da troca de bacias.
Japão – Lá foram mudadas as regras da construção civil e os condomínios, hotéis e hospitais passaram a ser construídos com sistemas particulares de reaproveitamento de águas servidas. Neles, a água sai pelo ralo do box ou da banheira, segue por canos independentes até um pequeno reservatório que abastece os vasos sanitários da edificação. Só então vira esgoto que, em algumas cidades é tratado e reutilizado em processos industriais.