Mônica Pinto / AmbienteBrasil (*)
Que dimensão a imprensa brasileira tem dado ao problema do aquecimento global em seu trabalho cotidiano? Essa foi uma das questões debatidas na oficina sobre “Mudanças do Clima e a Mídia”, destinada a jornalistas e realizada na tarde de ontem, em Brasília, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. No mesmo local, à noite, aconteceu a solenidade de abertura da III Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA).
A oficina foi promovida pelo Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, com apoio do Ministério do Meio Ambiente. Sua abertura foi feita pelo secretário de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental do MMA, Hamilton Pereira, também coordenador nacional da CNMA. Segundo ele, procurou-se, no evento, focar as causas das mudanças climáticas nesse “padrão que consideramos insustentável de produção e consumo”.
Ele avaliou que, em geral, a imprensa tende a priorizar a cobertura do tema mudanças climáticas “pela ponta das catástrofes”. “Além dessa abordagem, que é necessária, é preciso também fazer a discussão das causas”, sugeriu.
O cientista político Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas e Pesquisas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), fez a primeira palestra da oficina, expondo os resultados de um estudo feito pela entidade, entre os anos de 2005 e 2007, em parceria com a Embaixada Britânica em Brasília.
Nesse período, foram analisados 50 jornais, com 997 textos sobre mudanças climáticas e outras 2.811 reportagens, para efeito comparativo, sobre a cobertura de meio ambiente de modo geral. “A Imprensa é capaz de trazer um tema para a agenda pública ou, ao deixá-lo de fora, fazer com que o reconhecimento da sociedade quanto ao assunto seja pequeno”, registrou Canela.
Conforme o estudo, a cobertura dos jornais relativa às mudanças climáticas era pouca ou inexistente no início do levantamento, crescendo de forma acelerada a partir do último trimestre de 2006. Essa ascensão deveu-se, basicamente, a duas ocorrências: a divulgação do Relatório Stern – estudo encomendado pelo governo Britânico sobre os efeitos na economia mundial das alterações climáticas nos próximos 50 anos, coordenado pelo economista Nicholas Stern – e o lançamento, no Brasil, do documentário Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore.
Nos dois anos da pesquisa, o enfoque da imprensa sobre o assunto teve três temas dominantes, abordados em metade dos textos: efeito estufa, energia e conseqüências das mudanças climáticas.
Na avaliação de Canela, a cobertura dos fatos revelou-se, porém, muito focada em questões internacionais. “A discussão não vem sendo internalizada, com o debate de potenciais impactos locais”, alertou.
Para ele, falta também priorizar as causas gerais das mudanças climáticas. “É o problema inicial que a gente deveria estar atacando”.
O papel dos cidadãos
A segunda palestra foi conduzida por Roberto Kishinami, consultor do Ministério do Meio Ambiente e especialista em Planejamento Energético e Fontes Renováveis de Energia. Ele fez uma explanação geral sobre o fenômeno das mudanças climáticas, problema pouquíssimo conhecido e muito menos enfrentado na década de 70, quadro que começou a mudar com a formação, em 1988, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês: Intergovernmental Panel on Climate Change). O órgão, de assessoria à Organização das Nações Unidas, é composto por delegações de 130 governos para prover avaliações regulares sobre as alterações no clima.
“A humanidade tem que reduzir as emissões de gases causadores de efeito estufa (os GEE) em 60% das emissões verificadas em 1990, até o ano de 2050. O quanto dessa meta será alcançada – no todo ou em parte – definirá o futuro do sistema climático”, lembrou Kishinami.
Ele considerou uma “mensagem importante” a do mais recente relatório do IPCC, segundo a qual não há mais dúvidas da responsabilidade humana no aquecimento global. E citou impactos previstos para o cenário brasileiro. “Uma das conseqüências é o aumento gradual do nível do mar. Ao subir alguns centímetros, aumenta sua cunha salina sobre os mananciais de água doce da área litorânea. Vamos perder fontes de água doce nessa região, isso é parte de um processo planetário e que não há mais como reverter”, disse.
Ao mesmo tempo, nas regiões onde já existe o chamado stress hídrico, caso do semi-árido brasileiro, os estudos mostram que a situação vai se agravar. “Vai ter menos água nesses locais, as condições para viver neles vão piorar”.
Segundo Kishinami, existe um “personagem oculto” nessa história: as pessoas comuns. “São elas que podem forçar a redução das emissões de gases causadores de efeito estufa, e são elas que terão de se adaptar às mudanças que já ocorrem”.
Nesse sentido, ele defende ser fundamental fortalecer as governanças locais. “Os impactos e vulnerabilidades são sempre locais; a elaboração de políticas públicas para minimizá-los só se consegue com um trabalho local”.
* Mônica Pinto viajou a Brasília a convite do Ministério do Meio Ambiente.