A gigantesca planta de carvão convertida em energia verde

O Reino Unido planeja acabar com a eletricidade pela queima de carvão até 2025. Mas o que acontece com as massivas plantas deixadas para trás? Uma instalação está sendo pioneira com uma ideia incomum: converter para energia verde.

No trem para visitar um dos últimos lugares da Grã-Bretanha que queima carvão para [gerar] eletricidade, eu passo por três fazendas solares absorvendo a luz do sol. Também passo por uma fábrica de carvão chamada Eggborough que praticamente cessou as operações. Nenhum vapor sobe de suas gigantescas torres de resfriamento. Ela será fechada em setembro.

Mas a usina de carvão que estou visitando é diferente. Ela é chamada de Drax, depois de uma aldeia local, e é considerada a maior usina de energia da Europa Ocidental. Até 2023, seus proprietários planejam parar de queimar carvão completamente. Eles esperam que, em vez disso, sua usina consuma apenas gás natural e biomassa – briquetes de madeira.

Briquetes de Madeira
Briquetes de Madeira

A União Europeia tem alguns alvos chave para reduzir a poluição nas próximas décadas e as usinas à carvão foram carimbadas para fechamento por muitos países em busca de atingir esses objetivos. No Reino Unido, os planos do governo planejam extinguir a geração de eletricidade à carvão até 2025.

Uma história semelhante está se desdobrando em outras partes do mundo. Muitas nações, incluindo os EUA, estão se afastando do carvão à medida que outras energias se tornam mais baratas e os regulamentos ambientais esfriam o mercado para este tipo de combustível fóssil.

Mas isso deixa uma grande questão: o que fazemos com todas essas usinas antigas?

Pelo último século, essas instalações foram grandes atores no mercado de energia do mundo. As fábricas possuem complexas e custosas conexões para as redes nacionais – o que significa que simplesmente retirá-las pode não ser tão inteligente. Muitos, incluindo a gerência da Drax, estão insistindo que há outro caminho.

Toras de Madeira
A biomassa só reduzirá as emissões de carbono se as árvores caídas forem substituídas por novas mudas que absorvam o CO2 do ar (Créditos: Getty Images)

O tamanho da instalação da Drax é imediatamente perceptível. Em ambos os lados da enorme construção que abriga suas caldeiras e turbinas situam-se seis torres de resfriamento bege. A fumaça branca flutua para o céu. No meio do complexo há uma chaminé de 259 metros de altura. E na parte de trás da instalação há uma enorme pilha de carvão – mas membros da equipe me dizem que é muito menor agora do que era antes.

O carvão é deixado aqui até ser levado para a estação de energia através de correias transportadoras, onde é triturado e queimado a temperaturas exorbitantes. O forno aquece a água, transformando-a em vapor, que por sua vez passa por um complexo sistema de tubulações até chegar as turbinas, fazendo-as girar a uma velocidade constante de 3.000 rotações por minuto. É uma maneira fácil de produzir energia, mas também com maior impacto.

Troca de energia

Esta é uma das principais razões pela qual aqui os dias da produção de energia por queima de carvão estão realmente contados. Em abril, a Grã-Bretanha passou mais de três dias sem qualquer queima de carvão – um declínio que aconteceu muito mais rapidamente do que o esperado. Essa tendência fez com que, desde o início de 2018, o país tenha ficado um total de 1.000 horas sem energia do carvão, um marco que já ultrapassou o do ano passado.

“Em 2012, a geração de energia através da queima do carvão foi de 45% do mix de energia”, diz Matthew Gray no Carbon Tracker, um galpão de ideias, e acrescenta “Hoje isso está em patamares muito inferiores.”

Da perspectiva de um operador de fábrica, no entanto, substituir o carvão não é fácil. Isso porque a biomassa é um material muito menos tolerante do que o carvão, diz o executivo-chefe Andy Koss.

“Isso entope as coisas”, diz Koss, lembrando como os primeiros experimentos em movimentar a biomassa em transportadores de carvão levaram os briquetes a se desintegrarem e criarem poeira. A biomassa também tem que ser mantida seca o tempo todo, ao contrário do carvão, para evitar que ela se infle em uma mistura inutilizável parecida com mingau. Ela também está sujeita a estourar em chamas à medida que oxida lentamente, então pilhas dela tem que ser constante verificadas quanto a elevações de temperatura. A Drax gastou cerca de 700 milhões de libras em sua conversão e se certificando de que a biomassa pudesse ser manuseada cuidadosamente e ao longo de caminhos protegidos da chuva através da instalação.

A usina investiu também em quatro cúpulas, cada uma com 50 metros de altura, para armazenar a biomassa no local. Todo dia, 16 trens cobertos chegam e depositam mais briquetes de madeira para manter o estoque em sua capacidade máxima. Os vagões passam por um galpão e se abrem automaticamente, acionados por ímãs, enquanto rolam por uma grade no chão. Os aglomerados de madeira se espalham pela grade, passando por um compartimento inferior, antes de serem levados para as cúpulas para armazenamento temporário.

A conversão da usina da Drax – de carvão à biomassa – custou 700 milhões de libras (Créditos: Chris Baraniuk)

Em termos de produção de energia usando a biomassa, “eu diria que é o maior do mundo”, diz Koss. No momento da minha visita, a Drax tinha a capacidade de gerar dois gigawatts (GW) de potência por carvão e o mesmo para biomassa. Atualmente, concluiu a quarta unidade geradora por biomassa. Os dois remanescentes irão eventualmente queimar gás.

A Drax tentou se reinventar como um garoto-propaganda para o que se pode ser feito com uma antiga usina à carvão – onde há vontade suficiente e, certamente, dinheiro para pagar pelas conversões. Muitas pequenas instalações de carvão nos Estados Unidos tem recentemente convertido para queima por gás – uma forma de transição mais barata.

E a Drax pretende ainda construir grandes baterias no local para armazenar a eletricidade para os momentos de maior necessidade da rede. Há projetos semelhantes ocorrendo em todo o mundo, a exemplo uma empresa canadense, Hydrostor, que projetou meios para transformar velhas usinas de carvão em baterias de ar comprimido, onde o ar é liberado quando houver demanda por eletricidade, forçando as turbinas da usina a funcionarem.

Existe também uma porção de outras ideias para reinventar antigas instalações de queima de carvão. Em 2016, a China anunciou que planeja converter algumas de suas usinas de carvão em usinas nucleares – embora não se tenha muitas notícias sobre as propostas desde o pronunciamento. E a Drax está longe de ser a única com projeto que substitui o carvão para biomassa, mesmo que seja a maior. Na Dinamarca, uma usina de carvão em Copenhague será transformada em uma instalação 100% por biomassa. Um novo incinerador nas proximidades irá contar com uma pista de esqui no telhado.

Porque o carvão é tão poluente?
Carvão produz uma gama de poluentes – notavelmente dióxido de carbono (CO2), um gás de efeito estufa. Um pedaço de carvão pode conter entre 60 e 80% de carbono. O CO2 é produzido quando o carvão é queimado. Gases de efeito estufa sobem para a atmosfera da terra onde eles formam uma camada que aprisiona o calor, impedindo que ele se escape a noite.

Queimar carvão também libera substâncias danosas a saúde humana, como mercúrio, óxidos de nitrogênio e dióxidos de enxofre. Finalmente, tem o particulado, ou fuligem, que também se dispersa na atmosfera. É estimado que milhares de mortes todos os anos podem ser atribuídas a estes poluentes.

Nem todas as conversões de usinas à carvão são empreendimentos de produção de energia. A Google está transformando uma antiga instalação no Alabama em um centro de processamento de dados.

Rei do carvão

Também é verdade que, em alguns lugares, o carvão continua sendo dependência.  Embora tenha fechado mais de 100 usinas de carvão, a China continua fortemente depende desse tipo de combustível fóssil para suas necessidades energéticas. E a Alemanha, que decidiu fechar todas as suas usinas nucleares, atualmente gera mais de um quinto de sua energia através do carvão, inclusive com linhito, uma forma ainda mais poluente do combustível.

Um mapa interativo das usinas elétricas à carvão do mundo, do site de notícias climáticas CarbonBrief, revela uma série de fábricas sendo fechadas nos EUA e na Europa Ocidental, mas muitas ainda em construção na Ásia.

Enquanto isso, alguns mercados têm questionado o [não uso do] carvão, e então retornaram a ele. Em 2015, o governo de Nova Gales do Sul, na Austrália, vendeu uma grande usina à carvão por US$ 1 milhão (£570 mil), uma pequena soma. Na época, os políticos acreditavam que a instalação seria fechada em 10 anos mas então os preços da eletricidade atingiram o topo. A usina agora está avaliada em U$ 730 milhões (£ 415 milhões) e seus novos proprietários não têm planos de fechá-la tão cedo.

Entretanto, acreditar no carvão nem sempre é recompensado. Na Polônia, a gigante de energia PGE, tem investido pesadamente em antigas infraestruturas de carvão, na esperança de manter o carvão queimando nos anos vindouros. Mas isto custa centenas de milhões de dólares em um momento em que o preço da energia renovável, especialmente eólica e solar, está caindo rapidamente.

Árvores cortadas empilhadas
Demora vários anos para novas árvores plantadas absorverem a quantidade de carbono equivalente à liberada através da queima de madeira (Créditos: Getty Images)

Também é justo questionar o quão verdes algumas das opções de conversão de usinas à carvão realmente são.

Pegue a biomassa. Embora os briquetes de madeira liberem carbono quando queimam, elas são consideradas “verdes” porque as árvores cortadas para utilização podem ser repostas ao longo do tempo, sequestrando o carbono novamente mais tarde. Mas nem todos concordam que isso realmente torna a biomassa neutra em carbono. Inclusive a página 33 do Relatório Anual da Drax revela que que a biomassa põe para fora mais CO2 por unidade de eletricidade gerada do que o carvão – um problema sério com o combustível.

Ecoando os principais argumentos pró-biomassa, um chefe da Drax me diz que isso é compensado pela reposição das florestas que forneceram a biomassa em primeiro lugar. A Drax também diz que, depois de contabilizar as florestas reabastecidas e as emissões da cadeia de suprimentos, usar biomassa significa 80% menos CO2 do que seria emitido se o carvão tivesse sido usado.

Mas isso toma novas árvores cada década para crescer. Mais, em uma escala global, florestas estão encolhendo em tamanho total. A capacidade das florestas do mundo para reabsorver o CO2 atmosférico, então, está piorando em vez de melhorar.

“Eu concordo que é uma coisa ruim”, diz Koss. Mas em relação ao desmatamento, ele insiste, “isso está acontecendo em áreas fora das áreas de nossas fontes… não estamos conectados a isso”.

Lascas de madeira em galção
Para gerar eletricidade pela biomassa, lascas de madeira são prensadas em pó, que é então alimentado no incinerador. (Créditos: Getty Images)

Verdade, mas não o suficiente para convencer alguns ambientalistas. E alguns especialistas apontam que nós precisamos de um corte de emissões agora, não durante a década ou vários [anos] que as novas árvores levarão para crescerem.

A Drax espera mitigar suas emissões de outra maneira: com um piloto de tecnologia de armazenamento de captura de carbono de bioenergia (BECCS). Os gases advindos da queima de biomassa na usina serão, se tudo for adiante, passados ​​por um solvente que reage com o CO2 emitido, capturando-o antes que ele entre na atmosfera. Este CO2 pode então ser recuperado de modo que o solvente possa ser usado para captura de novo e de novo. É uma coisa inteligente e foi apresentada para funcionar comercialmente antes em um ou dois locais, mas a Drax está testando uma nova versão.

Claramente podemos ver vida após o carvão. Mas se quisermos aproveitar ao máximo essas velhas fábricas, nós precisamos ser experientes, ter uma mentalidade verde e estarmos preparados para pagar antecipadamente por resultados significativos.

O carvão alimentou o mundo por muitas décadas. Foi um símbolo da conquista Vitoriana. Em vez de simplesmente esquecê-lo, nós podemos muito bem nos beneficiarmos do uso inovador das estruturas que estas grandes indústrias estão deixando para trás.

Correção: Declaramos incorretamente que a tecnologia BECCS ainda não havia sido usada comercialmente. Nós também esclarecemos o número de unidades geradoras na Drax que atualmente são dedicadas à biomassa. Nós lamentamos os erros.

Fonte: BBC Future / Chris Baraniuk
Tradução: Redação Ambientebrasil com colaboração de Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem completa em inglês acesse:
http://www.bbc.com/future/story/20180821-the-giant-coal-plant-converting-to-green-energy