O blockchain tem por definição base ser um banco de dados distribuído em rede, que garante a integridade da informação. Neste conjunto de dados, as transações são agrupadas em “blocos” com sua autenticidade garantida por meio de criptografia e assinaturas digitais.
Essa tecnologia portanto, permite as transações peer-to-peer (P2P) – de uma pessoa a outra – em uma rede que não depende de intermediários ou de uma instituição central, gerando maior confiança em ambientes de incerteza e de desconfiança. Ou seja, enquanto em um sistema centralizado de pagamentos apenas o banco possui os registros das transações, em um sistema P2P todos os participantes conectados à rede tem acesso aos registros.
Esta tecnologia ganhou ampla divulgação e energização no desenvolvimento de criptoativos como o bitcoin. Um dos primeiros investidores de neste tipo de capital de risco, o Serik Kaldykulov, resumiu os benefícios do blockchain como: “com sua tecnologia de registro distribuído (DLT) descentralizado, blockchain aproxima os mercados de uma ideia de eficácia”.
Mercado de energia: centralizado para descentralizado
Desde a primeira estação de energia permanente no mundo, criada por Thomas Edison em 1882, para que a energia flua em uma direção única – de geradores centralizados para casas e empresas – o mundo cresceu e se tornou dependente da energia elétrica.
Por um longo período de tempo, este modelo mais centralizado fez bastante sentido, com suas distribuições focadas nos núcleos urbanos de maior adensamento e as geradoras focadas em absorver a demanda de energia.
Porém, atualmente estamos vivenciando um boom nas energias renováveis, com investimento tecnológico em painéis solares em telhados, fazendas solares, turbinas eólicas e armazenamento de energia por baterias. O que tornou mais viável a entrada de empresas e startups no ramo, trazendo inovação, escalabilidade e resolução de problemas intrínsecos a sociedade.
Este divisor de águas no setor elétrico, voltado para a energia distribuída, tornou possível que os consumidores se tornassem produtores de energia, gerenciando seus próprios gastos, consumos e créditos que podem se reintroduzir ao mercado.
Blockchain e suas possibilidades no setor elétrico
A tecnologia blockchain aos poucos começa a adentrar no mercado privado de infraestrutura. Isto por que, a capacidade de facilitar contratos, tornar transações mais transparentes e facilitar a gestão de dados em um mercado de renováveis em expansão torna-se extremamente vantajoso.
No setor elétrico, a possibilidade de transacionar a eletricidade, por meio de trocas financeiras rápidas e confiáveis – que podem incluir comprar e vender eletricidade – torna-se relevante do ponto de vista operacional econômico e prático.
Somado a isso, o Brasil está passando por uma transição no perfil do setor elétrico, antes a participação dos consumidores se limitava a simples função de consumir energia da rede e pagar suas respectivas faturas de energia elétrica. Agora, com o aumento da micro e mini geração distribuída, o consumidor também pode gerar e consumir sua própria energia, estando aí a oportunidade no uso do blockchain, com possibilidades desde pequena a grande escala.
O promissor mercado brasileiro de energia
A potencialidade do mercado brasileiro vem chamando a atenção de gigantes do mercado de energia internacional, como a portuguesa EDP, que afirmou quando questionada sobre o projeto inovador de utilização do blockchain em escala internacional “Olhamos para o mercado brasileiro e o crescente aumento da matriz energética renovável, principalmente a partir de fontes de energia solar, e entendemos que o Brasil seria o local mais adequado para esse projeto”.
Outro exemplo é a AES Tietê que irá investir por meio do programa de P&D da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), no desenvolvimento de um balcão organizado em blockchain para comercialização de energia. O objetivo do Projeto AES Tietê de Energy Intelligence é desenvolver um ambiente digital que permite a compra e a venda de energia com uma contraparte central, que garante custódia e a liquidação de contratos bilaterais de energia para compradores e vendedores. O projeto é liderado pela Fohat, uma empresa curitibana de digitalização do setor de energia.
A Fohat inclusive, criada inicialmente como um projeto para reciclar baterias de ônibus na capital paranaense, hoje em dia desenvolve tecnologias de microrredes de energia, comunicados através da linguagem blockchain. Desde então a empresa chama atenção no mercado energético, já tendo sido apontada como uma das dez empresas mais inovadores no setor pela 100 Open Startups e selecionada para um programa de aceleração da Energia Austrália, da Startup Bootcamp.
O sucesso da empresa vem somado a grandes desafios de inovação, segundo Renan Schepanski, líder da área de marketing da Fohat, em entrevista ao jornal Gazeta do Povo, explicou “Trabalhar com blockchain no mercado de energia não é como no mercado financeiro, porque além do dinheiro você precisa fazer a gestão do elétron, o que não é simples” .
Garantia de energia fornecida e consumida 100% renovável – O conceito do Greenchain
Outra aplicação em expansão da tecnologia é o chamado greenchain, que garante em tempo real, que a energia gerada pelas empresas seja 100% renovável. A empresa ACCIONA Energia iniciou um projeto de implementação de rastreabilidade da origem renovável na geração de eletricidade, com a verificação das informações em tempo real e disponibilizadas em qualquer lugar do mundo.
O projeto foi criado inicialmente para desenvolver um modelo que permitisse rastrear a geração renovável de cinco instalações eólicas e hidráulicas localizadas na Espanha que, juntas, fornecem energia elétrica para quatro clientes corporativos em Portugal.
Outro exemplo é do grupo Iberdrola, que implementou esta tecnologia para que a empresa conseguisse unir as instalações onde se produz a eletricidade com os respectivos pontos de consumo, rastreando assim sua origem, aumentando a transparência e favorecendo o uso da energia renovável.
Olhando o futuro e preservando as tecnologias presentes
Apesar desta revolução energética e tecnológica, os serviços públicos tradicionais irão permanecer, inclusive com a participação dos mesmos em pesquisas de desenvolvimento e aplicação propriamente dita da tecnologia em seus processos.
De acordo com o analista e pesquisador sobre energia Johnathon de Villier “Blockchain não precisa colocar as startups contra os serviços públicos, ou os fornecedores contra os consumidores e consumidores/produtores”.
“Na verdade, blockchain é uma das únicas tecnologias com o potencial de apoiar uma plataforma que alinha os incentivos de vários acionistas no setor energético.”
Desafios para escalabilidade e viabilidade econômica
Como visto e descrito, existem várias iniciativas e projetos sendo desenvolvidos com a tecnologia blockchain no setor elétrico, entretanto, existem desafios a serem superados para fornecer mais potencial de escala e viabilidade econômica.
Alguns exemplos a serem citados são a redução do custo para a validação desta tecnologia, a quantidade de energia consumida pela computação que realiza as verificações das transações em blockchain, além do tempo para verificar as transações – o que ainda não é instantâneo.
Somando-se a isso, o avanço e atualização do arcabouço regulatório será um fato diferenciador na expansão da tecnologia, trazendo maiores oportunidades e incentivos.
Apesar dos desafios, a utilização do blockchain no setor elétrico, agrega perspectivas consistentes de novas oportunidades de interação entre os agentes do setor (gerador, distribuidor, consumidor, comercializador), além da criação de novos serviços e maior qualidade no serviço prestado.
Maria Beatriz Ayello Leite
Redação Ambientebrasil