Plantas ‘mumificadas’ contribuem para um vislumbre do futuro da Terra

Uma folha de 23 milhões de anos: ainda são visíveis veias, buracos roídos por insetos e tecido cicatricial. Fonte: JENNIFER BANNISTER / UNI OTAGO.

Folhas fósseis de restos de uma floresta de 23 milhões de anos sugerem que algumas plantas podem se adaptar para crescer mais rapidamente à medida que os níveis de CO₂ aumentam, diz um estudo.

Os cientistas recuperaram as folhas muito bem preservadas de um antigo lago na Ilha Sul da Nova Zelândia.

Elas permitiram que os cientistas relacionassem pela primeira vez as altas temperaturas do período com os altos níveis de CO₂ atmosférico.

Os resultados foram publicados na revista Climate of the Past.

Em seu artigo científico, a equipe mostra que algumas plantas foram capazes de coletar dióxido de carbono com mais eficiência para a fotossíntese – o processo biológico que aproveita a luz do Sol para produzir alimentos para a planta.

Eles dizem que suas descobertas podem conter pistas de como a dinâmica da vida vegetal pode mudar à medida que os níveis atuais de CO₂ aumentam, como era em um passado distante.

O que podemos aprender com essas folhas antigas?

A equipe perfurou 100 metros até próximo ao fundo do leito do lago, agora seco, localizado na cratera de um vulcão extinto há muito tempo. A cratera tem cerca de um quilômetro de diâmetro.

Aqui, o material biológico foi fossilizado, incluindo restos de plantas, algas, aranhas, besouros, moscas, fungos e outros seres vivos de um período quente conhecido como o início da Época do Mioceno.

O depósito está localizado em uma fazenda perto da cidade de Dunedin, no sul da Nova Zelândia. Fonte: DAPHNE LEE / UNI OTAGO.

Acredita-se que as temperaturas globais médias estavam entre 3°C e 7°C mais altas do que hoje, e o gelo praticamente desapareceu dos pólos.

Há um debate entre os cientistas sobre os níveis de CO₂ no período, o que é um dos motivos pelos quais este estudo é tão interessante.

“O surpreendente é que essas folhas são basicamente mumificadas, então temos suas composições químicas originais e podemos ver todas as suas características ao microscópio”, disse o autor principal Tammo Reichgelt, da Universidade de Connecticut em Storrs, EUA.

Ele diz que as folhas são preservadas tão perfeitamente que veias e estômatos microscópicos – os poros que permitem que as folhas respirem e liberem água durante a fotossíntese – são visíveis.

Os cientistas analisaram as diferentes formas químicas de carbono – ou isótopos de carbono – nas folhas de meia dúzia de espécies de árvores encontradas em vários níveis do depósito.

Os baixos níveis de oxigênio no fundo do lago ajudaram a preservar as folhas. Fonte: JENNIFER BANNISTER / UNI OTAGO.

Isso os ajudou a estimar o conteúdo de carbono da atmosfera na época.

Eles concluíram que era cerca de 450 partes por milhão (ppm).

Estudos anteriores – usando principalmente organismos marinhos – sugeriram que era significativamente menor, em torno de 300 ppm.

Isso é semelhante ao dos tempos pré-industriais, e não o suficiente para explicar as temperaturas muito altas do início do Mioceno.

As emissões humanas elevaram os níveis de CO₂ para cerca de 415 ppm.

Espera-se que cheguem a 450 ppm nas próximas décadas – o mesmo nível experimentado por aquelas florestas na Nova Zelândia 23 milhões de anos atrás.

Cientistas pesquisando o local em busca de fósseis. Fonte: WILLIAM D’ANDREA.

Os pesquisadores também analisaram a geometria dos estômatos das folhas e outras características anatômicas, e os compararam com os das folhas modernas.

Eles mostraram que as árvores eram excepcionalmente eficientes na sucção de carbono pelos estômatos, sem vazar muita água pela mesma rota – um desafio chave para todas as plantas.

Isso permitiu que as árvores crescessem em áreas marginais que, de outra forma, seriam muito secas para as florestas.

Os pesquisadores dizem que essa maior eficiência provavelmente se refletiu em florestas nas latitudes temperadas do norte, onde a maior parte da massa de terra do mundo está localizada.

O que isso nos diz hoje?

Quando os níveis de CO₂ aumentam, muitas plantas aumentam sua taxa de fotossíntese, porque podem remover o carbono do ar com mais eficiência e conservar água ao fazer isso.

Dados dos satélites da Nasa mostram um efeito de “esverdeamento global” principalmente devido aos níveis crescentes de CO₂ liberado por atividades humanas nas últimas décadas.

Estima-se que um quarto a metade das terras com vegetação do planeta viram aumentos no volume de folhas em árvores e plantas desde cerca de 1980.

Parte de uma folha mumificada, altamente ampliada. Entre as características que podem ser vistas estão células epidérmicas individuais e estômatos em formato de boca, aberturas pelas quais a folha absorve dióxido de carbono e libera água. Fonte: TAMMO REICHGELT.

O efeito deve continuar à medida que os níveis de CO₂ aumentam.

Mas os autores do novo relatório dizem que não devemos presumir que isso seja necessariamente uma boa notícia.

O aumento da absorção de CO₂ não chega nem perto de compensar o que os humanos estão despejando no ar.

E, como grande parte da vida vegetal de hoje evoluiu em um mundo temperado com baixo teor de CO₂, alguns ecossistemas naturais e agrícolas poderiam ser seriamente afetados por níveis mais elevados de CO₂, juntamente com o aumento das temperaturas e mudanças na precipitação que eles trazem.

Nem todas as plantas podem tirar vantagem e, entre aquelas que o fazem, os resultados podem variar dependendo da temperatura e da disponibilidade de água ou nutrientes.

Há evidências de que, quando algumas das principais safras fotossintetizam mais rapidamente, elas absorvem relativamente menos cálcio, ferro, zinco e outros minerais vitais para a nutrição humana.

“Ninguém sabe como vai acontecer”, disse o Dr. Reichgelt. “É outra camada de estresse para as plantas. Pode ser ótimo para algumas e horrível para outras.”

Como as folhas estão tão bem preservadas?

O depósito está localizado em uma fazenda perto da cidade de Dunedin, no sul da Nova Zelândia.

No antigo lago da cratera, camadas sucessivas de sedimentos se acumularam no ambiente circundante ao longo de dezenas de milhões de anos.

O lago era profundo e tinha baixos níveis de oxigênio em seu fundo, o que significa que qualquer folha pré-histórica que afundou ali ficou relativamente bem preservada, apesar de ter 23 milhões de anos.

As estruturas circulares visíveis neste espécime são o tecido de reação da folha a alguma forma de alimentação de inseto ou parasitismo. Fonte: JENNIFER BANNISTER / UNI OTAGO.

Isso inclui inúmeras folhas de uma floresta perene subtropical.

O depósito tem uma estrutura em camadas com matéria orgânica enegrecida alternada com faixas de material rico em sílica branca depositado por algas que floresciam a cada primavera.

O local foi reconhecido apenas nos últimos 15 anos; os cientistas o apelidaram de Foulden Maar.

É o único depósito desse tipo conhecido no hemisfério sul, e muito mais bem preservado do que os poucos semelhantes conhecidos do norte.

Como foi trabalhar com um material tão antigo?

Tammo Reichgelt disse que sentiu uma grande responsabilidade e “uma estranha espécie de reverência” trabalhando com fósseis dessa qualidade que permaneceram intocados por tanto tempo.

Ele descreveu a escavação do material fóssil de um poço escavado em depósitos na cratera.

Foi exposto às intempéries, “muito vento, sol e saturado de chuva”.

Isso tornou o trabalho muito desafiador.

“A maior folha que já encontrei foi em um dia chuvoso e a pedra quebradiça se desfez na minha mão com a folha”, disse ele à BBC.

“Não havia como salvá-la. Quando esse tipo de coisa acontece, seu estômago embrulha e você sente que acabou de destruir a tumba de um faraó.”

Fonte: BBC News / Justin Rowlatt
Tradução: Redação Ambientebrasil / Maria Beatriz Ayello Leite
Para ler a reportagem original em inglês acesse:
https://www.bbc.com/news/science-environment-53842626