Valorização dos Recursos Genéticos e novo olhar para a Indústria: Biotecnologia inédita para a saúde do Homem e da Natureza

Mario Christian Meyer (*)

A mídia internacional vem dando manchetes ao desaparecimento da biodiversidade Amazônica e dos conhecimentos indígenas associados. A imprensa nacional alerta para o fato de que os lucros gerados pelos recursos genéticos Amazônicos e Atlânticos só beneficiaram grupos estrangeiros.

A origem desses dois problemas provém das formas de aproveitamento dos recursos genéticos da biodiversidade brasileira que sempre passou por duas vias incompatíveis com a preservação da natureza e com o desenvolvimento socioeconômico do país:

1) Extração dos produtos naturais diretamente da biomassa da floresta (ex: extratos), o que pode provocar a extinção de certas espécies de grande valor no mercado internacional (ex: pau rosa). Por conseqüência, esta via não preserva a natureza.

2) Cópia das moléculas valiosas da floresta através de procedimentos de síntese química, o que concentra o lucro no exterior do país, onde se encontram as grandes indústrias químicas, farmacêuticas…. Por conseqüência, esta via não traz desenvolvimento socioeconômico para a região de rica biodiversidade.

Hoje desenvolvemos uma biotecnologia que pode solucionar parte desses problemas, permitindo valorizar o que há de mais precioso nas nossas florestas: os recursos genéticos e os conhecimentos indígenas associados.

Por mais de 15 anos, vimos buscando incessantemente – em parceria com instituições/organizações Internacionais, como a UNESCO, Européias como a Comissão Européia, Francesas como o Collège de France ou a Sorbonne, Brasileiras como o INPA ou o Centro de Biotecnologia da Amazônia, com Organizações indígenas como a FEPI, bem como com indústrias de ponta – encontrar a forma mais pragmática de salvaguardar e valorizar a rica biodiversidade Amazônica e Atlântica e o que resta do valioso conhecimento indígena brasileiro ameaçado de extinção.

Como resultado destes esforços, concluímos que a forma mais viável de salvaguardar essas riquezas únicas do planeta, oferecendo ao mesmo tempo condições dignas de existência as populações nativas da floresta, consiste em criarmos uma aliança inovadora e revolucionária entre os conhecimentos tradicionais e as biotecnologias. Os conhecimentos tradicionais: porque representam o primeiro passo, in situ, do conhecimento ancestral dos recursos genéticos da floresta. As biotecnologias: porque constituem o instrumento ideal que o mundo moderno desenvolveu para valorizar a biodiversidade.

Poderá o Índio utilizar uma biotecnologia para criar bio-produtos?

Muitos se perguntam: será o Índio capaz de utilizar uma tecnologia avançada? Temos constatado que muitas autoridades políticas e empresariais de alto porte, com quem tivemos inúmeras e veementes discussões e que certamente se reconhecerão na leitura deste artigo, têm um conhecimento parcial da realidade indígena e consideram que os Índios já perderam o conhecimento que tinham da Natureza, das plantas medicinais…

Muitos dos que estão lendo estas linhas pensam da mesma forma. Torna-se assim vital pontuar! É verdade que a maioria dos Índios que se encontram nas proximidades das cidades já estão aculturados e que, face ao poder da cultura dominante, não estão mais em condições de “exercer” a sua identidade Índia. Porém, é fundamental lembrar que os Índios, antes da chegada dos Conquistadores, já viviam aqui há pelo menos 11 mil anos. E sobreviveram, por milênios, sem a ajuda de quem quer que seja, num dos meios mais arriscados e hostis do planeta, em grande parte pelo conhecimento afinado das plantas medicinais que lhes permitiram sanar as incontáveis agressões que o meio lhes infligia.

Hoje ainda, estima-se que 10% dos cerca de 358 000 Índios do Brasil (1) (estimativas ISA: 350 a 550 mil) ainda vivem sem contato com o homem branco e em perfeita harmonia com a Natureza, mantendo a integridade de seus conhecimentos tradicionais: são os “Índios isolados”, verdadeiros “Príncipes da Floresta”. É um caso único no mundo! Provavelmente, outros 30%, com contatos ocasionais com os “brancos”, guardam um conhecimento preservado da Natureza, conforme inventário que fizemos para UNESCO (2).

Os Índios isolados podem ainda merecer a denominação de “Príncipes da Floresta”. As comunidades indígenas que mantêm um alto grau de preservação psico-cultural têm por vocação tornarem-se os “Guardiões da Biodiversidade” no contexto da PNB – Política Nacional de Biodiversidade, e poderão aspirar a manter a denominação de “Doutores da Natureza” (não há espaço aqui para citarmos o inventário que fizemos de todas as contribuições do Índio à ciência, como a crepitina, pilocarpina, quinina, tubocurarina, emitina, captopril…ou à indústria, como a borracha da hevea…).

Mas, para tanto é necessário agir rapidamente, pois o contato com os mais perigosos representantes da nossa espécie (madeireiros ilegais, garimpeiros com mercúrio…) é inexorável!

Neste sentido, tudo indica que a única forma de preservar o que resta da inestimável cultura indígena, consiste em fornecer ao Índio os instrumentos da tecnologia moderna que lhes servirá de escudo protetor ao mesmo tempo em que lhes fornecerá a possibilidade de exercer uma função digna dentro da sociedade contemporânea: em troca, o seu saber enriquecerá certos aspectos da biotecnologia e ele se tornará mestre em alguns tipos de bio-produtos que correspondem aos anseios e demandas da sociedade contemporânea.

Esses bio-produtos terão, pelas nossas parcerias com centros de excelência tecnológicos e com organizações como a UNESCO, um selo de qualidade, de respeito da propriedade intelectual e de partilha eqüitativa dos benefícios. Para efetivar esse intercâmbio e a bio-produção pelo Índio, criamos uma metodologia prática denominada Cogni’Índios, que associa determinadas práticas da mitologia indígena relacionadas à biodiversidade com determinados processos da biotecnologia.

Biotecnologia inédita ao alcance do Índio e com alto valor agregado para a bio-produção

Hoje conseguimos, com o Instituto Nacional Politécnico de Loraine – França, adaptar uma biotecnologia que nos permite formar um grupo de Índios selecionados capazes de assegurar a aplicação desse novo procedimento biotecnológico até a fase de produção de extratos vegetais semi-purificados, com alto valor agregado… Trata-se da PAT (Plantes à Traire = Planta a ordenhar). Assim, pela primeira vez da história, criamos um “procedimento prático” que permite aos Empresários/Industriais e às Comunidades da floresta falarem a mesma linguagem e terem o mesmo objetivo: produzir resultados econômicos – e sociais – preservando a natureza: o beneficio ficando em grande parte no Brasil.

A nova biotecnologia que estamos trazendo ao Brasil permitirá ao mesmo tempo preservar e valorizar a biodiversidade, no próprio país assegurando benefícios para as comunidades locais. De fato, ela permite extrair, sem danificar a natureza, o que há de mais valioso nas plantas: os seus princípios ativos, que chamamos o “ouro verde”. Ela opera com plantas em hidroponia.

As raízes das plantas selecionadas na floresta, que mergulham num líquido com nutrientes, serão “provocadas” através de substâncias especiais para que se defendam. A planta viva se defende excretando princípios ativos que serão liberados pelas raízes. Através de uma técnica inovadora, esses princípios ativos serão capturados numa coluna contendo resinas que fixam as moléculas de interesse farmacológico, cosmético… Numa segunda fase, passa-se por essa coluna uma solução que vai liberar os princípios ativos para que possam ser concentrados, por destilação, na forma de um extrato semi-purificado, com alto valor comercial. Como ilustração, o valor atual do taxol, substância anti-câncer extraída da planta americana Pacific Yew, é de U$ 500 000 / kg.

Indústrias européias já assinaram acordos com o PISAD comprometendo-se a transferir outras tecnologias e reverter benefícios eqüitativos às Comunidades locais. Empresários brasileiros, interessados no desenvolvimento sustentável, associar-se-ão às comunidades da floresta para viabilizar a bio-produção a nível internacional. Desta forma, eles se diferenciarão das demais concorrentes nacionais e internacionais. Desenvolvemos assim uma ponte de cooperação equilibrada e justa.

(1) http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/datas/indio/numeros.html
(2) MEYER, M. C., Amerindian Communication and Sustainable Economic Development Programme for a Culture of Peace in Brazilian Amazônia, Report of Activities and Evaluation, UNESCO, Participation Programme 00 BRA 603, 2000-2003, 250p.

(*) Presidente do PISAD EUROPE (Programa Internacional de Salvaguarda da Amazônia, Mata Atlântica e Ameríndios para o Desenvolvimento Sustentável) – Paris, em parceria institucional e financeira com a UNESCO – Programa 00 BRA 603: Amerindian Communication and Sustainable Economic Development Programme for a Culture of Peace; professor Convidado junto à Universités de Paris – Sorbonne e membro titular da Société de Médecine de Paris.