A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comemorou na terça-feira (14) ao lado de movimentos sociais a decisão do governo brasileiro de defender a adoção do termo “contém OVMs (organismos vivos modificados)” nos rótulos de produtos transgênicos para exportação. A posição, no entanto, recebeu críticas pesadas de empresários e representantes do agronegócio, que a classificaram de contrária aos interesses econômicos do país e até unilateral.
Anunciada na segunda-feira (13) à noite, a decisão será defendida pelo país durante a MOP3 – 3º Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena, reunião da ONU sobre biossegurança que acontece em Curitiba (PR). A posição brasileira sugere um período de quatro anos para a transição, durante a qual será usada a expressão “pode conter” nos casos em que ainda não é feita a separação entre produtos com e sem OVMs.
Mesmo assim, a proposta foi recebida como uma vitória dos ambientalistas – não só por Marina, mas também pelas entidades que participam do Fórum Global da Sociedade Civil, em evento paralelo à MOP3. Na mesa, ao lado de Marina, estavam o líder nacional do MST, João Pedro Stedile, e o governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB).
O apoio à ministra veio com uma crítica aos quatro anos de transição. Uma nota conjunta de todos os participantes do fórum diz que as entidades ficaram “alarmadas” com o prazo. “O Protocolo de Biossegurança já foi objeto de negociações por cinco anos e prorrogado por mais dois. Então, o agronegócio já teve sete anos para se adaptar”, disse a representante da Terra de Direitos, Maria Rita Reis.
Contraponto – A CNI – Confederação Nacional da Indústria não se manifestou diretamente sobre a decisão do governo brasileiro, mas reiterou que optar pela expressão “pode conter” na identificação dos carregamentos seria o mais desejável do ponto de vista econômico.
Em comunicado oficial, a CNI disse que a adesão ao contém acarretaria um custo extra de US$ 50 milhões por ano à indústria brasileira, o que “tiraria a competitividade do país em relação a grandes exportadores de commodities como os EUA e a Argentina, que não são signatários do documento”. Para a confederação, o custo para fazer a triagem deveria ir para o importador, e não para os países exportadores.
Gilman Viana, do Departamento de Comércio Exterior da CNA – Confederação Nacional da Agricultura, condenou o que chama de “partidarização de um assunto técnico” – segundo ele, a decisão, arbitrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, veio para agradar os membros de seu próprio partido. “A maioria dos ministros estava contra o “contém”, foi uma decisão centralizadora.”
Viana também contestou o argumento de que o critério mais restritivo abriria as portas de mercados como o europeu, que exige o rastreamento, para a soja transgênica brasileira. “A Europa inteira quer o produto segregado, mas não paga um centavo a mais por isso.” Em tese, os grandes produtores de grãos que estão fora do Protocolo de Cartagena (como EUA e Argentina) seriam forçados a se adequar às novas regras, coisa da qual Viana duvida. “É impossível atender a demanda só com a produção dos membros do protocolo”, diz.
Marina Silva disse que o prazo proposto não significa esperar quatro anos para se fazer a identificação. “Ela é cumulativa e processual. Você vai criando a estrutura para segregar (o produto transgênico) e para a preservação dos eventos e, ao mesmo tempo, vai fazendo a identificação.”
“Não podemos mais sacrificar os recursos (naturais) de milhões e milhões de anos pelo lucro de alguns anos”, disse a ministra aos participantes. Segundo ela, foi com essa convicção que aceitou ser ministra do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O rótulo que confirma a presença de transgênicos em cargas para exportação é a regra defendida pela maioria dos 132 países signatários do protocolo. Espera-se que a nova posição brasileira acabe com o impasse sobre a questão -antes, o país era um dos únicos a defender o “pode conter”.
“Contém Marina” – O governador Roberto Requião disse que, depois de “um discurso duro” contra o governo na abertura da MOP3, contra a posição dúbia do Brasil, precisou reconhecer que o governo Lula “também contém Marina Silva”.
Stedile afirmou que o governo brasileiro tem de fazer o agronegócio cumprir a exigência de rotulagem explícita nos alimentos que contêm OVMs e chegarão ao consumidor -aspecto não regulado pelo protocolo. “Não são eles que dizem que transgênico não faz mal à saúde? Então, por que têm vergonha?” (Mari Tortato/ Folha Online)