O Brasil tem uma grande oportunidade de avançar as discussões globais sobre um acordo abrangente para limitar emissões de CO2 que seguem a partir desta segunda-feira (29) na conferência das Nações Unidas sobre mudança climática em Cancún, no México, de acordo com o ex-líder da ONU para a questão, Yvo de Boer.
Hoje atuando como assessor da consultoria KPMG, de Boer disse à BBC Brasil acreditar que, diante de impasses entre interesses de países industrializados e em desenvolvimento, especificamente Índia e China, os representantes brasileiros têm o poder de desobstruir o caminho.
“Entendo o atual debate de China e Índia (com os países industrializados) sobre os níveis de ambição, tipo de compromisso e como isso deve ser registrado internacionalmente, mas espero que isso não atrapalhe ações concretas, porque a mensagem da comunidade científica é muito urgente e muito forte: o que precisamos agora é de ação. Acho que o Brasil pode nos ajudar nisso”, afirmou de Boer.
O ex-secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC, na sigla em inglês) participará da conferência no México como representante da comunidade empresarial internacional e afirma estar satisfeito por “não carregar nas costas o peso do processo”.
O diplomata holandês disse também à BBC Brasil que a falta de uma arquitetura mundial que oriente ações de combate ao aquecimento global “frustra empresas e governo” e que espera trazer “resultados reais” de Cancún.
Para isso, o empurrão brasileiro poderia ser fundamental, principalmente se influenciar uma mudança de postura dos outros dois grandes participantes do chamado bloco Basic (Brasil, África do Sul, Índia e China). Para ele, seria positivo se o grupo conseguisse afinar uma só posição.
A questão de como serão aferidas as emissões de países em desenvolvimento promete ser um dos temas “calientes” de Cancún. Ao longo do ano, China e Índia foram contra a criação de mecanismos internacionais para monitorar as emissões.
Por outro lado, os países industrializados consideram a questão – em linha com o que foi negociado em Bali, em 2007 – um pré-requisito para a liberação de fundos para combate às consequências do aquecimento global.
“Parte do problema é que países estão querendo reescrever o acordo que foi fechado em Bali e isso está levando a muito da confusão que vemos agora. O Plano de Ação de Bali era muito claro naquilo que se esperava de países em desenvolvimento, a saber: ações reais, mensuráveis e verificáveis em troca de apoio financeiro real, mensurável e verificável.”
Yvo de Boer também comentou a responsabilidade do Brasil diante da exploração das enormes reservas de petróleo do pré-sal.
Na opinião do holandês, o importante é que o país como um todo adote uma agenda verde.
“Entendo que o Brasil queira explorar as suas reservas de petróleo, mas ele também é um signatário da convenção de mudança climática e do Protocolo de Kyoto, e tem um papel central nas discussões atuais, então o país vai ter que encontrar formas de casar, de um lado o desejo de explorar as reservas de petróleo, e de outro, o desafio de enfrentar a mudança climática.”
Credibilidade da ciência – O segredo desse casamento, segundo de Boer, é dedicar parte da renda proveniente do petróleo para ações que levem a um futuro mais verde.
O governo brasileiro já apresentou um projeto de criação de um fundo social, já aprovado pelo Senado, que utilizaria recursos do pré-sal nas áreas de combate à pobreza, ambiental, educação, cultura e ciência e tecnologia.
Preocupado com o abalo na credibilidade da comunidade científica com os recentes escândalos de emails hackeados e erros em pesquisas utilizadas pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), de Boer afirmou que a falta de convencimento da população pode ter consequências graves.
“Políticos dependem de apoio popular para tomar decisões difíceis. Se tiverem a impressão de que não contam com o eleitorado para isso, fica muito problemático para eles agirem e irem adiante.”
Para ele, a solução é “reconstruir a confiança na ciência, mostrar que o Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas está levando as críticas a sério, arrumando a casa, criando sistemas de equilíbrio e controle para recuperar a credibilidade da ciência”. (Fonte: G1)