A Floresta Amazônica é um mundo verde, com paisagens deslumbrantes. Bichos e plantas variados. Recursos e riquezas de todo tipo. Só que nessa região exuberante, grande parte dos moradores ainda têm renda e nível de vida bem abaixo da média nacional. Em outras palavras: floresta rica e povo pobre. Como vencer essa contradição?
Para o professor Lauro Barata, um químico renomado, uma parte da saída está na produção de óleos, elaborados com plantas nativas. “Estamos em cima da maior biodiversidade do planeta e ainda pouco utilizada. Temos milhares de plantas que podem ser aproveitadas e elas podem ser fonte de renda para pequenos produtores. É um potencial fantástico que está em nossas mãos e nós estamos fazendo o que é preciso fazer para transformar essa biodiversidade em produtos.”
O professor Barata faz parte de um grupo de cientistas que estudam a produção de óleos, na Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém. O trabalho engloba pesquisas botânicas, métodos de fabricação e também o cultivo das espécies.
A ideia é estimular o surgimento de lavouras pequenas e médias, de preferência em áreas já desmatadas, e sempre de acordo com a lei ambiental.
Entre as plantas pesquisadas, está o cumaru. O óleo da espécie é feito com as sementes, que ficam dentro do fruto. “Se extrai o aroma para a indústria de perfumaria. Não é de extrativismo, é de cultivo”, explica o professor.
Já a macaca-poranga ainda não é aproveitada comercialmente. O óleo pode ser extraído das folhas e ramos e, segundo o professor, tem grande potencial de mercado.
Outro produto pesquisado é um capim da Amazônia: a priprioca. O óleo, produzido com as raízes, já começou a ser usado por indústrias brasileiras de perfumes e cosméticos. “Não existe nenhum perfume no mundo que tem esse cheiro.”
De todas as espécies da Amazônia, a mais estudada pela equipe do professor Barata é o pau-rosa. A árvore é nativa das áreas de mata fechada e quando adulta pode chegar a 30 metros de altura. Com nome científico Aniba rosaeodora Ducke, o pau-rosa é da família das lauráceas, parente dos louros e das canelas.
Ao longo do século 20, a espécie foi muito explorada para produção de um óleo aromático, elaborado com a madeira triturada. O auge da atividade foi nos anos 60. Na época, os principais compradores da essência eram empresas estrangeiras de perfumes finos.
O óleo de pau-rosa entrava na receita de um famoso perfume francês, utilizado por celebridades como Marilyn Monroe. A atriz chegou a dizer que na hora de dormir não usava roupa nenhuma, apenas algumas gotinhas do tal perfume.
O problema é que, longe de Hollywood e Paris, a exploração da espécie corria de maneira descontrolada, como conta o professor Paulo de Tarso Sampaio. Engenheiro florestal, ele estuda o pau-rosa há 25 anos no INPA – o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.
“Ao longo do século passado o pau-rosa sofreu um massacre. A exploração era desordenada e sem tecnologia. O resultado é que a população da árvore foi diminuindo drasticamente e chegou até a desaparecer em vários pontos da Amazônia. Uma história triste de destruição.”
Com a redução das populações nativas, nos anos 80, a produção do óleo de pau-rosa diminuiu bastante. Nessa época, as leis ambientais se tornaram mais rígidas, a fiscalização aumentou e dezenas de destilarias fecharam as portas.
Atualmente, o pau-rosa faz parte de uma lista de espécies ameaçadas de extinção. O corte da árvore só é permitido com um plano de manejo sustentável, aprovado pelo Ibama. Nos últimos anos surgiu uma alternativa: em diferentes lugares da Amazônia, cientistas começaram a estudar o plantio e o uso sustentável da espécie. As pesquisas envolveram entidades como Inpa, Embrapa, várias universidades e também agricultores.
Um ponto chave é a produção ecológica do óleo, como conta o professor Barata, um dos pioneiros no assunto. “Nossa técnica é extrair o óleo das folhas, você corta ramos e extraí numa dorna. A árvore não precisa ser abatida, ao contrário, você poda uma vez por ano. Uma fonte de riqueza.”
Uma propriedade no município de Maués, no estado do Amazonas, desenvolve um trabalho que se tornou referência. Com natureza preservada e praias bonitas, Maués é uma cidadezinha tranquila. Além de atrair turistas, o município se destaca pelo plantio do guaraná – uma espécie nativa da região.
A família de Carlos Magaldi fabrica óleo de pau-rosa desde os anos 50, numa usina que fica dentro do sítio. Até pouco tempo, o produto era todo extraído de troncos e galhos que vinham da floresta, de áreas manejadas.
O cultivo de pau-rosa começou no final dos anos 80, quando o pai de Carlos plantou as primeiras árvores. Atualmente, os bosques ocupam 12 hectares do sítio. Segundo o produtor, a lavoura não dá muito trabalho. De tempos em tempos, o pessoal do sítio faz uma capina, para evitar a concorrência com o mato.
Para plantar novas parcelas, o agricultor montou um viveiro. As mudas são formadas com sementes coletadas na mata e também nas áreas de cultivo. No campo, as árvores crescem rapidamente. Com quatro anos de idade, o pau-rosa atinge porte e já pode receber a primeira poda.
O manejo ocorre uma vez por ano, sempre nos meses mais secos. Os funcionários do sítio cortam apenas uns dois ou três galhos de cada árvore. O que talvez seja a principal qualidade do pau-rosa nesse tipo de cultivo é que os ramos cortados rebrotam com facilidade. Como o pau-rosa é uma espécie nativa, o cultivo comercial só pode ser feito com autorização ambiental.
Na usina, folhas e ramos – já secos – são triturados. O material sobe por esteiras e vai sendo empurrado para cilindros de metal: os alambiques. Na parte de baixo de cada cilindro, injeta-se vapor d’água. Conforme vai subindo, o vapor vai se impregnando do óleo que se desprende do material triturado. É o vapor que carrega o óleo pra fora do alambique. Na sequência, o óleo de pau-rosa é separado da água, passa por várias filtragens e vai ficando mais claro.
Em um ano, a usina produz cerca 2.500 kg de óleo. Tudo é vendido para empresas estrangeiras, que pagam nada menos do que R$ 370 por quilo.
Por tudo isso, Carlos acredita que a árvore nativa poderia ser cultivada por muito mais gente. “Eu particularmente vejo como uma alternativa muito viável aqui pra Amazônia. Pequenos produtores fazendo pequenos plantios de pau-rosa ou pequenas comunidades. Pelo seu baixo impacto, pela facilidade de manejo é uma atividade que não exige grandes aparatos técnicos e que traz uma excelente rentabilidade pro produtor.” (Fonte: Globo Natureza)