Como Roma não foi mesmo construída em um dia só, a pergunta não respondida entre os acadêmicos tem sido o quanto demorou a construção. Com que antecedência, antes que Júlio César tivesse vindo, visto e conquistado, os romanos começaram a adotar a arquitetura monumental como reflexo da grandeza de suas ambições?
A maioria dos historiadores concorda que a Roma primitiva não oferecia nada a ser comparado aos templos sublimes da Grécia e não era uma cidade particularmente esplêndida, como Alexandria, no Egito.
Qualquer vislumbre definitivo sobre os estágios de formação das ruínas arquitetônicas romanas jazem de forma irrecuperável abaixo de camadas das repetidas reformas da cidade ao longo do tempo dos césares, dos papas e do Renascimento. A ruína mais imponente dos primeiros anos da Roma imperial é o Coliseu, construído no primeiro século da era cristã.
Agora, em escavações 18 quilômetros a leste do centro da cidade de Roma, arqueólogos acreditam estarem vendo um relance dos gostos romanos em arquitetura monumental muito antes do que anteriormente se pensava, cerca de 300 anos antes do Coliseu.
Eles descobriram as ruínas de um vasto complexo de paredes de pedra e terraços conectados por uma grande escadaria e cercados por vários cômodos, uma demonstração de riqueza e poder espalhada por uma área de mais da metade de um campo de futebol. Segundo os arqueólogos, trata-se provavelmente dos restos de um prédio público no auge da cidade-estado de Gabii ou, possivelmente, uma residência excepcionalmente luxuosa.
A descoberta aconteceu no último verão do Hemisfério Norte por uma equipe de arqueólogos e estudantes liderados por Nicola Terrenato, professor de estudos clássicos da Universidade de Michigan e nativo de Roma. Ao final da presente temporada de escavação, afirmou Terrenato durante entrevista telefônica de Roma, cerca de dois terços do complexo terão sido escavados e estudados para “nos dizer mais a respeito de como os romanos construíam nesse estágio de formação” (entre 350 a.C. e 250 d.C.).
Terrenato observou que as descobertas parecem contradizer a imagem da cultura romana primitiva, perpetuada por notáveis como Catão, o Antigo, e Cícero, “como sendo muito modesta e discreta”. Dizia-se que isso não mudou até os soldados voltarem da conquista da Grécia no segundo século antes da era cristã quando suas cabeças teriam sido viradas pelos refinamentos e luxos gregos.
“Agora vemos que os romanos já estavam pensando grande”, ele afirmou.
O sítio de escavação em Gabii é um presente para os arqueólogos. Não apenas a cidade ficava nos arredores de Roma, com muitas ligações, mas também a maioria das ruínas foram enterradas e nunca mais reconstruídas depois do seu declínio nos séculos II e III d.C. O prédio se situa em um terreno baldio da moderna Lazio.
Na época, Roma havia suplantado Gabii em tamanho, mas historiadores acreditam que a cidade vizinha poderia ter influenciado os romanos. Escavações anteriores realizadas pelo grupo de Michigan, iniciadas em 2007, encontraram uma parte importante da cidade, incluindo residências particulares, requintados funerais, muralhas da cidade e um templo.
Segundo Terrenato, talvez de maior importância seja o fato de a pesquisa recente demonstrar que as pessoas praticavam algum tipo de planejamento urbano em Gabii.
Estudiosos da história antiga e outros arqueólogos desconheciam as descobertas em Gabii ou foram cautelosos em seus comentários.
Richard J.A. Talbert, historiador da Universidade da Carolina do Norte, campus de Chapel Hill, e estudioso da geografia antiga do mundo mediterrâneo, visitou as escavações de Gabii no ano passado. Talbert observou que na tradição romana posterior, Gabii era vista como “uma fonte de ideias e cultura”. Contudo, ele acrescentou, “nós não possuímos indícios suficientes para afirmar qual influência Gabii exercia sobre Roma nesses primeiros estágios”.
Christopher Ratté, diretor do Museu Kelsey de Arqueologia, da Michigan, disse que a escavação fazia parte de um exame concentrado do ambiente social na Itália central antes da ascensão de Roma como potência mundial. “Foi uma grande surpresa descobrir que ainda era possível fazer novas descobertas do gênero em uma região tão bem pesquisada”, ele avaliou.
O Projeto Gabii, apoiado pela Fundação Nacional para as Humanidades, em colaboração com o organismo arqueológico italiano, explorou e mapeou os mais de 170 acres da cidade antiga, construída nas encostas de um vulcão extinto onde a cratera se tornou um lago. Depois, os arqueólogos encontraram o elaborado complexo de prédios.
Terrenato disse ter ficado impressionado de imediato com o tamanho dos blocos de pedra do muro de contenção na encosta dentro do complexo. Cada uma pesava milhares de quilos.
“Era como construir com Lego. Elas eram empilhadas uma em cima da outra sem qualquer tipo de cola a uni-las. Eles só tinham acesso a essa técnica, e deve ter sido o desejo por esse tipo de construção grande que os levou a inventar a argamassa cerca de 125 anos mais tarde.”
Os pesquisadores também admiraram os detalhes arquitetônicos: fileiras de pilares de pedra, quintais e terraços cobertos com mosaicos de padrões geométricos, uma escadaria de 21 degraus esculpida no leito da pedra. Para eles, isso significava que as pessoas estavam começando a experimentar com a modificação do ambiente natural, cortando a encosta natural e criando um muro de contenção.
“Tudo isso só serviu para estimular nosso apetite”, afirmou Terrenato, ansiando em continuar as escavações no próximo verão e esperando uma extensão do projeto para além de 2014. (Fonte: Portal iG)